segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Perguntas Inconstitucionais


                                
           Há perguntas que, em Direito, não devem ser feitas. As eventuais dúvidas que elas possam, porventura aclarar, tenderiam a criar outras muito mais sérias e atentatórias para a Democracia.

           As democracias são fundadas em premissas e regras básicas. Uma delas está na independência ou na autonomia dos poderes. Se há  diferença nesta distinção, ela só poderá ser dirimida por análises de cada um dos poderes voltadas para si mesmo.

           Porque um poder não pode submeter-se às conveniências de outro poder? Se a regra básica de comportamento é o respeito recíproco, tenha-se presente que esse respeito só pode existir entre iguais.

           Há outras designações para o respeito que se deve a superiores. Deferência é uma delas. Obediência é outra. Silêncio é uma terceira delas, e existem ocasiões que o mutismo marca ou a alienação, submissão ou dependência. Nada que associar-se possa aos três poderes do Estado brasileiro.

           Surgiu não faz muito na imprensa uma estranha reportagem na Folha. Sob a ementa o 'Brasil em Crise' esse jornal que ama por vezes acercar-se demasiado de temas provocativos, estampou em uma de suas páginas interiores dedicada ao Poder, a assertiva "Dilma poderá opinar se convém ter Gilmar Mendes como relator".

          A democracia, já dizia Octavio Mangabeira, é uma tenra plantinha. Precisa ser regada amiúde.   

           Democracia é até considerada um estado de espírito. A Venezuela pode valer-se da hipocrisia institucional da Organização dos Estados Americanos - que determina estar aberta apenas para regimes democráticos - mas quem em sã mente e com um modicum de percepção e inteligência ousaria dizer que nos dias de hoje a Venezuela, sob Nicolas Maduro, é uma democracia ?

          Recordo-me de velha anedota sobre a incompatibilidade de certos atributos: são incompatíveis, por exemplo, certas qualidadades e características mestras. Assim, é o caso de dispor as palavras honesto, fascista e inteligente.  Há sólidas bases para asseverar que esses três atributos qualificativos não podem ocorrer conjuntamente: se uma pessoa A é honesta e fascista, se conclui que não pode ser inteligente. Por sua vez se B é fascista e inteligente, daí decorre que não pode ser honesta.

           O equilíbrio dos poderes no Estado é  regra que custou muito esforço, muita prisão injusta, muito tropeço no ínvio caminho da democracia. A autonomia dos três poderes inclui regras básicas, cujo desrespeito implica na negação dessa democracia, eis que inexistem poderes nesse tipo de regime ( o pior de todos segundo Churchill, excluídos todos os demais...) que sejam mais altos e mais determinantes do que os demais.

           Não é à toa que a Justiça é necessariamente vendada, porque ela não deve agir por conhecimento pessoal ou por qualquer outra forma de condicionamento social.

          O juiz - qualquer que seja a sua categoria hierárquica - não desconhece que a regra mais importante a ser seguida nas cortes está na isonomia do tratamento nos autos, ou ex-cathedra, para todos os cidadãos. Não há cidadão comum nesse país, eis que todos têm os mesmos intrínsecos direitos.

           Não foi por acaso que o Senhor Dias Toffoli - que hoje, por causa da cancela aberta preside a um Tribunal Superior - foi levado a considerar o impensável, i.e., a dependência de um poder para com outro.

           Pois é disto que se trata. No momento em que um tribunal superior admite essa capitis deminutio, tudo pode ser admitido.

           Assim como não há limitações  à soberania do Estado - ou se é independente ou dependente - tampouco a Justiça pode conviver com restrição da forma acima indicada, porque a consequência é a perda de autonomia. 

            Assim como a soberania no conjunto das Nações é um estado de espírito, e tal situação logo ressalta aos observadores, pelo seu não-condicionamento às determinações de outras potências, também na esfera interior do Estado a democracia é impossível se um dos poderes pode cercear a atuação dos outros dois.

             E, nesse contexto, como se poderia definir o comportamento republicano do Sr. Toffoli ao perguntar, enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que a presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, se manifestem sobre a eventual indicação do Ministro  Gilmar Mendes para a relatoria dos quatro processos de cassação que, contra ambos, tramitam na Corte ?

             Há certas ocasiões em que o silêncio mais compromete do que a própria palavra.   

              Que república é esta?  Ou deixou de ser República, e todos aqueles que a tornaram realidade devem ser esquecidos?

 

( Fonte: Folha de S. Paulo )

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