sexta-feira, 17 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (XV)

                        


         Só posso atribuir que as viagens a Paris do casal Adolpho e Lucy se tenham amiudado com a minha transferência para a Cidade Luz.
         Do Rio não vinham boas notícias quanto ao governo de João Goulart. Já na minha viagem de trem de Cannes para a capital, as perguntas dos franceses rondavam acerca das perspectivas de mudanças radicais em nosso país. Mais se falava do esquerdismo de João Goulart do que de uma intervenção militar, a despeito da circunstância de que os locais parecessem bem enfronhados da presença castrense na América Latina.
         Como jovem Segundo Secretário, eu tratava de passar  imagem menos inquietante para os companheiros de viagem. Não me escapava, no entanto, que o conhecimento deles não se assinalava pela abismal ignorância com que já tivera de lidar em outras paragens, bem mais próximas do nosso país.
          Dias mais tarde, já em Paris, a leitura do jornal Le Monde me mostraria de onde vinha toda aquela informação. Ao contrário de um desconhecimento quase pitoresco, o interesse do leitor francês mostrou-me duas coisas. Vinha ele da presença na informação determinada pela comum herança latina, bem como de ideias mais próximas da realidade acerca da potencialidade do Brasil.
           Descendo na estação - dada a ubiquidade dos trilhos no hexágono francês, o número de gares[1] na Cidade Luz impressiona. Todo o interior corre para o centro parisiense, e por isso as construções são imponentes, dentro do estilo típico do século passado (reporto-me, é claro, ao décimo-nono, no auge da circulação ferroviária).
           Tomei então um taxi - eram em geral pretos - e rumei para o hotel que colega da missão me tinha reservado,  quase no final da Avenue Montaigne, não por coincidência o então endereço da chancelaria da Embaixada, que ficava no número 45 da bela avenida.
            Mas aqui devo fazer uma pausa, pois o escopo desses blogs é contar de Adolpho e também Lucy. Se não me engano, a Manchete alugara então um escritório que serviria de agência em Paris. Tinha vindo de navio (quinze dias de travessia, com duas escalas: Lisboa, o cais repleto de militares sendo arrebanhados para combater na guerra de independência em Angola; e Barcelona, em plena ditadura do Caudilho Francisco Franco. Desembarcaria no sul da França, por um lanchão que me levou e ao caixote da bagagem para o ancoradouro de Cannes).
             Já meus tios, como menos bagagem, vieram de avião, que naquele tempo consumia mais horas do que a atual travessia, e os trouxe até o aeroporto de Orly, que muito mais tarde cederia a primazia ao Charles de Gaulle, em que a quantidade de pavilhões reflete ter o transporte aeronáutico tomado o lugar dos transatlânticos.
              No entanto,  os tios estavam em local próximo ao meu, porque tanto o hotelzinho aonde ficara, quanto o Plaza-Athénée se achavam na mesma Avenue Montaigne. Aí, no entanto, paravam as semelhanças.
              Na sua primeira vinda depois que me instalei no Hotel des Théatres, ainda estava muito verde para querer fazer as vezes de guia. Mas com aquela falsa segurança dos jovens, já me animava a fazer sugestões e, por  isso, a expor-me às brincadeiras irônicas de Adolpho.
              O que achava peculiar no Adolpho viajante é que ele se transmutava num turista mais voltado para a relação custo-preço. Essa nova atitude me divertia um pouco, às vezes,  e me irritava outro tanto, pela disparidade no comportamento.
               Nas vezes em que eles apareceram em Paris - e não foram poucas - o casal já não me viu sozinho. Eles brincavam com a minha acompanhante, que era também brasileira, e que os conhecia somente através da imprensa. O que mais me estranhava nesse Adolpho viajante é que ele timbrava em perguntar-me de algum bistrot ou restaurante em que fosse possível comer um bom assado, de preferência pelo fogo...
                 A princípio, eu perguntava aos meus botões "onde o tio Adolpho pensa que está? espeto no fogo, carne boa e barata? isso não existe..."
                 Com tanto restaurante bom, o que significa isso?
                  Por fim, me daria conta de que era a maneira de Adolpho acenar para algo mais simples e ...  mais barato.  Para aquele gastador, que frequentava os melhores restaurantes no Brasil, não é que lhe batia o atávico sentido de ser econômico em viagem ao exterior?
                  Não seria desta vez, mas haveria outra ocasião, em que  o tio não falou de assados e de carne no fogo... Pudera... a companhia era outra, e até mesmo capitosa...
                  Mas isto fica para o próximo.  




[1] estações férreas.

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