Existe no PT uma corrente autoritária, que volta e meia tenta impingir à sociedade o remédio amargo da censura. Como a sua proibição está em cláusula pétrea da Constituição, tais medicamentos sóem vir disfarçados sob condicionantes ditas sociais. Não dar o nome aos bois, se pode enganar a uns poucos, em nada lhes altera a natureza e os efeitos.
Acolhendo o sentir de conferências adrede convocadas, grupo de trabalho sob a direção do pertinaz Franklin Martins, que é um dos ministros da casa presidencial, elaborou texto com cerca de 40 páginas.
Dado o escopo da empresa, o sigilo será a alma do negócio. Mais uma vez, nos pré-albores de administração petista, se monta anteprojeto para o setor de telecomunicação e rádio-difusão. Imemore de malogros em intentos pregressos, malogros tais impostos pela sociedade civil, a zelosa equipe de Franklin Martins, antigo comentarista da Rede Globo, trata da montagem de novo órgão, a Agência Nacional de Comunicação (ANC), para regular o conteúdo de rádio e TV.
A proposta novel agência substituiria a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e teria poderes para multar empresas que veicularem programação considerada ofensiva, preconceituosa ou inadequada ao horário.
A proibição taxativa e sem restrições da censura, consoante estipulada pela Constituição de 5 de outubro de 1988, nos seus artigos 5º , ínciso IX e 220, parágrafo 2º , continua a ser desrespeitada, não só nos grotões da República, senão na própria Capital Federal, como o demonstra a permanência da chamada censura judiciária,e.g., exemplificada e até hoje vigente, em sentença do desembargador Dácio Vieira (TJ-DF), por pouco menos de quinhentos dias.
Que tal determinação, manifestamente inconstitucional, haja sobrevivido até a exame pelo Supremo – que, por filigranas jurídicas, preferiu, apesar da válida oposição de minoria dos ministros, não tratar da causa em si, e cingir-se a considerações processuais – é decerto lamentável, porque se perdeu ocasião preciosa de significar aos amigos da censura da inutilidade do intento de sufocar o livre pensamento de imprensa e meios de comunicação.
Não constitui, por conseguinte, acaso que ala de peso no PT persista no propósito de estatuir, sob disfarces e enganos pueris, o mecanismo infernal e antidemocrático da hidra da censura.
No seu zelo repressivo, os fautores do anteprojeto negam a existência de censura, sob o especioso argumento de que o conteúdo só será analisado depois de veiculado. É escusa pobre, como indigente costuma ser a natureza de quem abomina as ideias livres e porventura contrárias. Como se verifica no subjetivismo que pretendem arrogar-se os chefetes da censura ex post, arrimados nas ambíguas e moldáveis qualificações de programação dita ofensiva, preconceituosa ou inadequada.
Como nos ensina mestre Michel Foucault[1] a vontade de vigiar e punir não se restringe aos medalhões. Mesmo em módicas e obscuras parcelas, o mando inebria e a capacidade de reprimir a encontramos difundida em muitos locais, que, por vezes, hão de surpreender por advirem de postos mesquinhos e subalternos.
Segundo se noticia, o ministro Franklin Martins entregará, como sugestão, o anteprojeto à Presidente Dilma Rousseff. Se ela decidir pelo encaminhamento ao Congresso, o texto que porventura for aprovado, será posteriormente regulamentado por decreto. A respeito, em entrevista na semana passada, o Presidente Lula declarou que Dilma fará a regulação.
Se a vontade do controle da mídia continua, Sua Excelência parece haver esquecido o fracasso da iniciativa do primeiro mandato, em que teve de bater em retirada, sob a reação crítica da sociedade.
A Presidente-eleita tem expresso, em raras oportunidades, opiniões diversas das do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva. Será gratificante que, no caso em tela, o seu parecer venha a divergir desses correligionários, sinceros mas radicais, a que Lula prima facie não costumava opor-se.
( Fonte: Folha de S. Paulo )
[1] Michel Foucault, Surveiller et Punir, nrf, Éditions Gallimard, 1975.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
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