O poema pode
ser de um brasileiro – Carlos Drummond de Andrade – mas a sua universalidade se
me afigura manifesta. A imagem de obstáculo que não pode ser contornado retém a
própria relevância em qualquer parte, e não apenas em estrada de terra em
perdido interior desses imensos brasis.
No entanto,
essa parece ser a tática da candidata Hillary Clinton no que respeita à questão
do seu emprego de e-mail particular
quando chefiava o Departamento de Estado.
A
pré-candidata democrata, ao invés de enfrentar o problema, tem preferido
tratá-lo superficialmente, dele se ocupando de forma breve, inclusive se
limitando a observações jocosas a respeito, como se fosse matéria que não
merecesse atenção mais detida e sopesada.
Os adversários
republicanos – e não só eles, embora os democratas, decerto mais discretos,
possam ter um viés também negativo, quando o Vice Joe Biden deixou filtrar que
reconsiderava a própria candidatura se a questão se agravasse – encorajados
pelo virtual silêncio da front-runner
veem neste tópico um flanco desprotegido, que lhes pode favorecer em abalar a
imagem de política hábil, equilibrada e popular.
Não há dúvida
que Hillary presta um desserviço a sua candidatura à presidência se insistir em
tratar o tópico como se fosse coisa de somenos, que não lhe mereceria maior atenção.
Surpreende que
política tarimbada como Hillary Clinton, que se acha na sua segunda tentativa
presidencial (a primeira foi contra a então força
da natureza Barack Obama, a que somente depois de campanha desgastante
caíu-lhe a ficha de que aquela não seria a sua vez) ainda não se tenha
conscientizado de que não se deve conviver com uma questão (issue) séria, como se o silêncio ou um
tratamento superficial bastassem para resolver ou afastar o problema. Agindo
dessa forma, negando-se na prática a enfrentar a questão, ela permitiu que grave questão continue sem resposta abrangente e
conclusiva.
Artigo do New York Times se ocupa dessa questão.
Não é desconhecido o histórico de passados ataques do jornalão de New York
contra os Clinton, inclusive no falso ‘issue’
de Whitewater,
que levou à verdadeira crise na presidência de Bill Clinton, e numa perseguição
tipo comissário Javert[1] de
parte do promotor especial Kenn Starr. A despeito dos milhões de dólares que
foram dispendidos pelo erário, ao final a ânsia de destruir o candidato – e
depois o presidente – daria chabu.
Sem embargo,
a questão agora é séria e diferente, e carece de ser desmistificada. A política
americana ensina que quando candidato ou candidata é confrontado por uma
questão relevante, que causa inquietação e dúvidas entre os seus partidários, e
anima seus adversários, a maneira de lidar com o problema será através de uma
intervenção na tevê, expondo o assunto e
dando a versão do candidato.
Por meio
desse modelo, o candidato ou a candidata expõe a questão em todas as suas
facetas, e explica para o público americano como procedeu e como vê o problema.
A grande vantagem deste método é a maneira aberta e, se presume séria, de lidar
com o desafio. Além disso quem coloca a própria
candidatura ao prévio exame do eleitorado, está implicitamente se curvando ao
tribunal da opinião pública. Não há maneira de lidar com esse tipo de desafio
que de tratá-lo de forma aberta e franca. Através dessa disposição, que deve
ser levada a cabo de forma tão abrangente quanto possível, quem submete sua
candidatura à opinião pública está implicitamente solicitando o seu aval. Quem
enfrenta tais questões não desconhece das vantagens que esse procedimento
enseja, mas tampouco pode ignorar que quem comparece à barra de um tribunal
aceita implicitamente o risco de resultado menos favorável. Não sairá, contudo,
menor por se ter submetido a esse desafio, que é da natureza do regime
democrático.
Comprovada a resistência do público – e a sua repercussão em outros
candidatos democratas, que postulam governanças e cadeiras no Senado e na
Câmara – por mais perigosa que seja a eventualidade, ela precisa ser
confrontada.
A
própria atitude da pré-candidata Hillary Clinton tem implicado na validação
desse método já muitas vezes utilizado
por candidatos tanto republicanos, quanto democratas, na política americana.
Há
decerto outros exemplos, mas me vem à mente que quando Richard Nixon teve de
enfrentar questionamentos políticos sérios, que punham em risco a sua presença
na chapa do presidente Dwight D. Eisenhower, como seu vice, ele conseguiu
convencer o público através do seu
discurso que passou à história como Checkers
– o nome de um cachorrinho da juventude de Nixon – que então as acusações
contra ele eram infundadas. Por isso, foi conservado na chapa que seria
vencedora.
Estou certo de que as razões de Hillary
serão mais fortes do que as do jovem Senador Nixon. Mas, de qualquer forma, a
única maneira de livrar-se desse tipo de abscesso é lancetá-lo – de preferência
em público.
( Fonte:
Carlos Drummond de Andrade, The New York
Times )
[1] Javert é o implacável
comissário que nos Misérables de
Victor Hugo persegue o ‘herói’ até o fim, embora nesse desfecho macabramente
interrompa a sua missão.
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