sexta-feira, 3 de junho de 2016

O Processo do Impeachment

                        

         Não há dúvida de que o impeachment é  processo constitucional necessário, a que se deve recorrer quando o governante eleito perdeu a credibilidade e, por conseguinte, a capacidade de gerir a coisa pública.
       Foi o que ocorreu com a presidente Dilma Vana Rousseff.  Eleita para o primeiro mandato fundada no despreparo do eleitorado, que na prática funcionou como processo organizado e ultimado por um coronelão máximo, no caso Lula da Silva, presidente que recomendou para  'continuar a sua obra'  a própria chefe de gabinete, já com experiência  nesse tipo de tarefa política.
       
        Esse tipo de 'recomendação' ao eleitorado é fenômeno comum no Nordeste, e se verifica pelas condições sócio-políticas específicas do público a que se dirige.
        
        Se há de surpreender que tal procedimento tenha podido realizar-se para um cargo em nível máximo, e para toda a federação, decerto não diz bem desse colégio eleitoral, capaz de aceitar a instrução do chefe supremo da Nação. Reeditou-se no plano federal  fenômeno político que é tipico do Nordeste.

          No caso, o eleitorado foi ilaqueado por meias-verdades. Dessarte, nem Dilma Rousseff tinha o preparo e a experiência política para concorrer à presidência, nem o seu cargo anterior - chefe da Casa Civil -  correspondia à coordenação do gabinete ministerial.

           Se em outras latitudes tal ilusão não teria sido possível, a propaganda eleitoral e a própria campanha do principal adversário - singular e incomparavelmente mais bem preparado do que a indicada pelo Presidente em fim de mandato - caracterizada pela inabilidade e por erros políticos  - facilitaram em muito a vitória, em segundo turno, da candidata oficial.

            A inexperiência de Dilma Rousseff e os seus peculiares propósitos em termos de ação governamental  produziram o descalabro do primeiro mandato que, oculto por hábil propaganda, não lograria escapar ao conhecimento público, quando a grave situação financeira do país se tornaria inegável e indisfarçável.

            A vertiginosa queda na popularidade de Dilma Rousseff - que resultara do fracasso do primeiro mandato (só plenamente conhecido no começo do segundo) - produziu a chamada peripeteia (nas tragédias helênicas a mudança radical na situação do(a) protagonista), que criaria de imediato as condições para desencadear o processo do impeachment.

            Esse processo, constitucionalmente legal, demonstra para pessoas de boa fé que  não houve golpe algum - como ardilosamente buscou  descrever a brusca mudança o partido oficialista.

             Quem jogou por terra o segundo mandato de Dilma Rousseff foi a conscientização popular da maneira artificiosa e desonesta com que a segunda vitória fora obtida.

              Diante do petrolão (a criminosa utilização da Petrobrás como a fonte de recursos da maioria governamental) as consequências foram, na essência, duas: a rejeição pelo Povo de  governo manifestamente ilegal pela maneira criminosa com que o eleitorado fora induzido em erro; e a força adicional adquirida pelo inédito descaramento de dilapidar a empresa- emblema do nacionalismo econômico, segundo a proposta de Getúlio Vargas, em cínico, despudorado processo de enriquecimento partidário e individual da maioria dos grêmios políticos, à custa do futuro do Brasil, criminosamente partilhado por uma aliança de  partidos liderados pelo PT.

               Em função dessa rejeição - e a despeito do avanço da corrupção, traduzida esta na sua presença nas principais curuis da Nação - a sociedade civil logrou através do varão de Plutarco que é o Dr. Hélio Bicudo, e com a participação do Prof. Miguel Reale Jr. e da Dra. Janaína Paschoal, estruturar   processo que, na essência, se propôs combater, prender e contra-arrestar a associação criminosa de empreiteiras e de políticos, mais interessados no próprio enriquecimento do que no progresso do Brasil e no bem-estar  de sua população.

               As clamorosas falhas do Governo Dilma II - que, na prática, repetiram as do Dilma I - com a agravante de que o faziam não mais sob a proteção do manto da ignorância  levaria ao processo de impeachment, apropriadamente encetado pelo varão probo supracitado, que saíra do PT quando estourou o chamado Mensalão.

                Como é do geral conhecimento, a primeira fase do impeachment teve o êxito esperado.  No entanto, a decenal negligência do Congresso não adequara esse processo às indispensáveis mudanças e aprimoramentos que se revelariam no decurso da aplicação desse instrumento político.

                    O procedimento do  Impeachment, apesar de já ter sido utilizado uma vez - e também com óbvias e apropriadas razões de Estado - não sofreu nenhum aperfeiçoamento, nem adequação à evolução da Sociedade. Assim, continuou a ser aplicada legislação de 1950, elaborada sob a Constituição de 1946 (depois dessa, além da Carta militar, veio a Constituição Cidadã, de Ulysses Guimarães, datada de 1988).  Grita aos céus que a lei constitucional, para reger o impeachment deveria ter sido atualizada, o que não foi feito pela desídia do Congresso que, excetuados os picos de exigência, costuma operar apenas um dia e meio por semana.

                     Essas discrepâncias com a realidade criaram as inúmeras dificuldades que a velha legislação e a nova política tiveram de negociar, assim como inadequado predomínio  do Supremo Tribunal Federal, o que contraria  a cláusula pétrea da igualdade dos Poderes  (art. 2).   

                    Os inconvenientes do presente modelo de impeachment constitucional brasileiro  são igualmente desvelados pela atual situação constitucional do governo interino.

                     O impeachment de Dilma Rousseff foi aprovado pela Câmara com folgada maioria constitucional. Tal se deve notadamente à rejeição pelo Povo brasileiro do governo Rousseff, que aliou a corrupção à monumental incompetência, com as consequências econômicas e políticas que o Governo interino de Michel Temer deve ora enfrentar em curto espaço de meses. Pela atual legislação, já aprovara o impeachment também o Senado, com a mesma facilidade. Sem embargo, por força da legislação vigente, a situação da Presidente, uma vez aprovado o afastamento, ora deve ser reapreciada pelo Senado Federal, com um prazo de duzentos dias, e se se deve decretar a definitiva cassação do mandato presidencial.

                       Por alguns erros cometidos pelo governo Temer, erros políticos que não se comparam aos anteriores, tanto na parte econômica e política, quanto no que toca à corrupção,  essa administração interina vem sofrendo algum desgaste. Em consequência, há número impreciso de senadores que meditam a possibilidade de mudar de posição.  Completam o coro,  os lamentos e a agressiva propaganda petista, que carimbou de golpista o governo Temer.

                        Todas as pessoas com alguma inteligência e sobretudo pitadas de honestidade política, não tem condições de enlear-se na patranha do chamado "golpe", que  intenta desfazer todos os abusos e desrespeitos à Constituição pela Administração petista de Dilma Rousseff, como se na verdade tudo não passasse de ilusão, com que a Oposição soubera convencer Povo e Congresso.

                           Seria uma agressão não só ao Brasil, mas sobretudo à inteligência que manobra como essa, valendo-se de eventuais tropeços do governo interino, para reinstalar no Brasil o pesadelo repetido que seria a Administração Dilma III, com o coro dos partidos caudatários e a consequente tentativa de acabar com a Lava-Jato e reimplantar o corrupto Reino lulesco de Dilma Rousseff.
                            Tudo isso seria evitado se não tivéssemos esse estranho pendor de complicar o simples e de prolongar o que deveria ser necessariamente breve.
                             Nos Estados Unidos, de onde surgiu o modelo do processo constitucional de impeachment, não se perde tempo com a inútil - e potencialmente perigosa - repetição da dança do impeachment.

                              Lá a Câmara dos Representantes declara aberto o processo de impeachment, de acordo com a prescrição constitucional; e o Senado vota se o projeto do impeachment deva ser finalizado. São exigidas maiorias consequentes com a relevância da matéria, mas não se cai no erro de reencená-la depois de uns tantos meses. Ao fazer o que se faz no Brasil, trata-se de pôr de novo a questão do impeachment em julgamento, e se dá à parte acusada o benefício de recomeçar uma partida, que já deveria estar terminada.

                                Não faz o menor sentido este duplo papel do Senado, que ora se realiza.
                                Além de prolongar processo que já se estendeu por prazo considerável, ao repetir tal procedimento a Nação dá à causadora de grave crise constitucional a oportunidade de recomeçar de zero, e poder, teoricamente, virar incongruamente o jogo, a despeito da respectiva comprovada incompetência administrativa e constitucional.

                                 A fortiori, essa suposta duplicação do processo não serve a nenhum bem, e só tende a potencialmente causar o mal.

                                  Por duplicar matéria que interessa ao Povo e a Nação, uma vez atendidos e exauridos os respectivos requisitos constitucionais,  não faz, portanto, qualquer sentido repetir processo de que já foi sentida a grave necessidade,  esmiuçado e decidido, em níveis plurais de julgamento, e de que foi colhida a indispensável aprovação, em sete níveis de avaliação e aprovação, que inclui o pessoal, o  institucional, as comissões e os plenários respectivos.

                                 Ou será que devemos sempre cortejar o erro?

                                               

( Fontes:  Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, VEJA) 

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