Desde muito que a Venezuela sob Nicolás
Maduro deixou de ser uma democracia. Na verdade, regimes autoritários –
seja na América Latina, seja no continente europeu – continuam a existir de
forma bastante palpável e clara. Felizmente, não são maioria, mas estão bem
presentes.
Já no tempo de
Hugo Chávez, embora os sinais não tivessem a boçal clareza que hoje exibem,
existiam muitos indícios de que a democracia venezuelana se tornara uma ficção
bastante útil para o caudillo, mas
que seria reprovada no teste da independência dos poderes.
Talvez o sinal
mais revelador do regime autoritário, por mais que os seus corifeus encham a
boca para proclamá-lo democrático, é o simples teste da justiça, do jornalismo
independente e autônomo, e de Legislativo que resulte de eleições limpas, em
que todos esses atores tenham efetiva liberdade de ação e palavra, e não se cinjam
a padrões estabelecidos pelo todo-poderoso señor presidente. Em outras
palavras, a liberdade da população não deve ser apenas formal, para inglês ver,
mas sim autêntica e sem qualquer restrição, excluídas as impostas por Código
Penal, desde que não instrumentalizado por uma justiça caudatária, como é o
caso da Venezuela e do Equador, de Rafael Correa, v.g.
Com Hugo
Chávez uma juíza foi presa, mas mantida em cadeia comum, porque ousou
contrariá-lo em sua sentença. Uma respeitadíssima ONG de direitos humanos teve os
seus principais funcionários expulsos sumariamente do país e colocados no
primeiro avião para o exterior (no caso, o Brasil), porque eles tinham ousado
retratar a Venezuela como era realmente, com as ações do governo negando papel
aos jornais de oposição, e retirando a licença das tevês que ousassem
contrariar a linha oficial.
A situação
piorou muito com Nicolas Maduro. Não há qualquer tentativa de mascarar a
verdade e apelar para aparências. A brutalidade do tacão funciona à sua maneira
tanto para o descontrole da economia, quanto no autoritarismo político
(inflação galopante, desabastecimento, corrupção a mil, insegurança geral,
prisão sumária de aqueles reputados com popularidade e, portanto, suscetíveis de ameaçar o regime,
tudo isso em um regime onde os opositores são lançados em infames masmorras).
A relação de
Nicolas Maduro com o governo Dilma Rousseff
parece ser uma de cumplicidade, como foi demonstrado quando da viagem de
Missão do Congresso Brasileiro, liderada pelo Senador Aécio Neves, e que era
para visitar o líder oposicionista Leopoldo López (então em greve de fome), e
que apesar de seguir todos os trâmites oficiais foi destratada, na prática
sequer pôde afastar-se muito do aeroporto, o que ao cabo a forçou a retornar.
Nesse incidente,
quem parecia o estrangeiro para a dupla Maduro-Rousseff era o Senador por Minas
Gerais, e os demais parlamentares que o acompanhavam. Até o presente, não é, na
verdade, de estreitíssima cooperação a relação entre o Palácio do Planalto e o
Governo Chavista, mas sim de cumplicidade. Essa estranha cumplicidade funciona
bem, como se viu já na ilegal suspensão do Paraguai do Mercosul, que foi
instrumentalizada para ensejar o ingresso de Caracas. O Mercosul não vai bem
obrigado, mas fica pior com uma economia como a da Venezuela, com inflação
alta, produção desorganizada e desabastecimento.
Mas as
grandes figuras da diplomacia brasileira tem sofrido nas suas tumbas com a
atitude lamentável no comportamento do Itamaraty – na verdade, uma correção é
devida. Na pasta das Relações Exteriores, a América Latina está a cargo de um
alto funcionário do PT. Sob Lula da Silva, ainda haveria certas formalidades, com
eventuais mesuras para o titular da Pasta, mas sob Dilma Rousseff os biombos
caíram, e além das verbas que tombaram a níveis ridículos, a presença do PT
para as relações com os governos chavistas e sindicalistas afastaram a
diplomacia de Estado do gabinete do barão e seus sucessores, para aquela da
esquerda sindicalista, na pessoa do Assessor presidencial do PT, Marco Aurélio
Garcia. No caso da Venezuela, por exemplo, tem chocado a muita gente, inclusive
os que na terra de Maduro lutam pela democracia, que o Brasil não intervenha
sequer na defesa dos direitos humanos, nem atenda aos pleitos dos muitos
democratas venezuelanos perseguidos pelo poder chavista. Esse cúmulo de erros é
uma conta pendente que cresce e que mancha a nossa diplomacia que de Estado,
virou de partido, ou melhor, neo-sindicalista.
Na
Venezuela, sob Hugo Chávez, se a democracia era bastante adjetivada (no exemplo
das antiga democracias populares da Europa Oriental), ainda existiam espasmos democráticos,
como no exercício do direito de recall
– a que, para sua honra, o Caudillo se submeteu. Mas agora, quem marca a data
da eleição é el Señor Presidente.
Assustados com a possibilidade de perderem as eleições – o que num
pleito limpo seria muitíssimo provável pelo desgoverno de Maduro e, sobretudo,
pela situação econômico-financeira, acompanhada de um senhor desabastecimento - é muito provável que o chavismo adote uma
solução tipo PRI para as vindouras eleições. Se o povão incomoda, que se dane o
povão, e se corrija o respectivo sufrágio através de fraudes maciças. Já se
preparam as próximas eleições e o guerrymandering está comendo solto (os
distritos são modificados para que a ‘maioria’ de deputados chavistas seja
preservada).
Quanto
às eleições presidenciais, há candidatos fortes da oposição, e Leopoldo López cresceu
muito, em função de sua coragem e da longa greve de fome no cárcere onde está. Henrique
Capriles quase ganhou as eleições contra Maduro, mas agora a sua moderação lhe vem custando muitos votos,
tanto que Leopoldo López já o superou nas preferências populares (40,1% contra
35,9%).
O maior
eleitor da oposição é o próprio Maduro, ou melhor, a sua firme e inegável
incompetência govenamental. Se a situação com Chávez, no período final, e com a
sua doença, já havia piorado bastante, Maduro tem acentuado ainda mais o lado
ditatorial (as prisões como a de Antonio Ledezma, prefeito da capital, não tem
mandado judicial). Hoje Ledezma está em
detenção residencial, Leopoldo López continua na prisão, havendo concluído sua
greve de fome, que durou um mês.
Quem vier depois de dona Dilma – dada a crise,
o calendário eleitoral pode sofrer mudanças – terá de entre otras cositas más fazer o Itamaraty
voltar ao que sempre foi antes dos governos petistas, com a diplomacia de
Estado, democrática, e sem comissários partidários.
( Fonte subsidiária:
Folha de S. Paulo )
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