quinta-feira, 2 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (III)

                    


        Toda a vez que passo pelo Russell e olho para o edifício antes sede da Manchete, me aperta um pouco o coração.
         De início, peço a compreensão do leitor para o caráter assistêmico destas minhas notas. Vivendo no Rio de Janeiro e percorrendo espaços em que Adolpho Bloch marcou presença, tentar ordenar lembranças e memórias seria de certa forma afastar-me do seu cenário e, por conseguinte, transmitir impressões de meu memorável tio de forma que não corresponderia à sua natureza.
         Mas por que passar pelo Russell me confrange, ao mesmo tempo que me transporta a uma época que não mais perdura?
         Acompanhei entre criança, adolescente e jovem, o tempo da Frei Caneca, quando Gráficos Bloch começou a virar Bloch Editores. Ali estava a gráfica dos Irmãos Bloch, e que descendia do Pai Joseph Bloch, que da Rússia - na verdade Ucrânia - emigrara para o Brasil, forçado pelas revoluções e os inevitáveis pogroms, urdidos pelas calamidades e os preconceitos de então.
          Me lembro muito bem da modesta entrada das oficinas da Frei Caneca. Os escritórios ficavam na frente, e ali os irmãos Bloch - Boris, Arnaldo e Adolpho, o mais jovem - tratavam dos negócios da Gráfica, e começavam a preparar a revista Manchete. Então, o mercado era dominado por O Cruzeiro, uma das revistas dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
            Naquele tempo - e aí vejo a época desenhar-se em que o irmão mais novo principia a ocupar-se de o que seria uma revista moderna, e que sob a orientação e diagramação de Henrique Pongetti se preparava para descer à arena e enfrentar o todo-poderoso O Cruzeiro.
             Que o leitor me desculpe se as minhas memórias - necessariamente esparsas - não estruturem em realidade a progressão das primeiras revistas Manchete. Correu na época uma observação ferina em que se  comparara o semanário aos belos gráficos de folhinha de que faltasse o calendário...
             Como quase toda crítica, ela tinha a peçonha de alguma verdade. Correspondia também à maneira irônica de diminuir o ponto forte do semanário - sem dúvida, a perfeição gráfica, que vinha da experiência, e na qual os irmãos Bloch dispunham  de longo saber/arte, que dava à revista a estrutura-fundamento em que se assentaria o trabalho diuturno. Começando pelo domínio do mais difícil, não surpreende que não se impressionassem com a crítica. Faltava-lhes apenas o verbo. A forma, aquela em que tantos tropeçam, seja pela beleza, seja pelos ínsitos segredos, esta já a possuíam.
                    Terá sido por isso que não deram mossa à critica, cujo viés traduzia, a um tempo, a ínsita fraqueza de quem a formulara, a par de uma situação contingente, em que se repetia a eterna luta entre o novo, que apenas surge,  e o velho, que pressente a ameaça.
                     O leitor há de resmungar que nada ainda disse sobre o Russell e a impressão que aí me causa  um par de edifícios.

                      E será sobre isso que prometo escrever  a seguir, nessas zigzagueantes memórias acerca do meu Tio Adolpho.

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