O que se anuncia para a véspera do Natal é o resultado da desídia do Congresso, que até hoje não regulamentou o direito de greve nos serviços públicos. Há mais do que ironia na situação em que Câmara e Senado, depois de mais de vinte anos da promulgação da Constituição de cinco de outubro de 1988, deixaram de regulamentar uma série de disposições de grande interesse público, inseridas em nossa Carta Magna.
O Poder Legislativo, como se verificou na recentíssima despejada tramitação e aprovação do despropositado aumento que se autoconcedeu, empolgado por sua alienação corporativista, só atende com presteza aos respectivos interesses. As direções das duas Câmaras se sucedem, entrementes, sem jamais atentarem para o embaraçoso acúmulo de providências que, a despeito de determinadas pela Constituição, jazem desatendidas por uma gritante negligência a que os anos, nem a sucessão de mesas diretivas jamais terá lançado um olhar responsável, na consciência de um dever que para o Povo se afigura mais do que impostergável.
O Congresso brasileiro é a prova viva e constrangedora de que a remuneração, por si só, não implica em compromisso responsável, nem em mínima vontade política de pelo menos encetar o bom trabalho de atender às maiores urgências do sobrecarregado passivo de tantas legislaturas. Mais do que um embaraço, a circunstância de ser o Legislativo mais bem pago do planeta representa um acinte e um vexame para nossa laboriosa gente.
Como mais uma vez se expõe, inexiste qualquer relação entre o absurdo estipêndio – que decerto não se limita à remuneração, mas a um chorrilho de privilégios – e a qualidade do serviço prestado. Em termos de interesse público, as duas Câmaras se assinalam por confrangedora ausência, e o vácuo decorrente tem dado pretexto a invasões inadmissíveis dos outros dois Poderes.
Tampouco os escândalos – como se viu nos dois últimos na farra de vantagens dos senhores deputados e nos atos secretos do Senado que alimentam uma burocracia cevada em salarios abstrusos – semelham instrumentais para que a Nação se liberte desses falsos serviços que desvirtuam, na cumplicidade das Mesas diretoras – V. Sarney, aquele que, segundo Lula, não é um cidadão comum – o público serviço que a Sociedade espera de seus mandatários. Para tanto, infelizmente, a desmemória do Povo é substancial adjutório para que os escândalos sejam inconsequentes e ineficazes, para um Congresso ‘teflon’.
A crise aeronáutica que ora se prefigura é direto efeito desse estado de coisas.
Se o Congresso não atende a muitos de seus precípuos deveres e sequer legisla para o que dispõe a Constituição no que concerne à regulamentação do direito de greve em serviços de grande utilidade pública, mais cedo ou mais tarde tal desídia se fará sentir sobre o Povo soberano.
Em imitação irresponsável das greves selvagens no Velho Continente – acabamos de assistir a uma delas, a dos controladores de voo na Espanha, de que vai sair muito mal a privilegiada categoria – há sobejas indicações de que os aeroviários projetam realizar uma interrupção de suas atividades, na véspera do Natal.
O que isso representaria – se as lideranças sindicais levarem a própria alienação e estultícia a tal extremo de egoismo corporativo e de falta de qualquer sentido de respeito à sociedade em nossa maior festividade – prefiro não imaginar, na esperança de que, na undécima hora, o sindicato dos aeroviários demonstre maior sentido de responsabilidade de o que o congênere ibérico.
Por outro lado, que a causa imediata não obscureça a mediata, aquela que por sua negligente ausência determina o aparecimento de tais situações. Embora seja difícil conceber, no presente cenário, uma reação responsável das lideranças parlamentares e das aparelhadas agências reguladoras, nunca será demasiado apelar para a ação corretora de autoridades que até hoje jamais atentaram para o singelo dever de instrumentalizar as disposições constitucionais.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
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