Toda a vez que passo pelo Russell e olho para o
edifício antes sede da Manchete, me aperta um pouco o coração.
De início, peço a compreensão do
leitor para o caráter assistêmico destas minhas notas. Vivendo no Rio de
Janeiro e percorrendo espaços em que Adolpho Bloch marcou presença, tentar
ordenar lembranças e memórias seria de certa forma afastar-me do seu cenário e,
por conseguinte, transmitir impressões de meu memorável tio de forma que não
corresponderia à sua natureza.
Mas por que passar pelo Russell me
confrange, ao mesmo tempo que me transporta a uma época que não mais perdura?
Acompanhei entre criança, adolescente
e jovem, o tempo da Frei Caneca, quando Gráficos Bloch começou a virar Bloch
Editores. Ali estava a gráfica dos Irmãos Bloch, e que descendia do Pai Joseph
Bloch, que da Rússia - na verdade Ucrânia - emigrara para o Brasil, forçado
pelas revoluções e os inevitáveis pogroms,
urdidos pelas calamidades e os preconceitos de então.
Me lembro muito bem da modesta entrada
das oficinas da Frei Caneca. Os escritórios ficavam na frente, e ali os irmãos
Bloch - Boris, Arnaldo e Adolpho, o mais jovem - tratavam dos negócios da
Gráfica, e começavam a preparar a revista Manchete. Então, o mercado era
dominado por O Cruzeiro, uma das
revistas dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
Naquele tempo - e aí vejo a época
desenhar-se em que o irmão mais novo principia a ocupar-se de o que seria uma
revista moderna, e que sob a orientação e diagramação de Henrique Pongetti se
preparava para descer à arena e enfrentar o todo-poderoso O Cruzeiro.
Que o leitor me desculpe se as
minhas memórias - necessariamente esparsas - não estruturem em realidade a
progressão das primeiras revistas Manchete. Correu na época uma observação
ferina em que se comparara o semanário
aos belos gráficos de folhinha de que faltasse o calendário...
Como quase toda crítica, ela tinha
a peçonha de alguma verdade. Correspondia também à maneira irônica de diminuir
o ponto forte do semanário - sem dúvida, a perfeição gráfica, que vinha da
experiência, e na qual os irmãos Bloch dispunham de longo saber/arte, que dava à revista a
estrutura-fundamento em que se assentaria o trabalho diuturno. Começando pelo
domínio do mais difícil, não surpreende que não se impressionassem com a
crítica. Faltava-lhes apenas o verbo. A forma, aquela em que tantos tropeçam,
seja pela beleza, seja pelos ínsitos segredos, esta já a possuíam.
Terá sido por isso que não deram mossa à critica,
cujo viés traduzia, a um tempo, a ínsita fraqueza de quem a formulara, a par de
uma situação contingente, em que se repetia a eterna luta entre o novo, que
apenas surge, e o velho, que pressente a
ameaça.
O leitor há de resmungar
que nada ainda disse sobre o Russell e a impressão que aí me causa um par de edifícios.
E será sobre isso que prometo
escrever a seguir, nessas zigzagueantes memórias
acerca do meu Tio Adolpho.
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