A reunião no Kremlin entre Vladimir Putin e Bashar
al-Assad foi uma surpresa em termos. Dadas as características da campanha aérea
dos caça-bombardeios russos em território sírio, cumprindo programa próprio, em
que objetivos do Exército Islâmico ficam em segundo plano, enquanto são
alvejados os núcleos guerrilheiros nas cercanias de Damasco, unidades estas que
operam apoiadas pelo Ocidente, fica evidente que a entrada da Federação Russa
na campanha terá obrigado Washington e Moscou a discutirem parâmetros comuns,
de forma a prevenirem eventuais choques que poderiam ter consequências imprevisíveis.
Putin seria o
novo valentão da vizinhança, e o seu ingresso em meio às forças ocidentais tende
a criar constrangimentos que terão exigido conversas e conferências de grupo.
Sem ser desestruturante, o ingresso dos Sukhov e a sua condição de aeronaves
com mais jornadas de voo necessariamente provocou reuniões diretivas para
regular tal tráfico beligerante. Que nada haja filtrado de problemático -
excetuados reclamos de Ankara concernentes a sobrevoo - tende a indicar que, de
alguma forma, esse congestionamento aéreo com escopos discrepantes está sendo
administrado.
Nesse
contexto, entra a visita de assediado ditador Bashar al-Assad a gospodin Putin
no Kremlim. Com as rituais defasagens entre o aliado-suplicante que chega à
longinqua capital do império moscovita, sabe-se lá por que rotas intrincadas, e
na óbvia suposição de que é a parte carente, e a sucessiva entrada no salão -
velho símbolo do poder imperial russo - de afirmado e sorridente Vladimir
Vladimirovich, não subsiste - pelo menos por ora - qualquer dúvida de quem controla quem. Se é
certo que Bashar está cedendo o sítio para importante base para navios e
aeronaves russas no Mediterrâneo, a sua posição defensiva na longa guerra (a
revolta contra Bashar eclodiu em março de 2011 e passou por muitas fases) não deixa dúvida de quem tem a iniciativa e a
voz em tal aliança. A guerra na Síria se arrastou demasiado e tem provocado
imenso sofrimento na população civil, boa parte dela engrossa os fluxos
migratórios que se dirigem para a Europa
(v.g., terras da C.E.). Além disso, deslocou m grandes contingentes humanos,
além de provocar ameaças reais de crises sanitárias, que tem sido utilizadas
por Damasco para enfraquecer a liga rebelde.
Não serão
tais planos decerto que constarão das negociações entre Putin e Bashar. Nas
suas declarações, o presidente russo deixa entrever que a ação coordenada de o
que resta do exército de Bashar e a aviação russa tem planos para quebrar o
relativo imobilismo do front. O plano seria tentar avançar contra as principais
cidades centrais da Síria. As forças armadas sírias tomariam a iniciativa na ofensiva
terrestre - o que não tem acontecido nesse ano - e para tanto serviria a cobertura aérea russa com 50 aeronaves , o apoio das milícias do Hezbollah e um
contingente iraniano.
O ativismo
russo teria duas outras razões de peso. Estaria no interesse de Moscou reforçar
o poder de Assad em áreas centrais da Síria, assim como atacar no oeste o
Estado Islâmico (que se apossou de grandes nacos de território sírio). Entre as principais preocupações de Putin estão
os cerca de quatro mil combatentes do Estado Islâmico que acorreram ao
território sírio para defender o E.I. Se esse contingente, com o seu
treinamento e experiência, voltar para a Rússia - no que se presume pela
derrocada do Califado - 'seriam um problema sério', na avaliação do Kremlin. Mutatis mutandis, nesse regresso os mujahideen repetiriam o fenômeno da
volta dos chamados afegãos que ao cabo retornaram para os seus respectivos países com
o adquirido radicalismo na luta (vitoriosa) contra o invasor russo no Afeganistão.
Embora não voltassem às suas pátrias com câmeras, teriam na cabeça ideias que
para os estamentos locais seriam vistas como desestabilizantes e até mesmo
subversivas. Um bom exemplo deste epifenômeno constitui a Argélia, nos anos oitenta
e noventa do século vinte.
Como toda
intervenção militar de um poder estranho ao Estado invadido - e o século XX é museu
aberto para exibir os diversos gêneros dessa experiência - se pode dizer que tais
expedições e alianças entre forças desiguais costumam ter resultados bastante diversos
daqueles assumidos pelos eventuais aliados no início da aventura.
No caso da
Rússia de Putin, o seu óbvio parâmetro é a expedição ao Afeganistão. Não é bom exemplo
para país que esteja interessado em iniciar novo ciclo de operações armadas.
Nesse ponto, para Moscou, pode evocar
lembranças amargas do resultado final do desastre afegão. A pergunta que se põe é qual será a
influência dessa operação militar (que pode desembocar em ulteriores ações das
forças armadas russas) em um outro cenário no qual a intervenção russa -
inclusive com a anexação da Crimeia - já provocou uma série de sanções,tópicas
mas dolorosas, do Ocidente sobre economia russa já fragilizada pela baixa na
cotação do barril petróleo, que é o
principal produto de exportação do
Presidente Putin.
( Fontes: The New York Times; Glauber Rocha )
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