A Presidente-eleita, Dilma Rousseff, que se mantém praticamente reclusa na Granja do Torto, concedeu entrevista à reporter do Washington Post.
Dentro do relativo anti-americanismo que caracteriza o governo Lula em sua última fase, Dilma toma iniciativas que claramente a dissociam de tal postura.
Em cenário de continuações de expoentes da atual administração, o afastamento de um dos ministros mais longevos da presidência de Luiz Inácio Lula da Silva não acontece por simples acidente. Desde cedo, após a vitória no segundo turno, o corrente sucessor do Barão do Rio Branco teve a indicação segura de que suas eventuais veleidades de reeditar, ainda que à distância, a permanência do patrono do Itamaraty não estavam nas considerações da futura Presidente.
O governo Dilma Rousseff não tencion ser, portanto, papel carbono da era Lula. Em política externa, dentro de enfoque de menos protagonismo midiático, há dois tópicos, de resto estreitamente ligados, em que haverá correção de rumo. De início, na atitude para com Washington: “Considero a relação com os EUA muito importante para o Brasil. Vou tentar construir laços próximos com os EUA. Eu tenho uma grande admiração pela eleição do Presidente Obama.”
Isso posto, Dilma se dissocia do apoio dado a um regime que não se coaduna com a defesa de direitos fundamentais avalizada pela Constituição:
“Eu não endosso o apedrejamento. Não concordo com as práticas que têm características medievais para as mulheres. Não há nuances, não vou fazer qualquer concessão a respeito. Minha posição não mudará quando assumir a Presidência. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição.”
Em consequência, é de presumir-se que a artificial aproximação com o regime dos ayatollahs e com o presidente Ahmadinejad deverá ser revista, sobretudo no apoio político a um estado pária internacional. Considerar nosso amigo a quem foi reeleito de forma fraudulenta e que persegue a oposição democrática, punindo de morte o dissenso, não constitui orientação aceitável nem sustentável.
Sinalizando a continuidade na economia ao “bem-sucedido governo Lula”, Dilma sublinha que o Brasil se acha ‘entre os países que possuem a proporção mais baixa da dívida em relação ao PIB’. Acentuou, de resto, o déficit de apenas 2,2% do PIB. Por outro lado, não há como cortar as taxas de juros sem reduzir o déficit do governo: “Temos um objetivo em mente: que nossas taxas de juros sejam convergentes com os índices internacionais. Para chegar lá, uma das questões mais importantes é reduzir a dívida pública. Outra questão importante é melhorar a competitividade dos setores manufatureiro e agrícola. É também muito importante que o Brasil racionalize seu sistema de impostos.”
Dilma Rousseff, conhecida pela energia e pelo viés administrativo, carecerá de confirmar tais características no porvir, e para principiar no embate emblemático que se prefigura com a ávida frente partidária do PMDB. Menos interessada em política do que em cargos e posições, esta grande coalizão de feudos estaduais, quase partido republicano da República Velha, triste sucedâneo do PMDB de Ulysses Guimarães, representa por ora a grande pedra a barrar o caminho de um governo com fins de criar condições para modernização da infraestrutura e saneamento da situação política, econômica e financeira.
A decisão de Dilma em criar o Ministério da Aviação Civil e de reformar a Infraero significa um passo indispensável, a ser corroborado nos critérios respectivos de gestão. Libertar a aviação civil de um arcabouço tão constritor quanto arcaico é propósito auspicioso. Reestruturar e modernizar a Infraero implica em outra determinação necessária e urgente. Libertar tais instrumentos técnicos do abraço sufocante do aparelhamento partidário é a condição sine qua non.
Por isso, é indispensável aguardar que ao discurso suceda uma práxis consequente.
Se à firmeza introdutória não corresponder determinação na implementação respectiva, tudo ficará na mesma.
( Fonte: O Globo )
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
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