Infelizmente,
a corrupção - antes de uma forma episódica, mas agora sinistramente sistemática
- vem dando mostras cada vez mais preocupantes de que deixou de ser idiossincrasia
do Estado brasileiro, para transformar-se
em característica permanente e não subalterna.
Do passado
tínhamos aquela versão romantizada de que essa corrupção, em diversas
administrações, seria um traço seja da burocracia, seja até de políticos
dirigentes (v.g., governadores e prefeitos), mas presente em forma atípica,
i.e., o fato de que um ou outro administrador fosse corrupto não mancharia todo
o tecido respectivo, mas apenas partes, que estariam mais ligadas a
personalidades (v.g., Adhemar de Barros) do que propriamente a uma filosofia de
governo.
Assim, se
acreditava ou se queria acreditar que a corrupção fosse acidental em nossa
política. Também era hábito da oposição de considerar como corrupta toda
situação, o que decerto não correspondia à realidade. Acusações de corrupção
chegaram a fazer parte dos chamados 'doestos políticos'. Incriminava-se fulano
de corrupto, não porque o fosse na realidade, mas porque estava no campo
adverso e tal fato, por incomodar, servia para manchar politicamente a imagem
de um adversário. Não era para valer no entanto, porque a acusação não era
levada a sério pelo próprio acusado (que, por definição, sabia não sê-lo) e
também pelo acusador, que trataria essa imputação como se fosse um percalço da
política.
No caso da
presidência Collor, a coisa mudou um pouco de figura, pois havia um presidente
e um grupo a seu redor que tinha idéias sérias a respeito. No entanto, malgrado
o repúdio da sociedade - então manifestado pelos jovens de negro ao invés do
formal verde e amarelo sugerido pelo então presidente - houve tanto na elite
dirigente, quanto na dominante a sensação de que se tratava mais de um
epifenômeno, porque a corrupção no núcleo Collor existia, mas dado o seu
caráter embriônico, ele não tinha o peso e a penetração suficientes para
configurar uma real ameaça de corrupção governativa. De tal forma essa
interpretação correspondia à realidade, que não houve maior problema em
desfazer-se de uma corrupção marginal e sem
a penetração indispensável, através da sucessão constitucional de parte
de Itamar Franco, um homem respeitado e respeitável.
Não é
intenção deste modesto blog negar a
corrupção no Brasil neste passado pré-Fiat Elba. Ela existia e talvez crescia,
mas não de forma a transmitir a impressão de que não pudesse por então ser
controlada.
No Brasil
há o problema da imagem. Em Pindorama sempre houve político corrupto. Então, ou eles eram efetivamente corruptos,
ou passavam por sê-lo.
Há dois
políticos brasileiros que logo nos vêm à memória como exemplos de políticos
corrompidos, que não têm maior problema em atravessar esse Rubicon da ética. Os
exemplos, um tanto óbvios, que nos vêm à mente são Adhemar de Barros e Paulo Salim Maluf. Enquanto aquele já atravessou o rio do Letes,
a sua corrupção se caracteriza pela sua marca interiorana, paulista. Ninguém
duvidava da falta de maior cerimônia de Adhemar entre dinheiro público e
privado. Mas a sua corrupção ainda era a do gênero familiar e, portanto, não
era suposta ser muito contagiosa.[1]
Tampouco pretende ser a minha modesta tese que a atual corrupção traga o
logotipo petista na sua marca de origem. No entanto, seja por ignorância,
despreparo político, hübris, ou o que talvez esteja mais próximo da verdade,
que essa batida acima referida, com os ingredientes acitados, sem esquecer da
inefável esperteza brasileira, tenha desembocado nesse monstro atual que é a
admissão política da corrupção como meio de governança.
O
velho jeitinho se vai transformando numa espécie de pau p'ra toda obra, e o
resultado que há de aparecer como animador para alguns, logo, logo pode
transformar-se em verdadeiro monstro do possibilismo.
O ethos
brasileiro tem na sua raiz a simplicidade do jeito e de assumir, em
consequência o que lhe parece ser o modo mais simples de implantação. Não
esquenta!, não confunde! e sobretudo não complica! são
máximas do dia-a-dia do brasileiro. A
sua intenção é a de compor. Por isso, que as fórmulas que pareçam simplificar
gravosos problemas vão merecer toda a atenção.
Antes
de voltar à política, gostaria de mencionar atitudes correlatas, em que se
pensa estar resolvendo problemas, quando muita vez não se está.
Tomemos por exemplo o Supremo Tribunal Federal, Uma coisa são as penas
conforme estão escritas em nossos códices. Outra coisa é a realidade. É maléfico
que um criminoso condenado a trinta anos de cadeia sirva menos de dez e entre
nos vários regimes que lhe asseguram na prática a liberdade muito antes. Surge
a impressão da impermanência que determina o surgimento de outra realidade que,
na prática, passa a ser a realidade. Assim, quando uma pessoa comete um crime
hediondo, deveria ficar um tempão na
cadeia, não é? Depende. Se ele(ela) tiver um bom advogado, o mal que fez não o
prenderá muito tempo no cárcere.
Agora,
há um duplo problema. Com a menor duração na prisão, as duas partes nesse crime
(porque há sempre pelo menos duas partes em um delito, seja ele grave ou não)
podem ficar com impressões errôneas do trabalho da justiça. A vítima, se teve a
sorte de escapar, poderá ter a preocupação suplementar de ter de lidar com um
psicopata (ou elemento socialmente incompreendido) muito mais proximamente de o
que pensa ao ouvir a sentença.
O
possibilismo de que falava antes tende assim a ser uma espada de dois gumes. É
bom, v.g., para o traficante (que acumula com o trato violento, o que é
socialmente explicável) pois ele sabe que com o bom advogado e um comportamento
certinho ele poderá ter muito breve a sua saída no fim de semana (que,
dependendo do traficante, tende a virar fuga).
E essa moça, de sobrenome alemão, e de rosto tão doce, que cometeu
aquele outro crime hediondo, mas que já parece ter voltado ao convívio da
sociedade. E a pergunta que sempre se coloca: é aquela imponente sentença que
calou a sociedade, enraivecida pela maneira torpe e cruel de como a doce menina
dispôs da vida dos pais aqueles que dela sofreriam o crime inominável.
O mal da transitoriedade excessiva de
tais sentenças é que corroem o sentido da justiça. Lembram-se daquele chileno
que se comprazia em imaginar cruéis sofrimentos e torturas para os infelizes
que ficassem sob o seu domínio no caso - de que era um especialista - i.e., o
sequestro! De que valeu a estrondosa pena que lhe foi cominada pelas suas
incríveis perversidades? Nada ou muito pouco. Eis que se lembrou de ser um
estrangeiro, e ainda por cima chileno. Rapidamente, por ser estrangeiro, a pena
se derreteu e hoje ele está no Chile, sabe-se lá fazendo o quê !
Não
quero cansar o leitor, mas diante desses casos e da conversibilidade extrema -
não da moeda- mas da pena, qualquer um, por mais torpe que seja o próprio
delito, pode haver dúvidas de que ele tenha fundadas esperanças em logo sair da
cadeia e volta ao lugar que julga merecer?
Há um problema, porém, caro
leitor, com este excessivo possibilismo. Aqui, com o jeitinho
institucionalizado (seja qualquer o nome), não é só a cadeia que deixa de
infundir medo e pânico. Dada a conversibilidade extrema das coisas no Brasil,
os mecanismos legais ou entram em pane, ou provocam revoltas incontroláveis,
baseadas no princípio, porque ele escapa e eu nâo ?
Na
esfera política, por exemplo. O leitor já se deu conta de como pode mudar a
atitude de um corrupto, mesmo se pego com a boca na botija? Qual foi a
impressão do leitor diante da festinha ontem de inauguração de retratos de
notáveis do PMDB? Lá estava entre os homenageados o Presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, o homem hodierno (a explicação é simples: a cada dia ele dá uma
explicação diversa para um fato que lhe diga respeito). Gostaria de saber se
nessa festinha esteve presente o peemedebista Jarbas Vasconcelos que concedeu
faz tempo uma entrevista nas páginas amarelas da VEJA, dizendo que o PMDB era o
partido da corrupção. Houve um corre-corre, mas no final Michel Temer preferiu não responder à entrevista. E tudo
ficou na mesma, embora Jarbas Vasconcelos passou , talvez, a sentir-se um pouco
demais no PMDB.
Em vista das considerações acima, pergunto-me
como estarão no futuro Dilma Rousseff
(com os seus déficits e seu modo desastroso de governar...), Lula da Silva - verá
muitos pixulecos queimados, mas quais serão as consequência da Lava-Jato (já a
fatiaram...) ? E o Jader Barbalho - o
que farão dele? Talvez dêem de volta a Pesca ao filhinho que para isso já mostrou tanto pendor?
Agora
veio-me uma ideia, que talvez facilitasse as coisas. Quiçá a confusão atual entre fazenda privada
e pública esteja na circunstância de que haja cargos inúteis e outros utilíssimos que são
entregues àquelas siglas que bem conhecemos pelo cinismo e a impudência.
No
Brasil seria necessário estabelecer o que é para valer e o que não é. Talvez sejam todas essas dúvidas, essa
confusão entre público e privado, que leva até juízes se apossarem dos carros de marca dos
réus a eles submetidos... (a continuar)
( Fontes: O
Globo, Veja )
[1] O leitor me relevará a
talvez excessiva liberalidade com o conceito. Mas me parece importante
entendê-lo como embrionário, proto qualquer coisa, e por isso ainda desculpável
em certos círculos.
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