Não há dúvida de que o
impeachment é processo constitucional necessário, a que se deve recorrer
quando o governante eleito perdeu a credibilidade e, por conseguinte, a
capacidade de gerir a coisa pública.
Foi o que ocorreu com a presidente Dilma Vana Rousseff. Eleita para o primeiro mandato
fundada no despreparo do eleitorado, que na prática funcionou como processo
organizado e ultimado por um coronelão máximo, no caso Lula da Silva, presidente
que recomendou para 'continuar a sua
obra' a própria chefe de gabinete, já com
experiência nesse tipo de tarefa
política.
Esse tipo de 'recomendação' ao
eleitorado é fenômeno comum no Nordeste, e se verifica pelas condições sócio-políticas específicas do público a que se dirige.
Se há de surpreender que tal
procedimento tenha podido realizar-se para um cargo em nível máximo, e para
toda a federação, decerto não diz bem desse colégio eleitoral, capaz de aceitar
a instrução do chefe supremo da Nação. Reeditou-se no plano federal fenômeno
político que é tipico do Nordeste.
No caso, o eleitorado foi ilaqueado
por meias-verdades. Dessarte, nem Dilma Rousseff tinha o preparo e a
experiência política para concorrer à presidência, nem o seu cargo anterior -
chefe da Casa Civil - correspondia à
coordenação do gabinete ministerial.
Se em outras latitudes tal ilusão
não teria sido possível, a propaganda eleitoral e a própria campanha do
principal adversário - singular e incomparavelmente mais bem preparado do que a
indicada pelo Presidente em fim de mandato - caracterizada pela inabilidade e
por erros políticos - facilitaram em
muito a vitória, em segundo turno, da candidata oficial.
A inexperiência de Dilma Rousseff e
os seus peculiares propósitos em termos de ação governamental produziram o descalabro do primeiro mandato
que, oculto por hábil propaganda, não lograria escapar ao conhecimento público,
quando a grave situação financeira do país se tornaria inegável e
indisfarçável.
A vertiginosa queda na popularidade
de Dilma Rousseff - que resultara do fracasso do primeiro mandato (só plenamente conhecido
no começo do segundo) - produziu a chamada peripeteia (nas tragédias helênicas
a mudança radical na situação do(a) protagonista), que criaria de imediato as
condições para desencadear o processo do impeachment.
Esse processo, constitucionalmente legal, demonstra para pessoas de boa fé que não houve golpe algum - como
ardilosamente buscou descrever a brusca mudança o partido oficialista.
Quem jogou por terra o segundo
mandato de Dilma Rousseff foi a conscientização popular da maneira artificiosa
e desonesta com que a segunda vitória fora obtida.
Diante do petrolão (a criminosa utilização
da Petrobrás como a fonte de recursos da maioria governamental) as
consequências foram, na essência, duas: a rejeição pelo Povo de governo
manifestamente ilegal pela maneira criminosa com que o eleitorado fora induzido
em erro; e a força adicional adquirida pelo inédito descaramento de dilapidar a
empresa- emblema do nacionalismo econômico, segundo a proposta de Getúlio
Vargas, em cínico, despudorado processo de enriquecimento partidário e
individual da maioria dos grêmios políticos, à custa do futuro do Brasil,
criminosamente partilhado por uma aliança de
partidos liderados pelo PT.
Em função dessa rejeição - e a
despeito do avanço da corrupção, traduzida esta na sua presença nas principais
curuis da Nação - a sociedade civil logrou através do varão de Plutarco que é o Dr. Hélio Bicudo, e com a participação do Prof. Miguel Reale Jr. e da Dra. Janaína Paschoal, estruturar processo que, na essência, se propôs
combater, prender e contra-arrestar a associação criminosa de empreiteiras e
de políticos, mais interessados no próprio enriquecimento do que no progresso
do Brasil e no bem-estar de sua
população.
As clamorosas falhas do Governo
Dilma II - que, na prática, repetiram as do Dilma I - com a agravante de que o
faziam não mais sob a proteção do manto da ignorância levaria ao processo de impeachment, apropriadamente encetado pelo varão probo supracitado, que saíra
do PT quando estourou o chamado Mensalão.
Como é do geral conhecimento, a primeira
fase do impeachment teve o êxito esperado.
No entanto, a decenal negligência do Congresso não adequara esse
processo às indispensáveis mudanças e aprimoramentos que se revelariam no
decurso da aplicação desse instrumento político.
O procedimento do Impeachment, apesar de já ter sido
utilizado uma vez - e também com óbvias e apropriadas razões de Estado - não
sofreu nenhum aperfeiçoamento, nem adequação à evolução da Sociedade. Assim, continuou
a ser aplicada legislação de 1950, elaborada sob a Constituição de 1946 (depois
dessa, além da Carta militar, veio a Constituição Cidadã, de Ulysses Guimarães,
datada de 1988). Grita aos céus que a
lei constitucional, para reger o impeachment deveria ter sido atualizada, o que
não foi feito pela desídia do Congresso que, excetuados os picos de exigência,
costuma operar apenas um dia e meio por semana.
Essas discrepâncias com a
realidade criaram as inúmeras dificuldades que a velha legislação e a nova
política tiveram de negociar, assim como inadequado predomínio do Supremo Tribunal Federal, o que
contraria a cláusula pétrea da igualdade
dos Poderes (art. 2).
Os inconvenientes do
presente modelo de impeachment constitucional brasileiro são igualmente desvelados pela atual situação
constitucional do governo interino.
O impeachment de Dilma
Rousseff foi aprovado pela Câmara com folgada maioria constitucional. Tal se
deve notadamente à rejeição pelo Povo brasileiro do governo Rousseff, que aliou
a corrupção à monumental incompetência, com as consequências econômicas e
políticas que o Governo interino de Michel Temer deve ora enfrentar em curto
espaço de meses. Pela atual legislação, já aprovara o impeachment também o Senado, com a mesma facilidade. Sem embargo, por força da legislação vigente, a situação da Presidente, uma vez aprovado o afastamento, ora deve ser reapreciada pelo Senado Federal, com um prazo de duzentos dias, e se se deve decretar a definitiva cassação do mandato presidencial.
Por alguns erros
cometidos pelo governo Temer, erros políticos que não se comparam aos
anteriores, tanto na parte econômica e política, quanto no que toca à corrupção, essa administração interina vem sofrendo algum desgaste. Em consequência, há número impreciso de senadores que meditam a possibilidade
de mudar de posição. Completam o
coro, os lamentos e a agressiva
propaganda petista, que carimbou de golpista o governo Temer.
Todas as pessoas com
alguma inteligência e sobretudo pitadas de honestidade política, não tem
condições de enlear-se na patranha do chamado "golpe", que intenta desfazer todos os abusos e desrespeitos à Constituição pela
Administração petista de Dilma Rousseff, como se na verdade tudo não passasse
de ilusão, com que a Oposição soubera convencer Povo e Congresso.
Seria uma agressão
não só ao Brasil, mas sobretudo à inteligência que manobra como essa,
valendo-se de eventuais tropeços do governo interino, para reinstalar no Brasil
o pesadelo repetido que seria a Administração Dilma III, com o coro dos
partidos caudatários e a consequente tentativa de acabar com a Lava-Jato e reimplantar
o corrupto Reino lulesco de Dilma Rousseff.
Tudo isso seria
evitado se não tivéssemos esse estranho pendor de complicar o simples e de
prolongar o que deveria ser necessariamente breve.
Nos Estados
Unidos, de onde surgiu o modelo do processo constitucional de impeachment, não se perde tempo com a inútil
- e potencialmente perigosa - repetição da dança do impeachment.
Lá a Câmara dos
Representantes declara aberto o processo de impeachment, de acordo com a
prescrição constitucional; e o Senado vota se o projeto do impeachment deva ser
finalizado. São exigidas maiorias consequentes com a relevância da matéria, mas
não se cai no erro de reencená-la depois de uns tantos meses. Ao fazer o que se
faz no Brasil, trata-se de pôr de novo a questão do impeachment em julgamento,
e se dá à parte acusada o benefício de recomeçar uma partida, que já deveria
estar terminada.
Não faz o menor
sentido este duplo papel do Senado, que ora se realiza.
Além de prolongar processo que já se
estendeu por prazo considerável, ao repetir tal procedimento a Nação dá à
causadora de grave crise constitucional a oportunidade de recomeçar de zero, e poder,
teoricamente, virar incongruamente o jogo, a despeito da respectiva comprovada incompetência
administrativa e constitucional.
A fortiori, essa suposta duplicação do
processo não serve a nenhum bem, e só tende a potencialmente causar o mal.
Por duplicar matéria
que interessa ao Povo e a Nação, uma vez atendidos e exauridos os respectivos
requisitos constitucionais, não faz, portanto, qualquer sentido repetir processo de que já foi sentida a grave necessidade, esmiuçado e decidido, em níveis plurais de
julgamento, e de que foi colhida a indispensável aprovação, em sete níveis de
avaliação e aprovação, que inclui o pessoal, o institucional, as comissões e os plenários
respectivos.
Ou será que
devemos sempre cortejar o erro?
( Fontes: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S.
Paulo, VEJA)
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