Defrontado com a certeza da coabitação[1] com o Partido Republicano, o Presidente Barack Obama faz planos para os próximos dois anos. É grande a importância desta tarefa, por tratar da eleição que decidirá se ele terá ou não o ambicionado segundo mandato.
Na história americana, uma sombra paira sobre os presidentes que somente logram eleger-se para os quatro anos do primeiro mandato. Se a sua trajetória não for cortada por destino cruel, como no caso de John F. Kennedy[2], a não-reeleição para o segundo mandato representa marca de uma presidência por assim dizer incompleta. A esse respeito, são exemplos recentes o democrata Jimmy Carter (1977-81) e o republicano George H.W.Bush (1989/1993).
Consoante se comenta, Obama teria o propósito de emular a dois predecessores seus que impediram a Carter e a Bush senior de alcançar o ambicionado segundo mandato. Os dois modelos seriam, v.g., o republicano Ronald Reagan (1981/1989) e o democrata Bill Clinton (1993/2001).
Obama conta prosseguir dentro do espírito de cooperação que prevaleceu no final da legislatura de 2009/10. O acordo entre o presidente e a liderança republicana possibilitou não só a prorrogação por mais dois anos da isenção tributária para os mais ricos – que fora instituída por Bush júnior – mas também a aprovação de auxílios para os mais necessitados.
Para aceitar a prorrogação para os ricos Obama teve de engolir a solene promessa de campanha de cancelar essa vantagem. A flexibilidade rendeu-lhe, no entanto, a concessão de benefícios para os mais pobres, que interessa ao próprio partido.
Tal atmosfera lhe valeu igualmente a aprovação do novo Acordo Start com a Rússia, que tinha sido assinado no primeiro semestre na presença dos presidentes Medvedev e Obama. Outra conquista dos democratas foi a derrubada da proibição para o ingresso de gays nas Forças Armadas.
Obama pretende manter esse espírito bipartidário para a legislatura que ora se inicia, com o domínio pelos republicanos da Câmara dos Representantes, e no Senado, com maioria democrata mais reduzida.
Para tanto, o 44º Presidente tenciona inspirar-se em Reagan e Bill Clinton. Esses dois mandatários também tiveram de enfrentar Legislativo sob o controle da oposição, após o seu segundo ano de mandato. Reagan, pela sua popularidade, tornou-se uma espécie de ícone, o que tendia a impedir uma excessiva agressividade do partido contrário, no caso os democratas. Pela jovialidade e simpatia, o conservador Ronald Reagan saberia costurar apoios no Congresso, que íam além das tendências respectivas de situação e oposição.
Por outro lado, Bill Clinton não contou com a simpatia do G.O.P. Muito ao contrário, a maioria republicana na Câmara, valendo-se de Ken Starr, um promotor especial de marcada hostilidade ao casal presidencial, tentou enredá-lo judicialmente. A popularidade de Clinton não impediu que tivesse o impeachment decretado pela Câmara, graças à maioria republicana. Seria, no entanto, a opinião favorável do eleitorado que lhe assegurou tanto a conquista da reeleição, quanto à não-confirmação do impeachment pelo Senado.
Em blog anterior, me referi a artigo da colunista Elizabeth Drew, quanto às peculiaridades de Barack Obama e da sua Casa Branca, que muito contribuíram para a queda de sua popularidade e consequente derrota na eleição intermediária de novembro de 2010.
Resta verificar se efetivamente Obama se tornará mais acessível e se há de divulgar de forma mais inteligível para o grande público o programa da sua Administração. Essa falta de comunicabilidade se nota em grandes iniciativas do governo, como a Lei da Reforma Sanitária. Os republicanos intentam revogar-lhe as principais disposições, e para tanto se baseiam em malentendidos e até mesmo inverdades.
O Presidente Barack Obama tentou no primeiro biênio, e por mais de uma vez, estabelecer espírito bipartidário em suas relações com os republicanos. Nesse período, muitos republicanos o engambelaram com acenos de possíveis votos em favor da reforma da saúde, para na hora da decisão o deixarem sózinho com os seus democratas.
Excetuado o punhado de projetos votados no fim da legislatura de 2009/10, nenhuma das principais realizações da Administração pôde contar com um único sufrágio republicano que fosse.
Por outro lado, se Obama, ao invés de Reagan, buscar imitar Bill Clinton, ele terá de mostrar qualidades que até agora permanecem ocultas. Com efeito, Clinton demonstrou firmeza ao não render-se às ameaças de Newt Gingrich, o Speaker republicano, eleito pela onda do Contrato com a América. Newt Gingrich, ao exagerar nas doses – inclusive procurando provocar o fechamento do governo estadunidense por via fiscal – ficou estigmatizado pela falta de um mínimo sentido nacional, o que só fez incrementar a popularidade de Clinton. Este também evidenciou muita agilidade e esperteza política, traços até o presente não muito visíveis em Obama, como presidente.
Quanto ao desejo de reinstituir atmosfera bipartidária, a que parece aferrar-se o mandatário democrata, cumpre ter presente que a meta principal do partido republicano, conforme expressa pelo seu líder da minoria no Senado, Mitch McConnell, é de que Obama seja presidente de um só mandato.
Por outro lado, se atentarmos para a estratégia no passado das maiorias republicanas – e o GOP terá o sisudo John Boehner (Rep-Ohio) como speaker na Câmara, além da presidência de todas as comissões – é de valer-se disso para dirigir intimações aos principais funcionários democratas da Casa Branca, com vistas a comparecerem para diversas investigações que a assessoria republicana saberá montar com a eficiência habitual. O claro desígnio será o de estorvar a Administração democrata de toda forma. Já nas audiências a que forem convocados perante as comissões respectivas da Câmara de Representantes, os deputados republicanos contarão com eventuais deslizes dos intimados democratas. Como se sabe, como todas as declarações dos ‘investigados’são feitas sob juramento, o potencial perjúrio constitui sempre uma arma poderosa para atazanar e incriminar publicamente o funcionário supostamente responsável.
Se prevalecer o clima acima descrito – e ele se afigura não só possível, senão provável – semelha bastante difícil que alguém possa fundar um programa de trabalho comum, entre dois partidos transformados em duas facções, uma engajada na destruição política da adversária, e a outra empenhada em resistir e sobreviver às múltiplas armadilhas judiciais.
Muito em breve, o futuro há de indicar como evoluirá o projeto bipartidário de Barack Obama. Se louvável cooperação conjunta, vista até agora apenas nas derradeiras semanas da passada legislatura, ou se tudo, em fim de contas, não passa de uma bela miragem.
[1] A coabitação é um termo usado na política francesa, quando o Presidente da República tem de conviver com um Primeiro Ministro da oposição. Os exemplos mais próximos são François Mitterrand com Jacques Chirac, e deste último, já no cargo de Presidente, com o primeiro-ministro socialista Lionel Jospin. Posto que o cenário seja diverso nos Estados Unidos, com o seu regime presidencialista, o domínio pelo partido opositor de pelo menos uma das Casas do Legislativo configura já a necessidade da convivência dos poderes.
[2] Assassinado durante o seu primeiro mandato, em 22 de novembro de 1963.
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
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