sexta-feira, 24 de junho de 2016

Cameron e a lata de lixo da História

                             

        A imprudência do Primeiro Ministro David Cameron parece ter-lhe  selado o próprio destino político e, por infelicidade do antigo Reino Unido, também a sua permanência na União Europeia.
        Com o seu rictus característico - em momentos de tensão - com o lábio superior comprimido pelo inferior, diante do púlpito montado junto à simbólica porta do 10, Downing Street, Cameron já anunciou a próxima renúncia, golpeado por  crise de que foi o principal criador.
        Com grande leviandade, Cameron para contornar uma crise menor, anunciara a convocação de referendo sobre a permanência ou não na U.E. Essa falta de prudência, conjugada com  má avaliação dos riscos envolvidos, seriam a perda de David Cameron.
        Tampouco foi pequena a diferença entre o Brexit (apontando a saída da U.E.) e o Remain (a permanência).  Além de ser marcada pela estúpida imolação de ainda jovem deputada trabalhista, Jo Cox, as consequências da dilaceração de união de 43 anos se apresentam a desencadear-se sobre a incapacidade política de Cameron, que já é reflexo da decadência como poder político e econômico do Reino Unido, condição que reponta desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
        O insularismo inglês, e a sua condição de Grande Potência, desapareceu no século XX, como decorrência das duas Grandes Guerras no Continente europeu, que projetaria, após 1945, um mundo com duas superpotências, i.e., os Estados Unidos e a União Soviética. As antigas européias, a França e a Inglaterra receberam prêmios de consolação, com afirmação de potência que não mais correspondia à realidade. Por sua vez, a inclusão da China representou, por um tempo, uma sinalização de potência futura.
          O século XXI nos mostra a Rússia em processo de recuperação, embora a sua potencialidade por ora esteja mais na audácia de Putin, do que na realidade fática. A União Européia continua um fato econômico, sob a liderança de Alemanha parcialmente recuperada da insânia hitlerista.
           A miopia de David Cameron ainda não produziu todos os efeitos negativos que a estúpida decisão de brincar uma vez mais com o referendo torna possível (Tony Blair convocara outro similar, em 2006, em que logrou vencer, mantendo a permanência do Reino Unido na União Européia). Como a Escócia - que recentemente tentou a via independentista - sufragou no referendo de ontem a permanência na U.E., semelha muito provável que o velho reino de Maria Stuart tente uma vez mais sua separação da Inglaterra. Também na Irlanda do Norte, prevaleceu o sufrágio em favor da permanência na organização de Bruxelas.
              Cameron já é um morto-vivo político, eis que o seu sucessor - que semelha ser Boris Johnson -  está com a própria candidatura nas ruas.
               Não surpreende que os movimentos de extrema-direita - como o de Marine Le Pen, na França - já se assanhem com a perspectiva de projetos análogos, posto que semelhe difícil que os povos europeus como o francês se entusiasmem com tais anacronismos.
                Quanto ao redimensionamento do Reino Unido - com a ulterior ameaça das defecções escocesa e da Irlanda do Norte - a precipitação cambial da libra esterlina diz bastante do nervosismo do mercado quanto às novas perspectivas que a falta de visão política (para não dizer sólida mediocridade) de  David Cameron tornou, de súbito,  uma triste e, na aparência, irremediável consequência.


( Fontes: The New York Times, O Globo, Lev Trotsky )                   

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