domingo, 5 de junho de 2016

Lembranças do meu Tio Adolpho (VI)

                              


        Hoje parecia a princípio que seria jornada ensolarada, com as praias razoavelmente cheias, apesar de estarmos em outono avançado.
        Não é que as estações no Rio de Janeiro tenham muita relevância, embora no passado em que bastante jovem - na época pré-Manchete, vale dizer no princípio dos anos cinquenta - podia às vezes participar dos passeios de carro de meus tios Adolpho e Lucy.
        Nesse tempo, Adolpho tinha um carro conversível, e dos grandes. Não me lembro se era Oldsmobile ou Buick, ele e Lucy gostavam de passear pelos arredores do Rio.
        Convidados,  minha mãe e eu, aproveitávamos o passeio, que em geral nos levava às cidades serranas, Petrópolis e Teresópolis.
        Com o tempo bom, e o sol não muito forte - em geral, o passeio acontecia de tarde - curtíamos a oportunidade, não só de passear, mas de olhar a paisagem, eis que o nosso veículo habitual era o bonde.
        Mas mesmo em saída que nos levaria ao Quitandinha, ou até a Teresópolis, que é um pouco mais longe que Petrópolis, surgia sempre a oportunidade da quebra da rotina, com parada em venda especializada nos amanteigados da Serra.
          Havia outro lance, este com a marca típica de Adolpho Bloch, que me despertava a admiração, pela calma e a naturalidade de meu tio. Hoje eu chamaria a sua maneira de lidar com a exigência como aplomb.
          Na saída do Rio de Janeiro, quando os veículos íam deixar a avenida Brasil e tomar a pista expressa para Petrópolis, existia uma barreira policial em que os carros tinham de acostar-se junto à borda da pista, para a fiscalização policial.      
           Dentro da burocracia rodoviária, era uma espécie de posto em que os motoristas tinham de mostrar alguma documentação, de que na minha idade  (estaria entrando nos teens[1]) não fazia a menor idéia.
           Na direção, Adolpho fazia uma senhora figura. A camisa elegante,  com as mangas enroladas, o jeitão simpático e sorridente, ele recebia o policial, que parecia reconhecê-lo, e num movimento, de que faz uma atenção e um esforço por gentileza, ele se estendia até o porta-luvas - em geral cerrado - e dava a impressão de que fazia um grande esforço para atender à solicitação do agente da lei. Havia nessa atitude todo o gestual da pessoa que, com status social de primeira linha, se esforçava realmente para produzir aquilo que lhe era requisitado.
           Mas  Adolpho não era sambista nem frequentador da Praça Onze por acaso. Enquanto Lucy fazia o coro, por assim dizer gestual, que ressaltava o desejo do policial, e o quanto o casal prezava em que fosse atendido, o tio, sem querer, me dava uma exibição grátis da malandrice carioca.
            E não é que ao cabo daquela que sabíamos uma encenação - ele se esquecia amiúde de trazer os documentos do veículo - era o próprio policial que chegava a expressar, consternado por dar aquele trabalho inútil a um cavalheiro tão gentil e tão bem educado, e que tanto na verdade se esforçava  em apresentar-lhe os papéis exigidos !
            Com roupa de linho, Adolpho podia ser o próprio malandro carioca...
              E, embevecido, o menino observava a esperteza e, sobretudo, a maneirice do Tio...




[1] em  torno de  onze anos.

Um comentário:

Mauro disse...

Olá Pai, fiz uma imagem mental da cena - os quatro num conversível com o policial ao lado... Quanto a Lucy e Adolpho a minha menor convivência não incita estranhamento, mas no seu caso e da Vovó Maria o quadro é pitoresco. Vejo os dois sentados no banco de traz, entre preocupados e confiantes com a pantomima e a malandragem do tio. A Vovó Maria que eu me lembro, sempre tão séria e preocupada, não deve ter gostado nada nada... Quem diria que o episódio ficaria registrado pelo gurizinho de óculos. Abs,
Mauro