Não faz muito Barack Obama relembrou a Vladimir
Putin que a Rússia era um poder regional, este último ouviu com
atenção, mas não respondeu de imediato.
Era muito
claro na ocasião o sentido da observação do Presidente estadunidense. Seria
mais ou menos, cuide de seus assuntos, mas na sua esfera. Subentendido nesse put down[1], que Putin não
deveria esquecer que a atual Federação Russa não pode tomar ares de União
Soviética.
Apesar de ser
o país sucessor da antiga URSS, em
extensão territorial e em recursos, não se pode por ora compara-lo com a
superpotência que desapareceu em 1992.
No entanto - e o comportamento de
Vladimir V. Putin constitui forte indicação nesse sentido - ele está impaciente
em incrementar a respectiva presença nos seus limites, pensando sempre na
pro-ativa afirmação da respectiva potência.
Foi no tempo
do antecessor de Obama, George W. Bush,
que Moscou começou a voltar a pôr as manguinhas de fora. Principiou no episódio
da Georgia, com o apoio a regiões separatistas. O retorno ao velho imperialismo
com o estrangeiro-próximo[2],
se causou reações adversas, em nada alterou a situação da Georgia que teve de
engolir o apoio russo às populações dissidentes.
No que foi
posteriormente saudado como hábil manobra política, desgastado com Washington e
o Ocidente, Putin colocou na presidência o seu alter ego Dmitriy Medvedev, e passou os seguintes quatro anos como
Primeiro Ministro. Com isso, a pecha de imperialista esmaeceu um tanto, e ele
pode voltar mais tarde ao G-8.
Se a queda de
Viktor Yanukovich, em fevereiro de 2014, por força da revolução da Praça
Maidan, em Kiev, na Ucrânia, redundaria na não-assinatura de pacto com Moscou
na união aduaneira (o povo ucraniano aspira o acordo amplo com Bruxelas), tal
também redundaria na anexação da Criméia e em intervenção branca de Moscou na
Ucrânia oriental, com invasão nas fronteiras e estímulo aos chamados rebeldes
pró-Rússia.
Dadas as
dimensões da Ucrânia, por essa fragrante intervenção nas questões internas de
um país que mantinha boas relações com Moscou, Putin pagaria um preço alto pela
ilegal invasão (que tentou coonestar através de referendo de afogadilho), com
sanções à própria economia e a expulsão do G-8.
O desgaste
russo continua, mas uma vez invadida a Ucrânia, a posição da potência
imperialista tem-se estendido no oriente, máxime nas vizinhanças da Criméia,
através de "rebeldes" industriados e apoiados por Moscou. O Ocidente,
notadamente a UE, na retórica tem sido aliado de Kiev, mas não chega sequer a
fornecer-lhe armamento defensivo pesado. A Ucrânia, no entanto, pelo tamanho e
potencial não pode ser comparada a pequenos países como a Geórgia, e por isso a
sua resistência não pode ser subestimada pelo Kremlin. Nesse contexto, em comentário
a artigo de George Soros as possíveis implicações da questão foram discutidas
no meu último blog sobre a questão ucraniana.
Já a recente
entrada da Rússia no cenário sírio, como referida num dos últimos blogs tem ensejado
ao Ocidente, em particular Estados Unidos e outros aliados na OTAN, de observar
mais de perto a atual condição do armamento russo.
Dois tópicos
merecem especial atenção: a capacidade russa de realizar operações muito além
dos limites atuais da Federação Russa, assim como o emprego de novas armas e
equipamentos. Dentre os aviões usados,
está o Sukhoi Su-34, que é caça de ataque, e um míssil de cruzeiro - o Kalibr -
com alcance de 1500 km, disparado de um navio no Mar Cáspio. Já os caças russos cuidaram da barragem aérea
em apoio das tropas de infantaria síria, e poderão também apoiar a ofensiva prevista
na província de Aleppo de tropas iranianas.
A ainda
limitada operação na Síria poderá servir de exercício para as forças russas e
mandar um recado para o Ocidente acerca da eventual restauração da capacidade
militar da Rússia e do seu eventual alcance global. O comportamento das forças russas indicará a
extensão do esforço do governo Putin de transformar o respectivo poder militar,
depois de decênios de decadência pós-soviética.
Ao contrário
das operações na Ucrânia - seja a tomada da Crimeia, seja a invasão das
fronteiras desse país, em apoio aos chamados 'rebeldes pró-Rússia' - realizada
de forma relativamente discreta e tortuosa (com o escopo de ocultar o mais
possível o aporte russo) - agora se dá o
maior realce aos bombardeios na Síria, que tem cobertura jornalística e em
vídeo, para larga distribuição.
As forças
armadas vem recebendo reforços - aviões
novos, navios de guerra e mísseis - mas também foram objeto de reestruturação,
com redução de oficiais militares (privilegiada a qualidade ao invés do número)
e a capacitação de um corpo de sub-oficiais de apoio.
Malgrado os
óbices da queda do preço do petróleo (o seu principal produto de exportação) e
as sanções aplicadas pela anexação da Criméia,
os fundos militares chegam a 81 bilhões de dólares, ou 4,2 % do PNB.
As novas
capacidades das forças armadas russas foram demonstradas pela instalação de
base aérea perto da Latakia, no noroeste síria, em cerca de três semanas, numa
operação que incluíu 48 aviões de combate e helicópteros, divisões de tanques e
veículos blindados, sistemas de artilharia e mísseis, defesas aéreas e
habitações móveis para cerca de dois mil homens. Segundo se apurou, foi o maior
transporte de material militar para o Oriente Médio desde a operação da União
Soviética em 1970 no Egito.
Em questão
de dias, as missões de ataque aéreo
passaram de um punhado delas nos primeiros dias para cerca de noventa
diárias, com a utilização de diferentes tipos de munição, teleguiada ou não,
inclusive bombas de fragmentação e armamento especial para destruir bunkers.
No momento,
as forças russas servem para a campanha aérea, e tem seiscentos fuzileiros
navais em terra para proteger a base aérea de Latakia. Por enquanto, não está previsto o envio de
força militar de peso para apoiar os sírios.
Conforme especialistas americanos, as
operações na Síria mostram que a Rússia está mais ou menos no nível operacional
dos Estados Unidos nos anos noventa. Segundo Mr. Kofman, que segue o
desenvolvimento aero-militar russo, eles perderam em poucos meses cerca de
cinco aeronaves, por causa da aceleração do tempo de operação, Sem embargo,
Kofman não concorda com a avaliação de que a aviação russa seria uma espécie de
Vila Potemkin.
A
maior surpresa para o Ocidente está nos mísseis de cruzeiro, de mil e
quinhentos km de alcance. Segundo os observadores, há um salto tecnológico
nesse domínio, que poderia ser preocupante para a OTAN.
De
acordo com informações de fonte americana, a Rússia realizou estreita
coordenação com os seus aliados (notadamente o Irã). O Major-general Qassim Suleimani, que é o
comandante da força para-militar iraniana Quds, esteve em Moscou em julho
último, para provavelmente coordenar-se com os russos na ofensiva prevista,
assim como está empenhado em ajudar as milícias iraquianas (as forças militares
dos dois países tiveram um desenvolvimento inverso à situação no tempo de
Saddam Hussein, quando o Iraque dispunha de poder de fogo muito superior ao
iraniano).
A impressão dos observadores de Tio Sam
é de que os russos vem utilizando precipuamente as operações nessa campanha
para uso eventual alhures. Em suma, seria uma espécie de treinamento reforçado,
em nível assaz mais elevado de que os simples e usuais exercícios desse gênero.
Claramente Putin ambiciona dispor de braço militar forte para apoiar as
suas nada pequenas ambições no plano político. Resta determinar se as bases da
atual economia russa, bem mais raquíticas do que as da antiga União Soviética,
terão condições de aguentar o tranco, levando-se em conta um parque industrial
bastante inferior ao da antiga segunda superpotência.
Será por causa de todos esses aspectos - alguns limitativos - e uma base
industrial-militar que não tem a pujança (nem o aporte de vários outros países,
hoje na esfera ocidental) da antiga infraestrutura soviética, é que as grandes
ambições de gospodin Putin podem
sofrer do peso negativo de fatores potencialmente contrários. Sem nunca
esquecer, de resto, que Vladivostok com a sua simbologia de
domínio do Leste não basta decerto para
controlar um outro grande jogador na política mundial, a saber, o antigo
Império do Meio, hoje República Popular da China, que também começa a
movimentar-se, tanto economica e politicamente, quanto militarmente, sob o igualmente
ambicioso Xi Jinping, o atual chefe-supremo da segunda potência econômica mundial.
( Fonte:
The New York Times )
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