domingo, 1 de maio de 2016

A `Democracia` Chinesa

           
                                                                                                              
         Ainda fora do visor da mídia internacional, sopram na China gélidos ventos na política, tanto na área de repressão à corrupção, quanto no expurgo de rivais políticos e de outros, com divergentes posições políticas e ideológicas.
         Depois da derrota da facção 'conservadora' de Li Peng e prisão domiciliar de Zhao Ziyang (1919-2005), a 'solução' dada para as manifestações estudantis na Praça Tiananmen acaba com a distensão política, sucedendo-lhe período de pesada repressão.
         Com o desaparecimento político de Zhao Ziyang, continua a hegemonia de Deng Xiaoping, que assumira e consolidara o próprio poder nos anos de transição pós-Mao Zedong, de 1981 até 1997.
            Posteriormente, mantida a liberalização econômica e a rigidez política, se sucederam à testa do Estado chinês líderes de um poder de ascensão (ultrapassou o Japão e se aproxima dos Estados Unidos) e âmbito burocrático. Esse estado de coisas acaba-se, na prática, com o término do 'mandato' de Hu Jintao, em 14 de março de 2013 (começara em 15 de março de 2003).
           Hu Jintao, dentro da nova sistemática pós-Mao, foi o sexto presidente da China. A RPC não é, nem nunca foi, uma democracia. Ironicamente, tal regime só vigora no Império chinês, sob a Imperatriz viúva Cixi, e dadas as reformas democráticas introduzidas por Cixi, sobremodo na fase final de seu longo reinado. Sob muitos aspectos, a China já no início do século XX (Cixi falece em 1908) era mais democrática do que os regimes posteriores. Tanto na república de Sun Ya-tsen, quanto no nacionalista de Chiang Kai-Shek a democracia se torna uma ficção, e a fortiori na era comunista, iniciada por Mao Zedong em 1949, ela só está presente no respectivo título.
           Ao passar o governo para o sucessor Xi Jinping, sob o aguilhão da corrupção que prevalecera nos governos anteriores, Hu Jintao, embora não pessoalmente corrupto, assistira à eclosão de vários escândalos nesse campo, inclusive no de seu Primeiro Ministro, que é o segundo na hierarquia chinesa. Com efeito, reportagem da mídia americana desvendara a riqueza acumulada pela família de Wen Jiabao, que como o segundo de Hu Jintao trata da administração do estado chinês.
            Terão sido esses escândalos de corrupção que induziram ao novel Secretário-Geral do PCC, Xi Jinping a lançar ambiciosa campanha para escoimar do Partido aqueles por ele chamados de "tigres e moscas", isto é, funcionários corruptos  e empresários, tanto grandes, quanto pequenos.
            Desde que começa em 2012, na consueta longa passagem do mando, esta campanha já apanhou mais de 160 'tigres', com nível ou acima ou equivalente ao segundo provincial, ou substituto de ministro. Já a raia miúda, formada pelas moscas, ostenta captura que supera os 1400, todos funcionários de nível inferior.
            Contudo, essa campanha, dada a sua dinâmica, não tardou em espraiar-se em um expurgo de massa no estilo neo-maoista, já com critério mais difuso, não apenas voltado para os ditos ladrões do erário público, mas já sob o impulso de repressão indiscriminada, também dirigida a rivais políticos e outros, com visões diversas (do poder) em termos ideológicos, ou até de facção.
            Sem se dar conta, ou deixando-se levar pela corrente, Xi desperdiça um trunfo considerável, dado o prestígio de que dispõe (ou dispunha) em relação aos seus antecessores. Por uma série de fatores, a força do novo líder supera de muito a daqueles que o precederam neste opaco sistema de governo, marcado pelo burocratismo e, por conseguinte, a relativa pouca força cogente de seus antecessores.
             Essa vantagem em termos de prestígio (e valor) pessoal habilita Xi Jingping a não acomodar-se com injunções de instituições ou usanças, que na prática ocasionam uma espécie de interregno na fase inicial, a título de respeito pelo dignitário a quem sucedia.
            Não é por acaso, portanto, que o antes quase esquecido 'grande timoneiro' - excetuado o seu ominoso quadro gigante que confronta a Praça da Paz Celestial - reapareceu bruscamente, por mais que a sua imagem seja anacrônica com as pretensões da República Popular da China, com a economia intenta em galgar o máximo escalão na ordem capitalista, assim como a respectiva moeda, o renmimbi já alçado ao nível de  moeda de reserva internacional pelo Fundo Monetário Internacional.
            Com efeito, em 30 de novembro de 2015, o Fundo - em decisão que pareceu um tanto apressada a alguns especialistas - colocou o yuan (renmimbi) no mesmo nível do dólar estadunidense, do euro, do yen japonês, e da libra esterlina, na chamada cesta de moedas de reserva internacional.
            A China, agora sob o punho de Xi, faz lembrar um provérbio francês, que dita "não desejes muito uma coisa, porque ela pode acontecer". Os seus antecessores imediatos - e o próprio Deng Xiaoping que é quem dera condições ao seu gestor econômico, o hoje esquecido Zhao Ziyang (morto em prisão domiciliar, a 17 de janeiro de 2005, em Beijing, em blecaute de informação por ser demasiado popular) de colocar a RPC como economia de mercado, e, portanto, afastando os liames marxistas impostos por Mao Zedong...
            Uma coisa é alguém deixar pendurado nas muralhas da Cidade Proibida um poster gigante do 'grande timoneiro'. Bem outra, é providenciar-lhe a ressurreição política, com o retorno de seus preceitos ideológicos e toda a respectiva escumalha. Como diz a fábula popular, você não pode ter tudo (pela circunstância de que existem coisas inconciliáveis).
             Não é que a China antes tenha sido um modelo de democracia. Não se pode olvidar que no mundo existe apenas um Prêmio Nobel que está na cadeia, pela própria circunstância de advogar para a RPC um regime constitucionalista moderado, que a própria Imperatriz Cixi aceitaria de bom grado... Liu Xiaobo está preso e condenado por infame sistema judiciário que o consignou a masmorra interiorana desde 2008. A situação de sua esposa, Liu Xia, tampouco é invejável, pois na prática está em prisão domiciliar, culpada por ser a cônjuge do criminoso  que propôs um moderado regime de governo para a democracia popular chinesa.
              O governo chinês tentou por todos os modos coagir a pequena Noruega - que sedia o Nobel da Paz - a não realizar a cerimônia. Esse tipo de intervenção é comum pela RPC, e uma grande parte de países, como a União Sul Africana, v.g., se curvam aos seus ditames que em geral se dirigem a barrar visitas do Dalai Lamaum perigoso ativista anti-chinês, como tentam fazer passar os apparatschiks chineses. Para a sua honra, a Noruega se negou a curvar-se, malgrado todas as ameaças de Beijing. Há um princípio muito importante na política - e na vida: em geral fantasma sabe para quem aparece... O que é ruim no caso é que o pobre Liu Xiaobo não pode dar bom uso aos milhões do prêmio. Por seu lado, a esposa, Liu Xia, vive um circunscrito inferno, estando, na prática, mais do que em prisão domiciliar.
               Com efeito, essa senhora está sendo punida pela grave circunstância de ser esposa de Liu Xiaobo. Dias depois da sua sentença à prisão, Liu Xia foi submetida à prisão domiciliar severa, sem direito sequer ao uso de telefone, nem da internet.
                           
              Tudo isso porque sobre ela pesa o grave crime de não ter traído ao companheiro, e na medida do possível, tente visitá-lo, nas eventuais possibilidades que lhe abre, com a habitual má-vontade, o sistema carcerário da segunda potência do planeta.
              Tenha-se presente que tais medidas foram aplicadas antes do advento de Xi Jinping, que transcorreu em 2012, que pode ter a ver com muita coisa, mas absolutamente nada a ver com a prisão e condenação de Liu Xiaobo, e  com o acosso de sua esposa.
               Como agora o artigo de Orville Schell lamenta a imposição do arrocho na China, com o advento de Xi,  tentaremos examinar em próximo blog o que veio a piorar na RPC.
           

 (a continuar



(Fontes: The New York Review of Books - artigo de Orville Schell: 'Crackdown in China: Worse and Worse';  "Prisoner of the State - The Secret Journal of Premier Zhao Ziyang, e Empress Dowager Cixi, de Jung Chang )



Nenhum comentário: