A revista do New York Times publica neste fim de
semana reportagem que muito contribui para esclarecer e aprofundar outro sórdido
aspecto do Movimento do Exército Islâmico.
Tem a ver não só com comportamento recomendado pelo E.I. a seus
militantes, mas também à especial ênfase que, na prática, coloca no que entende seria o próprio
instrumental para aumentar o número dos eventuais interessados em alistar-se nas
suas fileiras.
Trata-se do
papel que possam ter, segundo a liderança do ISIS, tanto a escravidão sexual,
quanto o estupro, para incrementarem o número de filiados ao movimento.
Essa
perturbadora característica já se mostrara na sua campanha militar no Iraque e,
em particular, logo depois da conquista de Mosul, a segunda cidade em importância
daquele país.
A princípio,
não foram entendidas as causas da inflexão para o monte Sinjar das forças militares do E.I., logo em seguida à tomada
de Mosul.
Nos numerosos vales e ravinas desse relevante acidente geográfico, estava
sediada a minoria Yazidi, seita pacífica que corresponde a 1 ½ do total da população iraquiana, que é de 34
milhões de habitantes.
A motivação,
então desconhecida, é de caráter sexual, e se relaciona especificamente com os yazidis. As suas mulheres foram ‘escolhidas’
por causa das características do credo yazidi.
Havido pelo E.I. como culto politeísta que, ao invés de ostentar livros
sagrados de leitura - como as principais religiões - tinha uma tradição de
culto centrada na oralidade. Por isso, o Islã arcaísta da liderança do Exército
Islâmico considera os fiéis yazidi como
incréus (unbelievers), que não fazem
jus a qualquer prerrogativa, como está previsto no Alcorão para os chamados Povos do Livro - os judeus e os cristãos
– os quais, por isso mesmo têm direito a certas limitadas proteções.
O ISIS tinha um problema e pensou que
as mulheres yazidi poderiam ajudar na
sua resolução. Todo um procedimento formal foi estabelecido e versão supostamente moderna do rapto das
sabinas foi disposta. O Exército Islâmico introduziu a escravidão sexual a três
de agosto de 2014, que é a data da invasão do monte Sinjar. Como o indivíduo
que possa ser atraído para o alistamento militar em um movimento como o E.I.
tende a ser, em geral, jovem e solteiro, a escravidão sexual passou a ser
encarada como instrumento para solucionar o suposto desafio da castidade
forçada para esse militante islâmico. A propósito, é de notar que a sociedade
islâmica tende a ser extremamente conservadora em termos de relacões sexuais. Inexiste o sexo casual, que é tabu, e os
encontros sexuais (dating) são
proibidos.
A
operação de transporte das ‘escravas sexuais’ foi consequência da prisão de
parte da população yazidi que não logrou escapar. Verificar-se-ía, a posteriori, que os ônibus e os
caminhões com carroceria fechada que seriam utilizados para o transporte das
mulheres, moças e até crianças (femininas), respeitariam os preceitos do culto wahabita. Como não havia lenços bastante
para encobrir-lhe os cabelos, nem seria possível vestir na indumentária
islâmica tais infelizes, elas, separadas das respectivas famílias, seriam transportadas à força. Para que nenhum
imã considerasse a exposição da figura feminina como ‘haram’ (proibido), providenciaram-se cortinas para as janelas dos
ônibus, assim como se encobriu com panos ou papéis as vidraças maiores. Assim,
os transportes ficaram ‘halal’
(permitido), e nenhum imã poderia protestar...
Como só
as mulheres núbeis e as meninas interessavam, os homens e os jovens com pelo
nas axilas foram metralhados de imediato. Quanto às mulheres que conseguiram
escapar da razia, elas eram cerca de
duas mil. Poderiam considerar-se felizardas, pelo que esperava as outras.
Somente depois as infelizes presas de guerra entenderiam um pouco mais
da sorte que lhes estava reservada pelo epíteto sabaya, com que os seus
guardiões a elas se referiam. Essa palavra significa escrava em árabe. Um total de 5.270 yazidis foram raptadas em 2014,
e pelo menos 3.144 ainda estão ‘detidas’ pelo E.I., conforme relato dos anciãos
da Comunidade yazidi.
O caráter reacionário do ISIS não se reflete
apenas na presente tentativa de reinstituição
do Califado islâmico[1],
que fora extinto por Mustapha Kemal,
depois dito Ata-Türk, em 1924, ao tempo da guerra contra o Reino Helênico, e a
batalha decisiva que consumaria para os gregos a chamada catástrofe, com a imposição da emigração da Ásia menor da
população helênica que ali vivia há milhares de anos.
Para dar fundamentação para a sua ideologia
de conquista, o ISIS adota interpretação extremamente arcaízante do Corão. Reinstitui não só a escravidão (para as
presas de guerra), mas também restabelece a escravidão sexual. Assim, são
passíveis de estupro mulheres e meninas púberes da religião yazidi (mas não as dos povos do Livro).
A sua reinterpretação
do Alcorão permite a escravidão das mulheres (por causa de guerra, onde são
consideradas presas). Nesse sentido, a
liderança do E.I. reinstituíu a escravidão, o que dá ao homem islâmico o
direito de dispor da mulher como se fosse presa de guerra. A yazigi que fugiu
se lembra que antes de estuprá-la, o seu algoz se persignava. Terminada a operação, ele fazia, como bom
muçulmano, as suas orações.
Para
que a vítima não tivesse dúvidas sobre quem estava no seu direito, após o ato
(na menina de doze anos) ele aduzia que o Alcorão não só lhe dava a permissão de estuprá-la, mas também o perdoava e
encorajava.
E ao afastar-se, como homem temente a Alá, ele
não deixava de fazer outras orações.
( Fonte: Reportagem na revista semanal de The
New York Times, The New York Review of Books)
[1] O atual e primeiro Califa
do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi,
nascido em 1971 na cidade iraquiana de Samarra, é da tribo Bobadri, a qual inclui
na sua linhagem a tribo do Profeta, Qurayshin. Na tradição sunita, o Califa
tem de ser um Qurayshite.
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