Há perguntas que, em Direito, não devem ser feitas.
As eventuais dúvidas que elas possam, porventura aclarar, tenderiam a criar
outras muito mais sérias e atentatórias para a Democracia.
As
democracias são fundadas em premissas e regras básicas. Uma delas está na
independência ou na autonomia dos poderes. Se há diferença nesta distinção,
ela só poderá ser dirimida por análises de cada um dos poderes voltadas para si
mesmo.
Porque um
poder não pode submeter-se às conveniências de outro poder? Se a regra básica
de comportamento é o respeito recíproco, tenha-se presente que esse respeito só
pode existir entre iguais.
Há outras
designações para o respeito que se deve a superiores. Deferência é uma delas. Obediência
é outra. Silêncio é uma terceira delas, e existem ocasiões que o mutismo marca
ou a alienação, submissão ou dependência. Nada que associar-se possa aos três
poderes do Estado brasileiro.
Surgiu não
faz muito na imprensa uma estranha reportagem na Folha. Sob a ementa o 'Brasil
em Crise' esse jornal que ama por vezes acercar-se demasiado de temas
provocativos, estampou em uma de suas páginas interiores dedicada ao Poder, a assertiva "Dilma poderá
opinar se convém ter Gilmar Mendes como relator".
A
democracia, já dizia Octavio Mangabeira, é uma tenra plantinha. Precisa ser
regada amiúde.
Democracia é
até considerada um estado de espírito. A Venezuela pode valer-se da hipocrisia
institucional da Organização dos Estados Americanos - que determina estar
aberta apenas para regimes democráticos - mas quem em sã mente e com um modicum de percepção e inteligência
ousaria dizer que nos dias de hoje a Venezuela, sob Nicolas Maduro, é uma
democracia ?
Recordo-me
de velha anedota sobre a incompatibilidade de certos atributos: são
incompatíveis, por exemplo, certas qualidadades e características mestras.
Assim, é o caso de dispor as palavras honesto,
fascista e inteligente. Há sólidas
bases para asseverar que esses três atributos qualificativos não podem ocorrer
conjuntamente: se uma pessoa A é
honesta e fascista, se conclui que não pode ser inteligente. Por sua vez se B é fascista e inteligente, daí decorre
que não pode ser honesta.
O
equilíbrio dos poderes no Estado é regra
que custou muito esforço, muita prisão injusta, muito tropeço no ínvio caminho
da democracia. A autonomia dos três poderes inclui regras básicas, cujo
desrespeito implica na negação dessa democracia, eis que inexistem poderes
nesse tipo de regime ( o pior de todos segundo Churchill, excluídos todos os demais...) que sejam mais altos e
mais determinantes do que os demais.
Não é à toa
que a Justiça é necessariamente vendada, porque ela não deve agir por
conhecimento pessoal ou por qualquer outra forma de condicionamento social.
O juiz -
qualquer que seja a sua categoria hierárquica - não desconhece que a regra mais
importante a ser seguida nas cortes está na isonomia do tratamento nos autos,
ou ex-cathedra, para todos os
cidadãos. Não há cidadão comum nesse país, eis que todos têm os mesmos
intrínsecos direitos.
Não foi por
acaso que o Senhor Dias Toffoli - que
hoje, por causa da cancela aberta preside a um Tribunal Superior - foi levado a
considerar o impensável, i.e., a
dependência de um poder para com outro.
Pois é disto que se trata. No momento em que
um tribunal superior admite essa capitis deminutio, tudo pode ser admitido.
Assim como
não há limitações à soberania do Estado
- ou se é independente ou dependente - tampouco a Justiça pode conviver com restrição
da forma acima indicada, porque a consequência é a perda de autonomia.
Assim como
a soberania no conjunto das Nações é um estado de espírito, e tal situação logo
ressalta aos observadores, pelo seu não-condicionamento às determinações de
outras potências, também na esfera interior do Estado a democracia é impossível
se um dos poderes pode cercear a atuação dos outros dois.
E, nesse
contexto, como se poderia definir o
comportamento republicano do Sr. Toffoli ao perguntar, enquanto
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que a presidente Dilma Rousseff e
seu vice, Michel Temer, se manifestem sobre a eventual indicação do
Ministro Gilmar Mendes para a relatoria
dos quatro processos de cassação que, contra ambos, tramitam na Corte ?
Há certas ocasiões em que o silêncio mais
compromete do que a própria palavra.
Que
república é esta? Ou deixou de ser República,
e todos aqueles que a tornaram realidade devem ser esquecidos?
( Fonte: Folha de S.
Paulo )
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