quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Ditadura na Venezuela


                                              

         Desde muito que a Venezuela sob Nicolás Maduro deixou de ser uma democracia. Na verdade, regimes autoritários – seja na América Latina, seja no continente europeu – continuam a existir de forma bastante palpável e clara. Felizmente, não são maioria, mas estão bem presentes.

        Já no tempo de Hugo Chávez, embora os sinais não tivessem a boçal clareza que hoje exibem, existiam muitos indícios de que a democracia venezuelana se tornara uma ficção bastante útil para o caudillo, mas que seria reprovada no teste da independência dos poderes.

        Talvez o sinal mais revelador do regime autoritário, por mais que os seus corifeus encham a boca para proclamá-lo democrático, é o simples teste da justiça, do jornalismo independente e autônomo, e de Legislativo que resulte de eleições limpas, em que todos esses atores tenham efetiva liberdade de ação e palavra, e não se cinjam a padrões estabelecidos pelo todo-poderoso señor presidente. Em outras palavras, a liberdade da população não deve ser apenas formal, para inglês ver, mas sim autêntica e sem qualquer restrição, excluídas as impostas por Código Penal, desde que não instrumentalizado por uma justiça caudatária, como é o caso da Venezuela e do Equador, de Rafael Correa, v.g.

        Com Hugo Chávez uma juíza foi presa, mas mantida em cadeia comum, porque ousou contrariá-lo em sua sentença. Uma respeitadíssima ONG de direitos humanos teve os seus principais funcionários expulsos sumariamente do país e colocados no primeiro avião para o exterior (no caso, o Brasil), porque eles tinham ousado retratar a Venezuela como era realmente, com as ações do governo negando papel aos jornais de oposição, e retirando a licença das tevês que ousassem contrariar a linha oficial.

         A situação piorou muito com Nicolas Maduro. Não há qualquer tentativa de mascarar a verdade e apelar para aparências. A brutalidade do tacão funciona à sua maneira tanto para o descontrole da economia, quanto no autoritarismo político (inflação galopante, desabastecimento, corrupção a mil, insegurança geral, prisão sumária de aqueles reputados com popularidade  e, portanto, suscetíveis de ameaçar o regime, tudo isso em um regime onde os opositores são lançados em infames masmorras).

          A relação de Nicolas Maduro com o governo Dilma Rousseff  parece ser uma de cumplicidade, como foi demonstrado quando da viagem de Missão do Congresso Brasileiro, liderada pelo Senador Aécio Neves, e que era para visitar o líder oposicionista Leopoldo López (então em greve de fome), e que apesar de seguir todos os trâmites oficiais foi destratada, na prática sequer pôde afastar-se muito do aeroporto, o que ao cabo a forçou a retornar.

          Nesse incidente, quem parecia o estrangeiro para a dupla Maduro-Rousseff era o Senador por Minas Gerais, e os demais parlamentares que o acompanhavam. Até o presente, não é, na verdade, de estreitíssima cooperação a relação entre o Palácio do Planalto e o Governo Chavista, mas sim de cumplicidade. Essa estranha cumplicidade funciona bem, como se viu já na ilegal suspensão do Paraguai do Mercosul, que foi instrumentalizada para ensejar o ingresso de Caracas. O Mercosul não vai bem obrigado, mas fica pior com uma economia como a da Venezuela, com inflação alta, produção desorganizada e desabastecimento.

           Mas as grandes figuras da diplomacia brasileira tem sofrido nas suas tumbas com a atitude lamentável no comportamento do Itamaraty – na verdade, uma correção é devida. Na pasta das Relações Exteriores, a América Latina está a cargo de um alto funcionário do PT. Sob Lula da Silva, ainda haveria certas formalidades, com eventuais mesuras para o titular da Pasta, mas sob Dilma Rousseff os biombos caíram, e além das verbas que tombaram a níveis ridículos, a presença do PT para as relações com os governos chavistas e sindicalistas afastaram a diplomacia de Estado do gabinete do barão e seus sucessores, para aquela da esquerda sindicalista, na pessoa do Assessor presidencial do PT, Marco Aurélio Garcia. No caso da Venezuela, por exemplo, tem chocado a muita gente, inclusive os que na terra de Maduro lutam pela democracia, que o Brasil não intervenha sequer na defesa dos direitos humanos, nem atenda aos pleitos dos muitos democratas venezuelanos perseguidos pelo poder chavista. Esse cúmulo de erros é uma conta pendente que cresce e que mancha a nossa diplomacia que de Estado, virou de partido, ou melhor, neo-sindicalista.  

              Na Venezuela, sob Hugo Chávez, se a democracia era bastante adjetivada (no exemplo das antiga democracias populares da Europa Oriental), ainda existiam espasmos democráticos, como no exercício do direito de recall – a que, para sua honra, o Caudillo se submeteu. Mas agora, quem marca a data da eleição é el Señor Presidente.

               Assustados com a possibilidade de perderem as eleições – o que num pleito limpo seria muitíssimo provável pelo desgoverno de Maduro e, sobretudo, pela situação econômico-financeira, acompanhada de um senhor desabastecimento  - é muito provável que o chavismo adote uma solução tipo PRI para as vindouras eleições. Se o povão incomoda, que se dane o povão, e se corrija o respectivo sufrágio através de fraudes maciças. Já se preparam as próximas eleições e o guerrymandering está comendo solto (os distritos são modificados para que a ‘maioria’ de deputados chavistas seja preservada).

              Quanto às eleições presidenciais, há candidatos fortes da oposição, e Leopoldo López cresceu muito, em função de sua coragem e da longa greve de fome no cárcere onde está. Henrique Capriles quase ganhou as eleições contra Maduro, mas agora a sua moderação lhe vem custando muitos votos, tanto que Leopoldo López já o superou nas preferências populares (40,1% contra 35,9%).

               O maior eleitor da oposição é o próprio Maduro, ou melhor, a sua firme e inegável incompetência govenamental. Se a situação com Chávez, no período final, e com a sua doença, já havia piorado bastante, Maduro tem acentuado ainda mais o lado ditatorial (as prisões como a de Antonio Ledezma, prefeito da capital, não tem mandado judicial).  Hoje Ledezma está em detenção residencial, Leopoldo López continua na prisão, havendo concluído sua greve de fome, que durou um mês.

               Quem vier depois de dona Dilma – dada a crise, o calendário eleitoral pode sofrer mudanças – terá de entre otras cositas más fazer o Itamaraty voltar ao que sempre foi antes dos governos petistas, com a diplomacia de Estado, democrática, e sem comissários partidários.

 

( Fonte subsidiária: Folha de S. Paulo )

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