George
Soros, o conhecido financista, que estabeleceu o nome e boa parte da
fortuna, com a sua vitoriosa aposta contra a então paridade da libra esterlina,
tem escrito regularmente na New York
Review of Books sobre a situação da Ucrânia.
Como não exatamente chovam as
informações sobre esse relativamente grande país, que, enquanto concerne à
Rússia, se acha infelizmente incluído na faixa do estrangeiro próximo,
acolho com muito prazer os dados que transmite em seu último artigo na New York Review esse bom amigo da média
potência atacada por Putin desde a queda em fevereiro de 2014, em virtude da
revolta da praça Maidan, do Presidente Viktor Yanukovich.
O povo
ucraniano, e sobretudo o de Kiev, demonstrara pela rebelião que denominei de
oitocentesca, pelas características da revolta que lembra as revoluções
parisienses que se valiam do dédalo de estreitas ruas da Paris ainda quase-medieval
para tentar fazer valer as próprias reivindicações, a sua opção por um porvir
de desenvolvimento com liberdade - prometido pelo acordo comercial proposto
pela União Europeia, ao invés da adesão ao medíocre futuro de união aduaneira
com Moscou.
Esse grito da praça Maidan - pelo qual o povo ucraniano e notadamente o mais ligado à
sua parte ocidental, levaria à queda e fuga dessa criatura de Moscou, de que as
entranhas do Palácio presidencial, abandonado às pressas, mostrariam a
corrupção - teria outra consequência.
Arrancando a própria máscara, Vladimir
Putin mandaria acionar, como se se acreditasse viver nos domínios da
antiga União Soviética, a conjunta e nefária operação de anexação da península
da Crimeia - que seria invadida dois meses depois por tropa descaracterizada,
tudo para às carreiras ultimar um referendo de fancaria - e o início de operação militar contra
províncias orientais da Ucrânia. Valendo-se da porosidade das fronteiras, gospodin Putin lançou uma guerra solerte
e envergonhada, em que segundo a prática de seus modelos - Mussolini e Hitler -
o hinterland da Ucrânia oriental era
invadido e desestabilizado.
Esta situação tem evoluído, e de forma que
poderia ser altamente positiva tanto para a Ucrânia, quanto para a União
Europeia.
Nesse quadro, semelha oportuno resumir como George Soros em seu artigo vê a situação
corrente. A União Europeia (UE) enfrenta cinco crises no momento atual: quatro que o articulista considera internas: a do Euro, a da Grécia, as
migrações ocasionadas pela situação na
Síria, e o referendo inglês sobre
a sua permanência na U.E.; e uma externa,
a agressão russa contra a Ucrânia.
Antes de adentrar o exame por Soros da crise com a Ucrânia, seria
oportuna breve análise da crise causada pela ação unilateral de David
Cameron ao provocar um inútil e desnecessário referendo inglês sobre a respectiva
permanência na União Européia. Político medíocre e sem maior visão politico-estratégica,
criara da solo (por si só) um
problema para a velha Álbion que
gente mais preparada e com melhor visão histórica (Cf. Edward Heath) teria controlado com facilidade. A insularidade
inglesa pode ser idiossincrasia de grupo de saudosistas do Império, when
Britannia ruled the waves.[1]
Bastará o trauma de querer reviver situação pretérita, que não mais existe, e
negar uma interdependência que a realidade se comprazerá em confirmar mesmo que
seja demasiado tarde, para pôr a nu a insânia e/ou estupidez de curvar-se a
velhos e estultos preconceitos, para mostrar quão cruéis e desmoralizantes podem
ser crises fabricadas pela própria mediocridade.
O
raciocínio de Soros é simples, mas de certa forma cogente. Todas as cinco
crises não podem ser resolvidas ao mesmo tempo. Sem negligenciá-las, há
necessidade de dar tratamento preferencial a algumas. No entender do
articulista, a Ucrânia deveria fruir da máxima prioridade. Assim, as crises internas tendem a dividir a
E.U. entre nações devedoras e credoras;
entre Reino Unido e o Continente; e nações de 'chegada' e 'partida'.
Em contraste
com tais situações, como a agressão russa contra a Ucrânia - o que configura
uma ameaça externa - tal deveria unir a União Europeia.
A nova Ucrânia se inspirou no espírito da
revolução Maidan culminada em
fevereiro de 2014, e busca reformar de forma radical o país. Note-se que a velha Ucrânia tinha muitas
coisas em comum com a velha Grécia: uma economia dominada por oligarcas e uma
classe política que se valia de sua posição para auferir ganhos particulares,
ao invés de trabalhar para o povo.
Se se tratar
a Ucrânia como Grécia de segunda classe, que nem é membro da União Européia, a
Europa (Bruxelas) corre o perigo de fazer com que a nova Ucrânia torne a ser a
velha Ucrânia.
A comparação da
nova Ucrânia com a Grécia deve ser levada até certo ponto, no meu entender, mas
tem pertinência no sentido de que seria um erro fatal de Bruxelas, se se levar
em conta que a nova Ucrânia é um dos dados
e vantagens mais valiosos que a Europa possa ter, tanto pelo seu aporte
para a resistência contra a agressão russa, quanto por recapturar o espírito de
solidariedade que caracterizava a União Européia nos seus primeiros tempos.
Nesse
contexto, G. Soros se considera em situação favorável para desenvolver esse argumento, tanto pela sua
contribuição para a nova Ucrânia através de sua fundação aí estabelecida, assim como pelo seu envolvimento nas questões
relativas a tal país.
Na sua nova
estratégia para a Ucrânia, já delineada em número anterior da New York Review, Soros sublinhou que as
sanções contra a Rússia são necessárias, mas não bastam por si mesmas.
Qual é a
estratégia de Vladimir Putin para defender-se - e de forma bem-sucedida -
contra as sanções do Ocidente? Na chã argumentação
de Putin, todas as dificuldades econômicas e políticas confrontadas pela Rússia
são devidas à hostilidade do Ocidente, que desejaria negar à Federação Russa o
lugar que é dela no mundo.
Nessa
argumentação simplista e desonesta, a Rússia seria a vítima da agressão ocidental.
Ao valer-se do patriotismo dos cidadãos russos, Putin lhes pede que aguentem as
dificuldades - que incluem instabilidade financeira e carências (no
abastecimento) - que as sanções ocidentais ocasionam.
No
entendimento de Soros, a melhor maneira de pôr a descoberto a falha proposital
na argumentação do Presidente russo, estaria em estabelecer melhor equilíbrio
entre as sanções impostas contra a Federação Russa e o apoio para a Ucrânia.
A 'estratégia
vencedora' de Soros preconiza ajuda financeira efetiva para a Ucrânia, que
combinaria apoio orçamentário de larga escala com um seguro custeável de risco
político, junto com outros incentivos para o capital privado. Se juntarmos tais
medidas com as reformas radicais, tanto políticas, quanto econômicas que a nova
Ucrânia anseia por introduzir, tais medidas tornariam a Ucrânia em país muito
atraente em termos de investimento.
No
entender de G. Soros, a chave das reformas econômicas na Ucrânia está na
reestruturação do monopólio estatal do gás, Naftogaz,
o que levaria a nele introduzir preços determinados pelo mercado (ao invés dos
atuais artificiais baixos preços), com a introdução de subsídios diretos para o
fornecimento dos lares de classe necessitadas.
Quanto às
reformas políticas elas focalizam o estabelecimento de um judiciário honesto,
independente e competente, assim como mídia com iguais características, que
combateria a corrupção. Por outro lado, a reforma do funcionalismo público que
serviria à população, ao invés de explorá-la.
No
entender de Soros, essas amplas reformas igualmente motivariam a muita gente na
Rússia, que exigiriam reformas
similares. Esse efeito-demonstração seria o que Vladimir Putin temeria mais. No
entender de Soros, esta seria a razão pela qual o autocrata russo tanto teria
tentado com vistas a desestabilizar a nova Ucrânia.
Nesse
contexto, me parece haver excessiva credulidade do articulista quanto à
capacidade do efeito-demonstração da nova Ucrânia (que em grande parte ainda é
um projeto e não realidade em amedrontar e/ou desestabilizar gospodin Vladimir Putin, com seus nervos
de aço, e notória capacidade de instrumentalizar o cidadão russo através da
mídia que ele, Putin, controla em grande parte.
No entendimento de Soros, se os aliados da
Ucrânia combinassem as sanções contra a Rússia, com assistência eficaz para a
nova Ucrânia, nenhuma propaganda poderia obscurecer o fato de que os problemas
econômicos e políticos da Federação Russa são causados pelas políticas de
Vladimir Putin. O autor reconhece que em aberta violação do Acordo de Minsk II,
de onze de fevereiro de 2015, Putin lograria impedir a Ucrânia de ter êxito,
através de invasão militar em larga escala. Mas isto, no seu entender, seria
uma derrota política para Putin, eis que revelaria a falsidade de sua
interpretação do conflito com a Ucrânia.
Adiante
Soros reconhece a fraqueza da posição ocidental. Dessarte, o Presidente Putin
disporia de - nas palavras do próprio George Soros - vantagem tática temporária
sobre a Ucrânia, "porque ele está disposto a arriscar um conflito de larga
escala e mesmo a guerra nuclear (sic),
enquanto os aliados da Ucrânia estão determinados a evitar um conflito militar
direto com a Rússia."
Não
creio que Putin seja suficientemente demencial para incorrer no risco de guerra nuclear. Putin
tem fruído de grande vantagem tática, não porque esteja disposto a valer-se de
armas nucleares, mas sim pelo simples fato de que o Ocidente não mostra sequer
a firmeza de enfrentar a ameaça de guerra convencional. Todos os ganhos de
V.Putin nos dois Acordos de Minsk se devem a essa óbvia fraqueza do Ocidente,
que o leva a recuar diante da postura marcial de Putin. É jogo de criança e um
claro enigma.
Há
dois grandes obstáculos para o governo Poroshenko
na sua relação com Putin. O Acordo de Minsk II de fevereiro de 2015 se seguiu a
derrota militar importante infligida à Ucrânia pelos separatistas (com forte
apoio russo). A precaríssima situação ucraniana a forçou a negociar em situação
bastante desfavorável e gospodin
Putin não perderia a oportunidade de tornar o cessar-fogo bastante 'caro' para
Kiev, visto que foi negociado sob coação (under
duress)
Em
consequência o 'Acordo' Minsk II garantiu um status especial para os
enclaves separatistas na região da Bacia do Don (Ucrânia oriental).
Esse
'Acordo Minsk II' foi assinado pelos Presidentes Putin, Poroshenko, François
Hollande e a Chanceler Angela Merkel. Segundo Soros, o acordo fez cair os dois
últimos em uma armadilha. A dupla franco-germânica queria que o acordo fosse
cumprido. Se ele fracassasse, deveria
ser a Rússia e não a Ucrânia que o descumprisse. A dupla também estava ansiosa
em evitar uma confrontação militar. Por
causa dessa atitude, Hollande e Merkel foram levados a tolerar violações russas
e separatistas ao cessar-fogo, e não obstante insistir que a Ucrânia o
cumprisse ao pé da letra. Ao tomar uma posição neutra na questão de como o
Presidente Poroshenko cumpriria as exigências do acordo ambíguo, eles
reforçaram a vantagem do Presidente Putin.
Concluído
o ambíguo acordo, a Ucrânia beirou o colapso financeiro, por um atraso na
entrega do pacote do FMI de salvação financeira, até onze de março de 2015. O
nadir foi atingido em fevereiro, quando o povo ucraniano perdeu a confiança na
moeda nacional, a hryvnia. Transações públicas oficiais foram
suspensas, e o valor da hryvnia no
mercado negro oscilou entre trinta e quarenta por dólar americano. Desde essa
data, houve certa recuperação, com câmbio entre vinte e vinte e cinco para o
dólar estadunidense.
Quando
Soros visitou a Ucrânia em abril último, se deparou com uma contradição entre a
realidade objetiva (em claro processo de deterioração), e o zelo reformista da
nova Ucrânia que se achava sob tremenda pressão política, econômica e militar,
mas que continuava a seguir em frente com as reformas, que estava tendo um efeito
cumulativo.
Muitas leis continuaram a ser aprovadas para preencher os requisitos do
FMI e, mais recentemente, do Acordo de Minsk ! Os oligarcas continuavam a
defender os próprios interesses, até que o mais poderoso deles, Igor Kolomoisky, tentou usou a própria
milícia para manter o controle de uma subsidiária da Naftogaz. O governo, contra a parede, conseguiu
derrotar o oligarca.
Tal constituíu o chamado turning
point, uma mudança determinante e decisiva. Além de o Banco Central
estabelecer controle sobre o sistema bancário, outros oligarcas, como Dmytro
Firtash e Rinat Akhmetov passaram
a ser submetidos a maior controle.
Com
a explosão de nova crise na Grécia, os problemas da Ucrânia aumentaram, seja
por afastar a atenção das autoridades européias da Ucrânia, assim como as
levando a tratá-la como se fosse uma outra Grécia.
A
reação de Frau Merkel tampouco foi firme como no passado. A sua atitude
em relação a Atenas foi muito mais intensa, a ponto de levá-la a entrar em
conflito com o seu Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble. No entender de
Soros, a Chanceler Merkel gastou muito de seu capital para manter a Grécia na
Zona do Euro,o que fará que a Ucrânia fique sem o seu apoio no que tange ao
controverso acordo de Minsk.
No
entanto, a esperteza de Putin encontrou pela frente uma hábil decisão de Kiev. O
parlamento ucraniano estabeleceu status
especial para os enclaves do Donbas,
ao aprovar lei que transcreveu in totum
o ambíguo texto do acordo de Mink verbatim
. Através dessa disposição do Parlamento ucraniano, criou-se um problema
financeiro para o Presidente Putin, ao negar fundos para os enclaves até que
eles cumpram com a Lei ucraniana e convoquem eleições.
Mas há limites para flexibilidade com os separatistas, e para concessões
unilaterais a esses mesmos separatistas. Recente choque sangrento em frente do
Parlamento em Kiev mostrou que a paciência dos ultranacionalistas está no
limite, e eventual rebelião não pode ser
afastada, se houver novas provocações.
A
Europa, e Bruxelas em particular, não estaria dando para a Ucrânia a
importância que ela faz por merecer. A nova Ucrânia parece empenhada em grande
esforço de recuperação da imagem nacional. O problema estaria em que há claros
limites de que tais esforços carecem de ser respeitados e apoiados.
O
tamanho da Ucrânia levou decerto ao presidente da Rússia a organizar não só a
invasão da Crimeia, mas também instilar a revolta através do levante
'separatista', que é bancado em grande parte através dos chamados 'voluntários
russos' e de farto equipamento bélico, enquanto a Alemanha de Frau Merkel e seu aliado François Hollande se negam a abastecer
Kiev com equipamento que lhe dê condições de fazer frente à invasão russa.
Como Soros assinala com sutileza de paralelepípedo, Bruxelas e a
Comunidade Europeia podem escolher entre próspera e potente Ucrânia - cujo
exército tem ultimamente ganho em capacidade e eficiência militar - ou então
transfomar-se em mais um estado-fracassado
e este seria respeitável, com mais de quarenta milhões de pessoas.
Ainda é tempo de transformar a Ucrânia em um próspero e militarmente
respeitável Estado, mais uma adição positiva a União Europeia. Ainda mais pela
circunstância de que, por forma de treinamento que terá escapado a gospodin Vladimir Putin, quando iniciou
a partir de fevereiro/março de 2014 esse seu estranhíssimo programa, sem querer
dotou Kiev de exército com força e capacidade de ação respeitável para
enfrentar o urso russo.
(Fonte:
artigo da New York Review of Books: Ukraine & Europe: What should be done?,
by George Soros)
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