sábado, 4 de junho de 2016

Lembranças de meu Tio Adolpho (V)

                    


        Ainda nos primeiros tempos no Russell, antes do surgimento da Tevê Manchete, já havia na parte traseira do edifício-sede de Bloch Editores - que dava para cenário ao fundo onde existiam velhos sobrados coloniais, maltratados pelo tempo e encarapitados nas colinas, e por trás da Igrejinha da Glória, - uma área coberta e outra ao ar livre, com piso branco de granito.
        Ladeava e compunha esse espaço assim vestido, e que traía no traço simples o gênio inconfundível de Oscar Niemeyer, um alvo, magnífico salão natural, que, saído das entranhas do edifício, tinha ao fundo a área construída onde se aninhavam as dependências de apoio de copa e cozinha.
         Dessarte, aquelas construções singelas em aparência, como que lançavam os visitantes para composição que encantava à primeira vista, eis que o convidado se perguntaria se não estava em magnífico salão, com o céu azul do meio-dia ao alto, com as mesas distribuídas pelo branco assoalho do  piso granítico, a que ladeava espelho d'água, e ao fundo, como se fora cenário, repontavam velhos casarões que formavam, por assim dizer, o entorno da construção em que se entrelaçavam o sol do meridião, o horizonte do Rio antigo, o azul do teto celeste, e o branco agressivo, daquele ambiente em que o gênio de Niemeyer reponta na parte e no todo, em jóia arquitetônica que, de repente, para alegria de quem ama o belo, se descerra aos olhos do visitante.         
          Ao invés dos refeitórios da imprensa, em geral metidos em áreas confinadas, que careciam de ar condicionado,  Adolpho Bloch, como se estivesse realizando o gesto mais simples, a exemplo de o que fazia no antigo edifício da Frei Caneca, ali naquele espaço da antiga praia do Russell, à beira da baía de Guanabara plantado, seria sempre o anfitrião bem-humorado e, em geral, sorridente, convidando a todos, com os seus expletivos e o sorriso franco, para que fruíssem de o que se preparara para aquele almoço.
         Como capitão de empresas, o jeitão natural punha todos à vontade. Tinha decerto os seus preferidos, como Cony, Murilo Melo Filho, Justino Martins e um que outro tipo estranho, que gozaria de sua predileção por tempo determinado. No que me concerne, sempre me  recebeu com a naturalidade de sempre, a mim  que lá aparecia mais para o fim do mês, ou quando o Ministro de Estado estivesse fora.    
         Adolpho gostava de carnes, como veria nas suas preferências em restaurantes parisienses - mas isso é outra estória. Nesta me ocupo de um senhor grande anfitrião.
          Era um prazer privar-lhe da companhia, e da ocasional piada ou da última de fulano ou sicrano.
          Todas as novidades ele dizia com um piscar maroto nos olhos brilhantes, muita vez repetindo para que confirmasses a tua concordância com a sua interpretação.
           E então dizia : "Não é verdade, isto ?"
           Pedia apenas concordância, e o fazia naturalmente, sem querer impor nada. Eu só achava estranha a construção e me perguntava de onde tirava aquela peculiar composição verbal.

           Só muito mais tarde que me daria conta de que a pequena frase vinha direto do russo, que o menino emigrante de treze anos trouxera com ele, junto com algumas poucas peculiaridades de expressão que haviam sobrevivido à dura travessia.  

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