quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Terá Jeito esse País ?

Será acaso natalino o espetáculo com que ontem nos brindou o Congresso ? Repetindo a invectiva famosa, será, senhores congressistas, que Vossas Excelências não tem pejo de proceder dessa forma, aos olhos da Nação ? Agir assim, a toque de caixa, em uma geral distribuição de favores com numerário que não lhes pertence mas sim ao contribuinte, ao Erário nacional, que deveria ser tratado com o respeito e a mesura que sempre fez por merecer ?
Será acaso esse o tratamento que igualmente, como representantes do Povo soberano,tem por hábito seguir, tratando-se de questões e assuntos do interesse precípuo deste mesmo contribuinte ? Ou será que as matérias a ele pertinentes sóem arrastar-se por intermináveis comissões nas duas Casas, muita vez acabando acidentados percursos nas anônimas gavetas dos arquivos da deslembrança de tantas assumidas promessas ?
Precisemos estas interrogações, para que o leitor do futuro não fique confuso quanto à sua imediata motivação.
A autoconcessão de vantagens, e em especial as concernentes a salários e vencimentos, o senso de justiça e a noção de comedimento ensinam que carecem de ser realizadas com mínimo de atenção e dignidade. Fazê-las como definido pela imprensa a toque de caixa, depõe sobretudo contra a autoridade de quem decide. Demasiada pressa pode refletir-se não só em veicular ideias porventura errôneas em termos de avidez e eventual precipitação, mas também no atendimento, às carreiras, de temas que merecem mais do que simples cuidados protocolares.
Ao invés disso, os senhores deputados e senadores aprovaram na quarta-feira, 15 de dezembro, em duas votações em um único dia, reajustes em seus próprios salários e nos vencimentos do Presidente, do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado. Passam a receber, todos eles sem distinção, R$26.723,13, a partir de primeiro de feveiro p.f.
Esse total está baseado no que hoje percebem os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Suas Excelências, diga-se de passagem, já tem previsto no Orçamento da União um reajuste de 5,2%.
Que a concessão de tal generalizado aumento foi feita de afogadilho semelha não restar dúvida na maneira indistinta por que se caracteriza a sua implementação. A primeira pergunta que surge é se todas essas autoridades deveriam ter igual remuneração . Acaso inexiste hierarquia e lógica nessa atribuição ? Por exemplo, tem funções comparáveis um ministro demissível ad nutum e o Presidente da República, para auferirem o mesmo salário ? E não há distinção tampouco entre o Primeiro Mandatário da República e os congressistas ?
E não se diga que se por muito permaneceu desequilibrada a remuneração, tal será motivo para justificar esse nivelamento.
Tampouco aqui se discute se a medida deveria ou não ser concedida. Contudo, o considerável atraso, sobretudo no reajuste dos cargos do Poder Executivo, não precisaria ser desfeito de forma tão açodada.
Nesse fim de ano assistimos a outros acontecimentos inquietantes. A Lei da Ficha Limpa, a Lei Complementar nr. 135, que se deve unicamente ao empenho popular que motivou a sua tramitação em Câmara e Senado, não vem merecendo ultimamente a atenção e sobretudo a resposta que este anseio da Sociedade pressupunha receber da Justiça.
Nos últimos dias, pessoas que súpunhamos afastadas por um tempo por graça dessa lei moralizadora, estão retornando ao Legislativo, por força de novas interpretações de artigos da lei da Ficha Limpa, além de outras súbitas mudanças nas decisões da Justiça.
É desenvolvimento imprevisto, que vai ao arrepio da vontade da opinião pública, em especial dos cerca de dois milhões de signatários da petição que originara a oportuna proposta de legislação de iniciativa popular, uma das grandes marcas da Constituição de Ulysses Guimarães.

( Fonte: O Globo )

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