sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Brasil e os Direitos Humanos

O assunto é de ontem – que, de resto, parece ser a visão dos senhores ministros do Supremo – mas, dada a sua incômoda para alguns atualidade, ele continua a merecer toda a atenção.
Como seria previsível, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH-OEA) condenou o Brasil em relação às violações de direitos humanos para com as vítimas da guerrilha do Araguaia.
O resultado era mais do que esperado. Após haver assinado e ratificado os atos internacionais competentes, no que concerne à Corte de San José – cuja jurisdição internacional reconhece desde 1998 – é pelo menos estranhável deparar com as contorsões no discurso de alguns ministros do Supremo.
Em decisão que decerto não se insere dentre as dignas de encômios e particulares referências, o Supremo julgara que houve anistia tanto para os que se opuseram à ditadura militar, quanto para os agentes do Estado acusados de violações de direitos humanos. Essa sentença, de que há votos discrepantes, na verdade, faz parte da longa tradição dos tratamentos diferenciados que a elite dominante no Brasil outorga às suas Forças Armadas e, em especial, ao Exército.
Não é só o Supremo, de resto, que se empenha sedulamente em manter, na contramão de nossas nações irmãs da América do Sul, essa linha que nos afasta do princípio de que a lei é igual para todos.
Esse temor reverencial o compartilham os três Poderes da República. Baste para marcar a nossa triste condição em termos de fazer valer a lei para todos indistintamente, contemplar o que nossos irmãos argentinos já o lograram, e desde os primórdios da redemocratização, com o cívica coragem do Presidente Raul Alfonsin (1983-89).
Dessa timorata postura, que pouco tem de Epitácio Pessoa, presidente do Brasil de 1919 a 1922, vemos sinais por toda parte. Na justiça, v.g., perdura um anacrônico Superior Tribunal Militar, assim como outros tribunais castrenses, instituídos pelos artigos 122 a 124 da própria Constituição Cidadã.
Mas voltemos ao tema do presente artigo, que é apenas decorrência de um estado geral de coisas, que talvez algum dia à presente geração ou a seus descendentes será concedido o orgulho de superar.
Com efeito, existe contradição inarredável na laboriosa construção oficial que procura validar lado a lado o reconhecimento da jurisdição internacional em direitos humanos e o discurso contrafeito – e não só do STF – de que as decisões das cortes nacionais possam conviver, em igual validade, com aquelas da Corte interamericana de San José na Costa Rica.
Alguns de nossos ministros do Supremo semelham desconhecer o gigantesco avanço no direito internacional, quando se determinou que para os crimes contra os direitos humanos não há anistia, nem portanto decurso de prazos. Essa luta não é só comprida, senão de todos os continentes. Assistimos na Espanha a batalha entre o juiz Baltasar Garzón, da Audiência Nacional, e o magistrado Luciano Varela, da Corte Suprema. Não há dúvida que, a despeito das peripécias, a posição de Garzón, em favor da imprescritibilidade dos crimes contra os direitos humanos, deverá prevalecer ao cabo de um longo embate.
Apesar de o que afirma o Ministro Cezar Peluso de que a decisão da corte de San José não muda a decisão tomada pelo tribunal que ele preside : ‘Ela não revoga, não anula a decisão do Supremo’, existem opiniões abalizadas que discordam. Segundo o especialista André de Carvalho Ramos, professor de direito internacional e direitos humanos da U.S.P., o Brasil deverá cumprir a decisão da Corte, conforme a qual só se concretizará o direito à verdade e à Justiça no país com a investigação e, se necessário, a punição dos acusados de violações.
O Ministro Carlos Ayres Britto, voto vencido no julgamento da Lei da Anistia, concordou que prevalece a decisão do STF. Mas admitiu que o Brasil fica em posição delicada no âmbito internacional: “Isso é uma saia-justa, um constrangimento para o País, criado pelo poder que é o menos sujeito a esse tipo de vulnerabilidade”.
Carvalho Ramos, da U.S.P. nos esboça o que pode ser interpretado como uma saída para governo e S.T.F.: “Não se trata de opor aquele corte ao STF. As decisões do Supremo se referem às leis nacionais, mas estamos diante de um fundamento jurídico novo, que são as obrigações internacionais do Estado brasileiro.”
Nesse sentido, consoante o professor Oscar Vilhena, da Fundação Getúlio Vargas, o nosso país vai escolher sua posição no cenário internacional: “O Brasil precisa saber se quer ficar como o Irã ou como a Suécia no âmbito internacional.”


( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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