quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Jeitinho, Desinformação e Desigualdade Social


                        
          O título talvez seja longo, mas logo parecerá mais curto para o olhar do brasileiro.

          Assim, não é de hoje que o dia-a-dia do morador de Pindorama pode sofrer bruscas mudanças para melhor, se partes de sua realidade diária tiverem de ser vistas ou vividas pelo estrangeiro.

          Se este estrangeiro, for poderoso - ou até o mais poderoso do momento histórico - o cotidiano do brasileiro pode receber ou transformações, ou remendos temporários - que tendem a melhorar ainda que de forma conjuntural a realidade sócio-política em que vive.

          Assim, em grandes eventos, como bem sabemos, a autoridade brasileira, se ainda não consegue transformar a realidade nacional para o melhor permanente, tem habilidade em dois ou até três aspectos a ela relacionados: domina a tecnologia do make-believe (fazer crer) como construir pavilhões de Poniatowski (como o primeiro ministro de Catarina a Grande), só que a versão moderna dos ditos pavilhões ou  são filmetes de propaganda com o escopo de enfeitar a realidade nacional para os olhos dos árbitros dos grandes certamens, ou (b) a organização pelo tempo indispensável (até por períodos curtos de uma a duas semanas) de cenários que de algum modo se aproximam da sonhada realidade melhorada. Não estará excluído que cerceado pelo conluio de contradições aparentes, venha até a recorrer a  velhos truques do Barão de Munchausen, i.e., a mentirinha, como prometer que vai sanear determinada baía ou até uma lagoa menor, o que corresponde apenas a  reflexo imediato, que não tem a menor intenção de transportar para a realidade.

         O chamado jeitinho brasileiro - que é o subterfúgio para o truque ocasional e supostamente reservado aos cognoscenti  (conhecedores)  é um fato tão difundido sobre o brasileiro e, em especial, a autoridade brasileira, que estrangeiros (em geral os menos informados e/ou mais ingênuos) não se pejam de perguntar diante de dificuldade burocrática, de qual seria o jeitinho que resolveria o caso. Embora a palavra rescenda a corrupção, sobretudo aquela leve, ou melhor dizendo light,   para conformar-se à ânsia de torná-la ou mais palatável, ou menos feia, o dito jeitinho transmite ideia que me parece prosaica, mas realista quanto à empulhação pela autoridade.

         Não nos deixa mentir a expressão para inglês ver   a que no tempo do Império  (século XIX), o brasileiro comum se referia aos arranjos e enfeites temporários com que a autoridade enfeitava a mui heróica e leal cidade de são Sebastião do Rio de Janeiro, quando por aqui aportava a grande potência da época, a pérfida Álbion, de que os mares constituíam um amplo e cômodo lago.

          Esse modo um tanto esquizofrênico de lidar com a realidade nacional e a atitude tanto da Autoridade, quanto de seus servidores, e até do Povão amigo, há de apelar para o modo mais simples de relacionar-se com o dito Ambiente, que será sempre a Mentira, ou, se preferirmos, a sua versão mais educada, a Ficção (o que muda é o vestuário e a respectiva qualidade na apresentação).

          Sabemos que a lorota ou a caracterização inventiva terá as pernas curtas, no sentido de que o seu prazo de validade tende a ser extrema e incomodamente fugaz, mas para os atores do espetáculo a esperança reside nesses prazos bastante exíguos da encenação, ou, melhor dizendo, competição internacional.

          Por causa de inúmeros aspectos - a preguiça é um deles - mas notadamente a consciência de que a ameaça - no caso da presença estrangeira obrigatória e, por consequente, intrusiva - não é permanente nem eterna, e felizmente temporária e relativamente breve, a solução do breve enganoso (realidade enfeitada) constitui uma das soluções preferidas.

          Quando a realidade (por causa em geral de suas dimensões, ou da indolência da autoridade envolvida) não é suscetível de ficções temporárias,  quem prometeu e não cumpriu, uma vez entalado na contradição, partirá para a assunção da realidade em último caso, como v.g. no que concerne ao vexame da baía de Guanabara, em que se prometeu atacar a poluição que decorre sobretudo de despejo de esgotos não-tratados pelas cidades e povoações ribeirinhas, mas também de desleixo (como ocorre v.g. com o rio Tietê em São Paulo, que é sufocada pela agressiva ignorância ribeirinha através do lixo e da incúria. Nesse caso, a autoridade parte para a brutal franqueza, que é a maneira traumática (cortar o nó Górdio) de 'solucionar' o problema, como se partir para a grossura diminuísse o logro.           

            No que tange à desigualdade social, se ela não merecer o cuidado da autoridade respectiva, cuidado esse que pode revestir diversas formas, todas elas implicando esforço e continuidade,  a  consequência será mais sujeira.  Fala-se muito em integração da favela com a cidade. Nada contra. Mas não nos esqueçamos de que essa integração é uma rua de duas mãos: envolve respeito pelos seus habitantes, respeito esse da PM e de todas as autoridades do Estado e, também, respeito dos  habitantes dessa comunidade, que colaboram  com a coleta de lixo e todos os demais pormenores da vida citadina (que as novelas da Tevê costumam dissimular ou até mesmo omitir)...

 

( Fontes: Rede Globo,  O  Globo )

Nenhum comentário: