sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Corrupção e Aparelhamento do Estado


                                

         Infelizmente, a corrupção - antes de uma forma episódica, mas agora sinistramente sistemática - vem dando mostras cada vez mais preocupantes de que deixou de ser idiossincrasia do Estado brasileiro, para transformar-se em característica permanente e não subalterna.

         Do passado tínhamos aquela versão romantizada de que essa corrupção, em diversas administrações, seria um traço seja da burocracia, seja até de políticos dirigentes (v.g., governadores e prefeitos), mas presente em forma atípica, i.e., o fato de que um ou outro administrador fosse corrupto não mancharia todo o tecido respectivo, mas apenas partes, que estariam mais ligadas a personalidades (v.g., Adhemar de Barros) do que propriamente a uma filosofia de governo.

          Assim, se acreditava ou se queria acreditar que a corrupção fosse acidental em nossa política. Também era hábito da oposição de considerar como corrupta toda situação, o que decerto não correspondia à realidade. Acusações de corrupção chegaram a fazer parte dos chamados 'doestos políticos'. Incriminava-se fulano de corrupto, não porque o fosse na realidade, mas porque estava no campo adverso e tal fato, por incomodar, servia para manchar politicamente a imagem de um adversário. Não era para valer no entanto, porque a acusação não era levada a sério pelo próprio acusado (que, por definição, sabia não sê-lo) e também pelo acusador, que trataria essa imputação como se fosse um percalço da política.

         No caso da presidência Collor, a coisa mudou um pouco de figura, pois havia um presidente e um grupo a seu redor que tinha idéias sérias a respeito. No entanto, malgrado o repúdio da sociedade - então manifestado pelos jovens de negro ao invés do formal verde e amarelo sugerido pelo então presidente - houve tanto na elite dirigente, quanto na dominante a sensação de que se tratava mais de um epifenômeno, porque a corrupção no núcleo Collor existia, mas dado o seu caráter embriônico, ele não tinha o peso e a penetração suficientes para configurar uma real ameaça de corrupção governativa. De tal forma essa interpretação correspondia à realidade, que não houve maior problema em desfazer-se de uma corrupção marginal e sem  a penetração indispensável, através da sucessão constitucional de parte de Itamar Franco, um homem respeitado e respeitável.

           Não é intenção deste modesto blog  negar a corrupção no Brasil neste passado pré-Fiat Elba. Ela existia e talvez crescia, mas não de forma a transmitir a impressão de que não pudesse por então ser controlada.

           No Brasil há o problema da imagem. Em Pindorama sempre houve político corrupto.  Então, ou eles eram efetivamente corruptos, ou passavam por sê-lo.

            Há dois políticos brasileiros que logo nos vêm à memória como exemplos de políticos corrompidos, que não têm maior problema em atravessar esse Rubicon da ética. Os exemplos, um tanto óbvios, que nos vêm à mente são Adhemar de Barros  e Paulo Salim Maluf.  Enquanto aquele já atravessou o rio do Letes, a sua corrupção se caracteriza pela sua marca interiorana, paulista. Ninguém duvidava da falta de maior cerimônia de Adhemar entre dinheiro público e privado. Mas a sua corrupção ainda era a do gênero familiar e, portanto, não era suposta ser muito contagiosa.[1]

                Tampouco pretende ser a minha modesta tese que a atual corrupção traga o logotipo petista na sua marca de origem. No entanto, seja por ignorância, despreparo político, hübris, ou o que talvez esteja mais próximo da verdade, que essa batida acima referida, com os ingredientes acitados, sem esquecer da inefável esperteza brasileira, tenha desembocado nesse monstro atual que é a admissão política da corrupção como meio de governança.

                 O velho jeitinho se vai transformando numa espécie de pau p'ra toda obra, e o resultado que há de aparecer como animador para alguns, logo, logo pode transformar-se em verdadeiro monstro do possibilismo.

               O ethos brasileiro tem na sua raiz a simplicidade do jeito e de assumir, em consequência o que lhe parece ser o modo mais simples de implantação. Não esquenta!, não confunde! e sobretudo não complica!   são máximas do dia-a-dia  do brasileiro. A sua intenção é a de compor. Por isso, que as fórmulas que pareçam simplificar gravosos problemas vão merecer toda a atenção.

                Antes de voltar à política, gostaria de mencionar atitudes correlatas, em que se pensa estar resolvendo problemas, quando muita vez não se está. 

                Tomemos por exemplo o Supremo Tribunal Federal, Uma coisa são as penas conforme estão escritas em nossos códices. Outra coisa é a realidade. É maléfico que um criminoso condenado a trinta anos de cadeia sirva menos de dez e entre nos vários regimes que lhe asseguram na prática a liberdade muito antes. Surge a impressão da impermanência que determina o surgimento de outra realidade que, na prática, passa a ser a realidade. Assim, quando uma pessoa comete um crime hediondo, deveria  ficar um tempão na cadeia, não é? Depende. Se ele(ela) tiver um bom advogado, o mal que fez não o prenderá muito tempo no cárcere.

                Agora, há um duplo problema. Com a menor duração na prisão, as duas partes nesse crime (porque há sempre pelo menos duas partes em um delito, seja ele grave ou não) podem ficar com impressões errôneas do trabalho da justiça. A vítima, se teve a sorte de escapar, poderá ter a preocupação suplementar de ter de lidar com um psicopata (ou elemento socialmente incompreendido) muito mais proximamente de o que pensa ao ouvir a sentença.

                 O possibilismo de que falava antes tende assim a ser uma espada de dois gumes. É bom, v.g., para o traficante (que acumula com o trato violento, o que é socialmente explicável) pois ele sabe que com o bom advogado e um comportamento certinho ele poderá ter muito breve a sua saída no fim de semana (que, dependendo do traficante, tende a virar fuga).  E essa moça, de sobrenome alemão, e de rosto tão doce, que cometeu aquele outro crime hediondo, mas que já parece ter voltado ao convívio da sociedade. E a pergunta que sempre se coloca: é aquela imponente sentença que calou a sociedade, enraivecida pela maneira torpe e cruel de como a doce menina dispôs da vida dos pais aqueles que dela sofreriam o  crime inominável.

                O mal da transitoriedade excessiva de tais sentenças é que corroem o sentido da justiça. Lembram-se daquele chileno que se comprazia em imaginar cruéis sofrimentos e torturas para os infelizes que ficassem sob o seu domínio no caso - de que era um especialista - i.e., o sequestro! De que valeu a estrondosa pena que lhe foi cominada pelas suas incríveis perversidades? Nada ou muito pouco. Eis que se lembrou de ser um estrangeiro, e ainda por cima chileno. Rapidamente, por ser estrangeiro, a pena se derreteu e hoje ele está no Chile, sabe-se lá fazendo o quê !

                  Não quero cansar o leitor, mas diante desses casos e da conversibilidade extrema - não da moeda- mas da pena, qualquer um, por mais torpe que seja o próprio delito, pode haver dúvidas de que ele tenha fundadas esperanças em logo sair da cadeia e volta ao lugar que julga merecer?

                  Há um problema, porém, caro leitor, com este excessivo possibilismo. Aqui, com o jeitinho institucionalizado (seja qualquer o nome), não é só a cadeia que deixa de infundir medo e pânico. Dada a conversibilidade extrema das coisas no Brasil, os mecanismos legais ou entram em pane, ou provocam revoltas incontroláveis, baseadas no princípio, porque ele escapa e eu nâo ?

                 Na esfera política, por exemplo. O leitor já se deu conta de como pode mudar a atitude de um corrupto, mesmo se pego com a boca na botija? Qual foi a impressão do leitor diante da festinha ontem de inauguração de retratos de notáveis do PMDB? Lá estava entre os homenageados o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o homem hodierno (a explicação é simples: a cada dia ele dá uma explicação diversa para um fato que lhe diga respeito). Gostaria de saber se nessa festinha esteve presente o peemedebista Jarbas Vasconcelos que concedeu faz tempo uma entrevista nas páginas amarelas da VEJA, dizendo que o PMDB era o partido da corrupção. Houve um corre-corre, mas no final Michel Temer  preferiu não responder à entrevista. E tudo ficou na mesma, embora Jarbas Vasconcelos passou , talvez, a sentir-se um pouco demais no PMDB.

                   Em  vista das considerações acima, pergunto-me como  estarão no futuro Dilma Rousseff (com os seus déficits e seu modo  desastroso de governar...), Lula da Silva - verá muitos pixulecos queimados, mas quais serão as consequência da Lava-Jato (já a fatiaram...) ?  E o Jader Barbalho - o que farão dele? Talvez dêem de volta a Pesca ao filhinho que para isso  já mostrou tanto pendor?

                     Agora veio-me uma ideia, que talvez facilitasse as coisas.  Quiçá a confusão atual entre fazenda privada e pública esteja na circunstância de que haja  cargos inúteis e outros utilíssimos que são entregues àquelas siglas que bem conhecemos pelo cinismo e a impudência.

                     No Brasil seria necessário estabelecer o que é para valer e o que não é.  Talvez sejam todas essas dúvidas, essa confusão entre público e privado, que leva até  juízes se apossarem dos carros de marca dos réus a eles submetidos... (a continuar)

                        

( Fontes:  O  Globo,  Veja )



[1] O leitor me relevará a talvez excessiva liberalidade com o conceito. Mas me parece importante entendê-lo como embrionário, proto qualquer coisa, e por isso ainda desculpável em certos círculos.

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