segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Qual a força da Rússia ?

                                     

         Não faz muito Barack Obama relembrou a Vladimir Putin   que a Rússia era um poder regional, este último ouviu com atenção, mas não respondeu de imediato.

         Era muito claro na ocasião o sentido da observação do Presidente estadunidense. Seria mais ou menos, cuide de seus assuntos, mas na sua esfera. Subentendido nesse put down[1], que Putin não deveria esquecer que a atual Federação Russa não pode tomar ares de União Soviética.

         Apesar de ser o país sucessor da antiga URSS, em extensão territorial e em recursos, não se pode por ora compara-lo com a superpotência que desapareceu em 1992.  

         No entanto - e o comportamento de Vladimir V. Putin constitui forte indicação nesse sentido - ele está impaciente em incrementar a respectiva presença nos seus limites, pensando sempre na pro-ativa afirmação da respectiva potência.

         Foi no tempo do antecessor de Obama, George W. Bush, que Moscou começou a voltar a pôr as manguinhas de fora. Principiou no episódio da Georgia, com o apoio a regiões separatistas. O retorno ao velho imperialismo com o estrangeiro-próximo[2], se causou reações adversas, em nada alterou a situação da Georgia que teve de engolir o apoio russo às populações dissidentes.

         No que foi posteriormente saudado como hábil manobra política, desgastado com Washington e o Ocidente, Putin colocou na presidência o seu alter ego Dmitriy Medvedev, e passou os seguintes quatro anos como Primeiro Ministro. Com isso, a pecha de imperialista esmaeceu um tanto, e ele pode voltar mais tarde ao G-8.

        Se a queda de Viktor Yanukovich, em fevereiro de 2014, por força da revolução da Praça Maidan, em Kiev, na Ucrânia, redundaria na não-assinatura de pacto com Moscou na união aduaneira (o povo ucraniano aspira o acordo amplo com Bruxelas), tal também redundaria na anexação da Criméia e em intervenção branca de Moscou na Ucrânia oriental, com invasão nas fronteiras e estímulo aos chamados rebeldes pró-Rússia.

        Dadas as dimensões da Ucrânia, por essa fragrante intervenção nas questões internas de um país que mantinha boas relações com Moscou, Putin pagaria um preço alto pela ilegal invasão (que tentou coonestar através de referendo de afogadilho), com sanções à própria economia e a expulsão do G-8.

        O desgaste russo continua, mas uma vez invadida a Ucrânia, a posição da potência imperialista tem-se estendido no oriente, máxime nas vizinhanças da Criméia, através de "rebeldes" industriados e apoiados por Moscou. O Ocidente, notadamente a UE, na retórica tem sido aliado de Kiev, mas não chega sequer a fornecer-lhe armamento defensivo pesado. A Ucrânia, no entanto, pelo tamanho e potencial não pode ser comparada a pequenos países como a Geórgia, e por isso a sua resistência não pode ser subestimada pelo Kremlin. Nesse contexto, em comentário a artigo de George Soros as possíveis implicações da questão foram discutidas no meu último blog sobre a questão ucraniana.

       Já a recente entrada da Rússia no cenário sírio, como referida num dos últimos blogs tem ensejado ao Ocidente, em particular Estados Unidos e outros aliados na OTAN, de observar mais de perto a atual condição do armamento russo.

        Dois tópicos merecem especial atenção: a capacidade russa de realizar operações muito além dos limites atuais da Federação Russa, assim como o emprego de novas armas e equipamentos.  Dentre os aviões usados, está o Sukhoi Su-34, que é caça de ataque, e um míssil de cruzeiro - o Kalibr - com alcance de 1500 km, disparado de um navio no Mar Cáspio.   Já os caças russos cuidaram da barragem aérea em apoio das tropas de infantaria síria, e poderão também apoiar a ofensiva prevista na província de Aleppo de tropas iranianas.

          A ainda limitada operação na Síria poderá servir de exercício para as forças russas e mandar um recado para o Ocidente acerca da eventual restauração da capacidade militar da Rússia e do seu eventual alcance global.  O comportamento das forças russas indicará a extensão do esforço do governo Putin de transformar o respectivo poder militar, depois de decênios de decadência pós-soviética.

         Ao contrário das operações na Ucrânia - seja a tomada da Crimeia, seja a invasão das fronteiras desse país, em apoio aos chamados 'rebeldes pró-Rússia' - realizada de forma relativamente discreta e tortuosa (com o escopo de ocultar o mais possível o aporte russo)  - agora se dá o maior realce aos bombardeios na Síria, que tem cobertura jornalística e em vídeo, para larga distribuição.

         As forças armadas vem recebendo reforços  - aviões novos, navios de guerra e mísseis - mas também foram objeto de reestruturação, com redução de oficiais militares (privilegiada a qualidade ao invés do número) e a capacitação de um corpo de sub-oficiais de apoio.

           Malgrado os óbices da queda do preço do petróleo (o seu principal produto de exportação) e as sanções aplicadas pela anexação da Criméia,  os fundos militares chegam a 81 bilhões de dólares, ou 4,2 % do PNB.

            As novas capacidades das forças armadas russas foram demonstradas pela instalação de base aérea perto da Latakia, no noroeste síria, em cerca de três semanas, numa operação que incluíu 48 aviões de combate e helicópteros, divisões de tanques e veículos blindados, sistemas de artilharia e mísseis, defesas aéreas e habitações móveis para cerca de dois mil homens. Segundo se apurou, foi o maior transporte de material militar para o Oriente Médio desde a operação da União Soviética em 1970 no Egito.

            Em questão de dias, as missões de ataque aéreo  passaram de um punhado delas nos primeiros dias para cerca de noventa diárias, com a utilização de diferentes tipos de munição, teleguiada ou não, inclusive bombas de fragmentação e armamento especial para destruir  bunkers.

           No momento, as forças russas servem para a campanha aérea, e tem seiscentos fuzileiros navais em terra para proteger a base aérea de Latakia.  Por enquanto, não está previsto o envio de força militar de peso para apoiar os sírios.

            Conforme especialistas americanos, as operações na Síria mostram que a Rússia está mais ou menos no nível operacional dos Estados Unidos nos anos noventa. Segundo Mr. Kofman, que segue o desenvolvimento aero-militar russo, eles perderam em poucos meses cerca de cinco aeronaves, por causa da aceleração do tempo de operação, Sem embargo, Kofman não concorda com a avaliação de que a aviação russa seria uma espécie de Vila Potemkin.

                  A maior surpresa para o Ocidente está nos mísseis de cruzeiro, de mil e quinhentos km de alcance. Segundo os observadores, há um salto tecnológico nesse domínio, que poderia ser preocupante para a OTAN.

                   De acordo com informações de fonte americana, a Rússia realizou estreita coordenação com os seus aliados (notadamente o Irã).  O Major-general Qassim Suleimani, que é o comandante da força para-militar iraniana Quds, esteve em Moscou em julho último, para provavelmente coordenar-se com os russos na ofensiva prevista, assim como está empenhado em ajudar as milícias iraquianas (as forças militares dos dois países tiveram um desenvolvimento inverso à situação no tempo de Saddam Hussein, quando o Iraque dispunha de poder de fogo muito superior ao iraniano).

                     A impressão dos observadores de Tio Sam é de que os russos vem utilizando precipuamente as operações nessa campanha para uso eventual alhures. Em suma, seria uma espécie de treinamento reforçado, em nível assaz mais elevado de que os simples e usuais exercícios desse gênero.

                      Claramente Putin ambiciona dispor de braço militar forte para apoiar as suas nada pequenas ambições no plano político. Resta determinar se as bases da atual economia russa, bem mais raquíticas do que as da antiga União Soviética, terão condições de aguentar o tranco, levando-se em conta um parque industrial bastante inferior ao da antiga segunda superpotência.

                       Será por causa de todos esses aspectos - alguns limitativos - e uma base industrial-militar que não tem a pujança (nem o aporte de vários outros países, hoje na esfera ocidental) da antiga infraestrutura soviética, é que as grandes ambições de gospodin Putin podem sofrer do peso negativo de fatores potencialmente contrários. Sem nunca esquecer, de resto, que  Vladivostok com a sua simbologia de domínio do Leste  não basta decerto para controlar um outro grande jogador na política mundial, a saber, o antigo Império do Meio, hoje República Popular da China, que também começa a movimentar-se, tanto economica e politicamente, quanto militarmente, sob o igualmente ambicioso Xi Jinping, o atual chefe-supremo da segunda potência econômica mundial.

 

( Fonte:  The New York Times )        



[1] no contexto, caberia a tradução 'chamada à ordem'.
[2] expressão com que a Rússia designa os seus vizinhos.

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