sábado, 7 de maio de 2016

O Falcão de Ipanema

                              

         Uma coisa é ver um bicho desses no cinema... outra bem diversa será tê-lo pela frente, encarapitado na mureta da tua sacada.
         Dois mundos se contemplam. Ali, com as garras bem aferradas na barra de plástico, não será na beleza de sua postura, mas na circunstância de que tens no teu apartamento uma ave de rapina que te olha fixamente, com a sua enigmática expressão, o que te põe a pensar na vida...
         O engraçado é que nesses momentos ficamos como que mesmerizados. Não se trata, na verdade, de não saber o quê fazer, mas o choque de se defrontar com realidade que, de chofre, nos parece fora de lugar.
         O nosso olhar, entre nervoso e inquieto, pode passear pelas garras do animal, as suas unhas aduncas, a penugem escura, e a cabeça que, lentamente, nos examina, naquele olhar ignoto, mas fixo, como que parado no tempo.
         Hirtos estamos, ele com o ar arrogante do bico coriáceo e minaz, enquanto devo contentar-me em observar.  E pensar...
          Que diabos esse bicho faz na minha casa? Faz tempo que uma revoada de fragatas começara a voar em torno da modesta piscina, na verdade um quase-tanque no terraço do apê. Lá estava minha esposa se refrescando do calor ambiente, e não gostei dos vôos insistentes e concêntricos desses pássaros grandotes que vêm do arquipélago das Cagarras em torno do banho de Ana...
           Para espantá-las bastaram alguns gritos e gestos bruscos... mas o bicho que me perscruta, já não é um estranho para a vizinhança. Dias antes, o instinto feral já lhe servira para engolir vivo um pobre passarinho que o viver na gaiola deve ter-lhe retirado a capacidade de escapar dos predadores...
            O que faz esse falcão em Ipanema? De onde vem? Quais são as suas intenções?
             Pode ser até que seja também residente nas Cagarras, mas tenho minhas dúvidas. É mais provável que faça sua base nas montanhas circunstantes, que, a dizer verdade, não estão tão longe assim.
              O Cantagalo abriga uma favela, mas quiçá os tiroteios frequentes o tenham afastado de lá, porque os estampidos assustam as  presas, e a dizer verdade, além dos morcegos do hotel abandonado do Brizola, não há muitos pássaros por lá... Ou até pode ter vindo das beiradas da Lagoa, ou das montanhas que separam o tempo e os bairros que estão nas faldas do Corcovado, com as suas florestas, antes tranquilas e livres de bandidos.
                O bicho-homem acredita que domina a Terra. Será? Uma simples visita de falcão que está de passagem por Ipanema pode tirá-lo do sério. Esquecemos um tanto facilmente que invadimos não faz muito os diversos habitats dos entes ferais da natureza, e nos incomoda que a grandes intervalos eles venham visitar-nos... ou ,quem diria, lembrar-nos que o nosso título de permanência não está lá tão garantido assim.
                Não carece muito da ajuda dos irmãos Koch, os simpáticos financiadores de tudo o que anti-ecológico seja, para que o fator do aquecimento global continue na sua ascensão. Os petroleiros irmãos Koch pensam nos próprios investimentos e, portanto, se estão lixando de que o aquecimento global traga consigo a elevação do nível dos mares,  com o desaparecimento das praias e áreas  vizinhas aos oceanos.
                 Eles não pensam nos falcões, nas espécies enxotadas de seus espaços, e também sequer perdem tempo com o bicho-homem.

                 E nós? Será que nos incomoda a presença de falcões em Ipanema? 

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