sexta-feira, 6 de maio de 2016

O Autocrata Erdogan

                                

          A tendência dos chamados homens fortes na política é a de criarem um vazio em torno deles.  Haverá, decerto, muitos bajuladores no seu entorno. Mas a capacidade de apontar soluções válidas e caminhos novos não é, em geral, encontradiça nos salões do chefe político.
          Falta aos fâmulos e ao pessoal de corte a idéia, vale dizer a capacidade de vocalizar propostas e soluções que tenham substância, e que não se limitem a copiar planos e projetos do amo.
          Recep Tayyip Erdogan não surpreende pelo caminho percorrido. Repontou na política turca com ideias liberais, ainda que cautelosas, e que a princípio o apontavam como alguém capaz de chegar a compromissos.
          Com o incremento do poder, a lei de Lord Acton[1] passou a repontar no círculo do líder turco. Depois de várias tentativas de partidos islâmicos de empolgarem o mando - o que representava uma denegação da diretiva do pai da Turquia moderna, Mustafá Kemal Ataturk - Erdogan teria êxito no projeto de lograr que partido islâmico se assenhoreasse de força suficiente para alcançar dois objetivos capitais: controlar os militares, até então havidos como fiscais da laicidade do Estado; e assegurar, através de influência nas mesquitas, uma presença mais obediente  aos desígnios de sua agremiação neo-islâmica.
           Explicam-se, assim, os choques que teve com a oposição, que é contrária à arregimentação popular em termos fideístas (alcançada sobretudo junto às massas camponesas), os estudantes e intelectuais que se opõem às várias tentativas de fortalecimento dos respectivos instrumentos de poder; e não por último, com os curdos, essa enorme minoria que se debate até hoje com as manobras da história em denegar-lhe um  solo nacional. Considerados inimigos da pátria turca, os curdos lutam com grandes dificuldades para afirmar o próprio destino. Reflexo disso é a sua presença no Parlamento, que aparece e desaparece, por causa dos enormes óbices que o estamento turco lhes coloca pela frente.
            Surpreende e mesmo espanta a capacidade de Recip Erdogan manter-se na crista da onda no jogo político. Não se diga que já não passou por momentos difíceis, mas tem sabido superá-los, baseando-se sobretudo na popularidade com as massas interioranas e camponesas. Tem sabido controlar o exército, assim como é impiedoso com os respectivos inimigos.
             Em tempo recente, por sua posição geográfica, Erdogan logrou em certa medida virar o jogo com a União Européia, inclusive arrancando concessões de Frau Angela Merkel.  Recip Erdogan se vale do seu potencial territorial com vistas a ajudar a União Européia no grande problema que a confronta, i.e., a questão dos refugiados da interminável guerra civil na Síria, em que Bashar al-Assad, de quase deposto tornou-se aliado do autocrata Vladimir Putin, o que lhe ensejou a sobrevivência política e militar (a custa de bases que cedeu a gospodin Putin). Por sua vez, Erdogan  tem feito a Europa - que lhe denegara o ingresso na U.E. - pagar de certa forma humilhante o eventual auxílio que tem prestado a Bruxelas.
                  Por fim, resta assinalar a atual discórdia com o antes fiel Premier Ahmet Davutoglu, cuja demissão forçou.  Talvez o defeito principal de Davutoglu seja unir a própria capacidade política à sua disposição de servir o chefe. O problema é que o 'Sultão' como é cognominado Erdogan não admite pessoas, mesmo leais e com reconhecida habilidade, que possam ter alguma autonomia nas suas ações políticas, por mais conformes que se apresentem com o seu Amo e Senhor.

( Fonte:  O  Globo )   



[1] O poder corrompe; o poder absoluto corrompe de forma absoluta.

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