O ativismo de Vladimir Vladimirovich Putin
na Síria - apoiando notadamente através de bombardeios Sukhoi e mísseis as
forças de Bashar al-Assad, com ataques aos rebeldes sírios - vem sendo
comparado a longa presença do Império russo no Oriente Médio.
Assim, os
laços da Rússia como defensora da Cristandade Ortodoxa viria desde o tempo da
queda de Constantinopla em 1453. Daí a palavra czar (corruptela de Cesar), com os soberanos russos se apresentando não só como a Terceira Roma,
mas também a Nova Jerusalém.
A dominação
russa do Mediterrâneo oriental seria encetada em 1768 com a ajuda de almirantes escoceses, e posteriormente
firmada pelo Conde Alexei Orlov (irmão do amante de Catarina a Grande) que
desbaratou a frota otomana.
Foi efêmero,
no entanto, tal domínio, eis que o Império russo abandonou os seus aliados
sírios em 1774 em troca de concessões otomanas na Ucrânia e Crimeia.
Com a criação de
frota no Mar Negro, a dupla imperial tentou negociar uma base na ilha
mediterrânea de Minorca. Os sucessores de Catarina se viam como cruzados, com o
Império Russo votado a dominar os
famosos estreitos de acesso ao Mediterrâneo (e aos mares quentes) - e uma luta pela posse da Igreja do Santo
Sepulcro (entre sacerdotes russos e católicos) que levou à Guerra da Crimeia
(em meados do século XIX).
A derrota
russa em 1856 diante da aliança ocidental (Inglaterra e França) forçou o
sucessor Alexandre II e os czares seus sucessores a optarem pela diplomacia
para ganhar influência nessa área, notadamente à espera da dissolução do
Império Otomano, então conhecido com o 'Homem
doente da Europa'. Na Grande Guerra
(depois denominada de Primeira Guerra Mundial),o Ministro dos Estrangeiros da
Rússia, Sergei Sazonov se associou à
negociação que mais tarde (com o desmoronamento do poder tzarista) ficaria
conhecida apenas como o Acordo Sykes-Picot (que na prática repartiu o Oriente
Próximo entre Inglaterra e França). Se Nicolau II houvesse permanecido no
trono, o entendimento se chamaria Sykes-Picot-Sazonov.
As peripécias
posteriores - e notadamente a derrocada da União Soviética em 1991-2 - destruíram os protegidos russos Saddam Hussein (Iraque) e o coronel Muammar
el-Kaddafi (Líbia). A retirada americana da região, se confirmada, tenderia a
reduzir o peso regional de Washington e quiçá favoreceria ao Presidente Putin,
que se vê como herdeiro da tradição russa de influência na região. Por outro
lado, enquanto gospodin Putin se
projetaria como árbitro mundial, a par da salvação de Bashar al-Assad que resiste
há quatro anos contra a liga de opositores árabes e ora também se vê investido
pelo Estado Islâmico, tudo isso supostamente se encaixaria na luta por sua
afirmação política na área, através da revalidação dos títulos de Catarina a
Grande além de pensar possa conduzir à negociação do fim das sanções ocidentais
à Rússia, a par de garantir-lhe a anexação de Crimea.
Pode parecer,
à primeira vista, a very tall order,
isto é, pretensão demasiado ambiciosa, no limite do absurdo, mais semelhando
virtual rendição do Ocidente. Com efeito, que num passe de mágica Vladimir
Putin logre ver-se livre de todas as penalidades e sanções internacionais que
as transgressões da Rússia ao direito internacional pela sua guerra direta ou por
interpostos agentes (os chamados rebeldes pró-Rússia na Ucrânia oriental - Donestsk,
Luhansk, Mariupol) e todas as demais invasões das fronteiras com a Ucrânia, a
anexação da Crimeia, ao arrepio do
direito internacional público), e ainda por cima o levantamento das sanções
contra Moscou, por causa da incorporação ilegal da península da Crimeia, tudo
isso somado constituiriam pouco verossimilhantes concessões ao Kremlin, as
quais poderiam ser comparadas a um equivalente prático de o que poderia ser
interpretado como quase virtual rendição...
Não será
premiando o agressor que se irá construir paz digna desse nome naquela região. Se o
número de agressores na região não para de crescer, como se observa com a
guerra civil na Síria, em que os domínios de Bashar al-Assad estão reduzidos a
núcleos em torno de Damasco, do sul (o que inclui as bases russas) e o leste
retalhado entre o ISIS e a união rebelde.
A presença
russa aumentou bastante de intensidade, máxime através dos ataques dos
bombardeiros Sukhoi, com incidentes envolvendo sobrevoos de espaço aéreo turco,
sem falar em apoios diretos a Bashar no combate à Liga Rebelde.
Como um
parceiro que tem dificuldade em submeter-se a claros parâmetros de respeito às
forças nacionais aí atuantes, a Federação Russa, além de tratar dos próprios
interesses (Putin dispõe já de duas bases aérea e naval na velha e dilacerada
terra da passagem) tem estado bastante próxima de provocar incidentes
internacionais mais sérios nos seus ataques à Liga Rebelde (que é apoiada pelo
Ocidente).
Em tapete que
semelha estar sendo recosido a cada dia, a terra síria e as áreas
circunvizinhas do Iraque, veem digladiar-se além do Estado Islâmico (que ameaça
notadamente Síria, o Curdistão e o Iraque), os bombardeios aéreos da coalizão
ocidental (liderada pelos Estados Unidos, e agora com participação turca), o
novo - e perigoso - elemento na vizinhança, que é a Federação Russa, que
desdobra a própria ação no envio de mísseis e de bombardeios dos velhos aviões Sukhoi.
Que até hoje
o novo elemento no quarteirão, i.e., as forças aéreas de V. Putin, não haja
provocado, além de protestos dos países ocidentais e notadamente dos Estados
Unidos, nenhum acidente mais grave pode
indicar alguma coordenação militar, embora a parte russa venha timbrando
exercer papel autônomo, com objetivos a marcar por ora de difícil determinação.
Já é milagre relativo que nenhum acidente grave tenha acontecido.
Como isso tudo vá terminar não é exercício
de conjetura fácil. Que terá eventuais reflexos em outros cenários, como na
guerra atualmente ao parecer de baixa intensidade na Ucrânia, já é outro
exercício, que no momento não me parece suscetível de ulteriores prognósticos. Note-se, por fim, que além do Iraque, que vê
as suas terras retalhadas pelo ISIS, parceiros menores mas atuantes
militarmente são o Irã e o Hezbollah, que é uma espécie de linha avançada
xiita, com base no pobre Líbano, e que colhe generoso apoio de Teerã. E, por
fim, um pouco ao longe mas não tanto, Israel observa nervoso a imprevista
movimentação guerreira.
( Fontes: The New York Times, artigo de Simon Sebag
Montefiore sobre 'A aventura imperial de Putin na Síria' )
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