sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A Pedra no meio do Caminho


                                 
        O poema pode ser de um brasileiro – Carlos Drummond de Andrade – mas a sua universalidade se me afigura manifesta. A imagem de obstáculo que não pode ser contornado retém a própria relevância em qualquer parte, e não apenas em estrada de terra em perdido interior desses imensos brasis.

        No entanto, essa parece ser a tática da candidata Hillary Clinton no que respeita à questão do seu emprego de e-mail particular quando chefiava o Departamento de Estado.

        A pré-candidata democrata, ao invés de enfrentar o problema, tem preferido tratá-lo superficialmente, dele se ocupando de forma breve, inclusive se limitando a observações jocosas a respeito, como se fosse matéria que não merecesse atenção mais detida e sopesada.

        Os adversários republicanos – e não só eles, embora os democratas, decerto mais discretos, possam ter um viés também negativo, quando o Vice Joe Biden deixou filtrar que reconsiderava a própria candidatura se a questão se agravasse – encorajados pelo virtual silêncio da front-runner veem neste tópico um flanco desprotegido, que lhes pode favorecer em abalar a imagem de política hábil, equilibrada e popular.

        Não há dúvida que Hillary presta um desserviço a sua candidatura à presidência se insistir em tratar o tópico como se fosse coisa de somenos, que não lhe  mereceria maior atenção.

        Surpreende que política tarimbada como Hillary Clinton, que se acha na sua segunda tentativa presidencial (a primeira foi contra a então força da natureza Barack Obama, a que somente depois de campanha desgastante caíu-lhe a ficha de que aquela não seria a sua vez) ainda não se tenha conscientizado de que não se deve conviver com uma questão (issue) séria, como se o silêncio ou um tratamento superficial bastassem para resolver ou afastar o problema. Agindo dessa forma, negando-se na prática a enfrentar a questão,  ela permitiu que grave questão  continue sem resposta abrangente e conclusiva.  

         Artigo do New York Times se ocupa dessa questão. Não é desconhecido o histórico de passados ataques do jornalão de New York contra os Clinton, inclusive no falso ‘issue’ de Whitewater, que levou à verdadeira crise na presidência de Bill Clinton, e numa perseguição tipo comissário Javert[1] de parte do promotor especial Kenn Starr. A despeito dos milhões de dólares que foram dispendidos pelo erário, ao final a ânsia de destruir o candidato – e depois o presidente – daria chabu.

          Sem embargo, a questão agora é séria e diferente, e carece de ser desmistificada. A política americana ensina que quando candidato ou candidata é confrontado por uma questão relevante, que causa inquietação e dúvidas entre os seus partidários, e anima seus adversários, a maneira de lidar com o problema será através de uma intervenção  na tevê, expondo o assunto e dando a versão do candidato.

          Por meio desse modelo, o candidato ou a candidata expõe a questão em todas as suas facetas, e explica para o público americano como procedeu e como vê o problema. A grande vantagem deste método é a maneira aberta e, se presume séria, de lidar com o desafio. Além  disso quem coloca a própria candidatura ao prévio exame do eleitorado, está implicitamente se curvando ao tribunal da opinião pública. Não há maneira de lidar com esse tipo de desafio que de tratá-lo de forma aberta e franca. Através dessa disposição, que deve ser levada a cabo de forma tão abrangente quanto possível, quem submete sua candidatura à opinião pública está implicitamente solicitando o seu aval. Quem enfrenta tais questões não desconhece das vantagens que esse procedimento enseja, mas tampouco pode ignorar que quem comparece à barra de um tribunal aceita implicitamente o risco de resultado menos favorável. Não sairá, contudo, menor por se ter submetido a esse desafio, que é da natureza do regime democrático.

             Comprovada a resistência do público – e a sua repercussão em outros candidatos democratas, que postulam governanças e cadeiras no Senado e na Câmara – por mais perigosa que seja a eventualidade, ela precisa ser confrontada.

              A própria atitude da pré-candidata Hillary Clinton tem implicado na validação desse método já muitas vezes  utilizado por candidatos tanto republicanos, quanto democratas, na política americana.

              Há decerto outros exemplos, mas me vem à mente que quando Richard Nixon teve de enfrentar questionamentos políticos sérios, que punham em risco a sua presença na chapa do presidente Dwight D. Eisenhower, como seu vice, ele conseguiu convencer  o público através do seu discurso que passou à história como Checkers – o nome de um cachorrinho da juventude de Nixon – que então as acusações contra ele eram infundadas. Por isso, foi conservado na chapa que seria vencedora.

               Estou certo de que as razões de Hillary serão mais fortes do que as do jovem Senador Nixon. Mas, de qualquer forma, a única maneira de livrar-se desse tipo de abscesso é lancetá-lo – de preferência em público.

 

(  Fonte: Carlos Drummond de Andrade,  The New York Times  )



[1] Javert é o implacável comissário que nos Misérables de Victor Hugo persegue o ‘herói’ até o fim, embora nesse desfecho macabramente interrompa a sua missão.

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