quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Pêndulo da Justiça

                              

         O Impeachment desta feita enfrenta obstáculos imprevistos, que objetivamente pouco têm a ver com as condições objetivas que parecem determiná-lo.

          Vamos por partes. O que configura o(a) candidato(a) ao impeachment? A existência de um quadro de parte da mais alta autoridade da República que recomende o recurso a esse instrumento utilizável em casos extremos do ordenamento democrático.

           Que quadro é esse e quais são as condições que o tornam mandatório? Como premissa está o desrespeito à legalidade constitucional. Não se presumem falhas aleatórias, independentes da vontade do(a) primeiro(a) mandatário(a), mas sim comportamento que não deixe dúvidas sobre esse animus da alta autoridade.

           Hors la loi (fora da lei) é um conceito da legislação francesa que configura autoridade que conscientemente se afaste dos parâmetros legais. Determinada tal situação, a autoridade não mais pode servir-se das prerrogativas e garantias legais. Tal se baseia na simples razão de que, quem desrespeita a lei, não pode dela valer-se para blindar-se posteriormente.

          Deve entender-se como a ultima ratio[1] da democracia. No regime parlamentarista, a assembleia, pela moção de desconfiança, determina a saída do governo de um primeiro ministro e de seu gabinete. O parlamentarismo, que, no Brasil, vigorou no Segundo Reinado, e por um curto período na república, é um regime mais flexível, e portanto mais aconselhável a países com as nossas características.

          No presidencialismo, sendo o primeiro mandatário eleito pelo voto popular para mandatos fixos (hoje, de quatro anos), desembaraçar-se de um chefe de governo é tarefa mais complexa. Por essa razão, a nossa história recente só registra um caso de impeachment.

           Facilitou, na época, que se chegasse a tal decisão, a circunstância de que o primeiro mandatário atingido não era respaldado por um grande partido, como é atualmente a Presidente.

           Por motivos bem conhecidos, adentrou o Brasil  uma vez mais nesse processo. As condições que criaram tal situação são, segundo o apontam fortemente as aparências, a existência  de uma coleção ilegal de fundos baseada na principal companhia estatal, e que era realizada em detrimento dela e em favor seja de seus 'operadores' , seja do próprio partido (dentro de mentalidade voltada para o aparelhamento do estado).

           Outra razão para o impeachment está em governança que se afasta das normas legais, seja por incompetência, seja por fins inconfessáveis.

           Para este segundo caso de impeachment republicano, o Tribunal de Contas da União, após longo exame, e dada toda a oportunidade de defesa à acusada por intermédio de sua representante, a Advocacia Geral da União, optou por acolher o parecer do relator, quanto a existência das chamadas pedaladas nas prestações de conta, pedaladas essas que importam em desrespeito da Lei de Responsabilidade Fiscal, eis que se propõem a mascarar o não-cumprimento dessa Lei. Pedaladas são empréstimos ilegais tomados a bancos estatais (como o B.B., a CEF, o BNDES).

            Uma das características da administração Dilma Rousseff foi o pouco respeito aos critérios fiscais. Despreparada para o ordenamento fiscal e o controle da inflação, a Administração Dilma se pautou por uma gestão irresponsável dos fundos públicos, que se caracterizou por uma cultura de déficit fiscal e de pouca atenção às contas estatais e a seus recursos, com o surgimento de déficits pesados e do reviver de uma cultura inflacionária.  O maior responsável por isso não é Dilma Rousseff, mas quem a indicou para a presidência, sem que ela reunisse as condições mínimas necessárias para a exação de tal magno empenho.

             Infelizmente, com o assistencialismo do Bolsa Família, e de uma Região a ele dependente,  havia tristes condições para que a dita 'Mulher do Lula' fosse eleita, batendo um candidato muito mais preparado e habilitado para o cargo, embora  se deva declarar que a sua chapa foi boicotada pelo seu principal rival dentro do partido, e preenchida por um candidato a vice que não tinha o gabarito para tal. Também houve inegável cristianização desse candidato no importante estado de onde provinha o seu adversário interno. Tudo isso, junto com a popularidade do principal chefe do PT, determinaria a eleição de alguém que objetivamente não era a melhor candidata, nem estava preparada para tão importante missão.

              No momento, as razões técnicas que fundamentam a condenação das pedaladas já estão estabelecidas igualmente pelo corpo técnico da Câmara dos Deputados.

            Há óbvias condições políticas para o acolhimento das razões técnicas para o impeachment.  No entanto, existe um óbice político de ordem personalista. Determina a Constituição e dispõe, por conseguinte, o Regimento da Câmara que cabe ao seu Presidente dar início ao processo de impeachment, uma vez determinada a sua procedência. Não poderia haver signatário de maior peso ético, moral e intelectual de que o Dr. Hélio Bicudo - que deixou o PT por imperativo ético da crise do Mensalão. No entanto, um processo fundamentado e baseado outrossim no sentir de larga faixa da opinião pública nacional, chega às mãos de alguém que ocupa alto posto constitucional e que deveria ter a necessária isenção para uma decisão republicana.

              Sem embargo, há muitas dúvidas quanto à condição de parte da autoridade constitucionalmente investida de uma decisão pautada no direito e no interesse nacional. Com o aval do corpo técnico da Câmara, o que pode impedir Sua Excelência o Deputado Eduardo Cunha de desincumbir-se desse dever legal e constitucional?

              Correm a respeito rumores de que o Governo de Dilma Rousseff, temeroso das consequências do dito procedimento, teria acenado à referida autoridade sobre a possibilidade de uma combinação que não corresponde aos interesses da Nação, vale dizer criar condições para alegadamente isentar  a referida autoridade dos processos legais a que deveria responder. Além da verificação simples de que seria no caso 'un marché des dupes'  (um negócio de tolos), ou traduzindo em linguagem cabocla, um 'conto do vigário' porque a presidência não pode prometer o que não está no seu poder, é de esperar-se que Sua Excelência o Senhor Deputado, Eduardo Cunha, acolha a petição e a encaminhe ao Plenário da Câmara, como determina a Lei.     

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )




[1] razão última (a ser empregada como derradeiro recurso).

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