quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Através das Lentes do Poder

Como se sabe, o antigo Vice-Reinado do Maranhão e do Grã-Pará, fora criado por el-Rei pela sua maior facilidade de comunicação com a metrópole – dadas as dificuldades da navegação a vela entre a Bahia e o Norte. Através da divisão dos domínios do Brasil, buscava-se maior agilidade com vistas a defender as riquezas da Amazônia da cobiça das potências estrangeiras de então, notadamente Holanda e França. Foi por ordem do Governador Jacome Raimundo de Noronha que Pedro Teixeira e Bento Rodrigues de Oliveira subiram o Amazonas, na grande expedição de Belém até Quito, entre 1637 e 1639.
O Conselho das Índias, colhendo o estranhável assombro dos espanhóis ao verem surgir em São Francisco de Quito os ousados portugueses, propôs a Felipe IV que “fosse repreendido e castigado Jácome Raimundo de Noronha... por haver-se atrevido sem consulta e licença a descobrir aquela entrada e navegação até ao interior do Peru”[1]. Com a separação de Portugal e o advento da Casa de Bragança, os reclamos do Conselho das Índias cairiam no silêncio dos arquivos, cabendo a brasileiros e portugueses a continuação da luta pela expulsão dos holandeses e a consolidação da conquista da Amazônia.
Dentro do espírito do bordão do ‘nunca dantes neste país’ que ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tanto compraz utilizar, me veio a lembrança dessas antigas histórias provocada por repreensão presidencial dirigida a um jornalista de Brasília, que acompanhava a visita de Sua Excelência ao Maranhão.
Como tem demonstrado sobejamente, Lula já esqueceu os conceitos negativos que fazia sobre o chefe político maranhense José Sarney. Na sua visita ao canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Estreito, teve ele nova oportunidade de fazer enfática defesa do presidente do Senado.
Perguntado pelo repórter se estava no Maranhão para agradecer o apoio dado pela ‘oligarquia dos Sarney’ ao longo de oito anos, assim como à campanha de Dilma, o Presidente Lula censurou o jornalista. Após confirmar a essência do quesito – sim, estava ali para agradecer a ajuda do mais antigo político em atividade no país -, Nosso Guia se dignou desvelar mais alguns escaninhos de seu presente processo de raciocínio.
Uma pergunta preconceituosa como esta é grave, para quem está oito anos cobrindo Brasília. Demonstra que você não evoluíu nada. É uma doença. O Sarney colaborou muito para a institucionalidade. Eu não sei por que o preconceito. Você tem de se tratar. Quem sabe fazer psicanálise.”
Devemos respeitar o pensamento presidencial, mas dada a aparente falta de conexão entre a realidade e a situação oficial, considero oportuno apontar algumas dificuldades que tenho com a lógica de nosso Chefe de Estado.
Em que erra o infeliz repórter ao qualificar como oligarquia o estado do Maranhão ? Não é acaso termo que designa governo de poucos ? E o que é o Maranhão desde que o novel governador José Sarney sucedeu ao chefe político local, o Senador Vitorino Freire ? Aí vemos a permanência do clã Sarney, sob a iluminada direção do governador Sarney, a princípio sob as asas do poder militar então imperante. Depois, sentindo a mudança dos tempos, integrou a chapa de Tancredo Neves... E daí por diante.
Não obstante tão longa estada nos paços governamentais, em que medida esse prolongado mando influíu no bem-estar do povo maranhense ? Se excetuarmos a família e o clã Sarney, que vão bem obrigado – como, de resto, a sorridente companhia de Roseana Sarney ao lado do Presidente, nos relembra a sua coleção de êxitos, de toda ordem, na preservação de seu governo -, nos é forçoso consignar que não é o jornalista que precisa de tratamento, mas o esquecido povo maranhense.
Não dizem laudas e laudas sobre a pobreza e a miséria desse povo a circunstância de seus índices sociais, a começar por apresentar o maior percentual em todo o Brasil nos assistidos pelo Bolsa Família ?
Dessarte, ao invés de toldar o raciocínio do jornalista, terão sido os oito anos de Brasília que terão afetado a antiga simplicidade e clareza do raciocínio do líder e presidente do P.T., um partido então intransigente, que não pactuava com coronéis e personagens como aquele representado pelo Vice-Rei do Norte (Maranhão e Amapá).
Quem sabe, Senhor Presidente, após descer a rampa, acompanhado pela solícita Presidente empossada Dilma Rousseff, e adentrando a planície – sem mais dispor daquele sujeito da maleta de que nos fala seu predecessor Itamar Franco – o senhor terá tempo de regressar às suas ideias pregressas, aquelas do líder sindical e político, que impressionava pela eloquência e carisma, a que a franqueza das origens somente realçava...

( Fonte: O Globo )

[1] Jaime Cortesão, Historia do Brasil nos Velhos Mapas, tomo I, ed. MRE, Rio de Janeiro, 1965.

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