Se a China – ou melhor – se o governo da República Popular da China se referisse a si mesmo no plural majestático como a Rainha Vítória, diria que a concessão do Prêmio Nobel a Liu Xiaobo não nos divertiu de forma alguma.
Talvez contra o indefeso autor da Carta 08 – que ousou propor algumas reformas democráticas para a ditadura chinesa – a insegurança da hiperestrutura encabeçada por Hu Jintao os tenha levado a cometer desatinos, em reação tão despropositada e desequilibrada, que desvela sobretudo a extrema fraqueza política da candidata a superpotência.
A liberdade – e o seu contágio – é para regimes como o chinês, montados sobre aparências, insidiosa ameaça, que deve ser extirpada a qualquer custo.
Por isso, não há relação lógica e proporcional entre o significado da concessão do Nobel da Paz a um intelectual e ativista de direitos humanos e o frenesi de represálias desencadeado pelos chefes da R.P.C. e os magotes de apparatchiks a seu serviço.
De início, a reação chinesa se assinala por igualar-se à do governo da Alemanha nazista, em 1935, quando da outorga do Prêmio a pacifista alemão, Carl von Ossietzky. Nem o agraciado, nem qualquer familiar ou representante seu, foi permitido pela malta nazista receber em Oslo o galardão.
Hoje, em Oslo, no lugar de Liu – ou de qualquer pessoa a ele ligada – haverá apenas uma cadeira vazia. Dessarte, Beijing imita a Berlin de Hitler, quando, a par de deixar Liu no seu longínquo cárcere, veda qualquer contato à sua esposa Liu Xia, assim como proíbe, por motivo de segurança nacional, viagens ao exterior de pessoas porventura ligadas a Liu. Nem a ditadura birmana fora tão longe, eis que permitiu a representante de Daw Aung San Suu Kyi receber o Prêmio em lugar da líder da oposição democrática em Mianmar.
Como é seu feitio, o governo chinês fez saber que marcará a todos os países que se fizerem representar na cerimônia hodierna. Há estimativa de que dezoito nações se curvarão às ordens do Império do Meio. Nessa lista, a covardia se junta aos regimes de força e às democracias adjetivadas. Assim, se hávera surpresas, temos velhos conhecidos como Arábia Saudita, Cazaquistão, Cuba, Irã, Mianmar, Coreia do Norte, Bielorrússia, Rússia e a Venezuela de Chávez.
O paroxismo chinês levou funcionária chinesa a definir como ‘palhaços’ os integrantes do comitê que premiou Liu. Na sua atitude de fanfarrão, Beijing já cancelara inclusive visita de delegação norueguesa, e negou a Oslo, culpada de sediar o Nobel da Paz, de gozar do privilégio de acordo comercial com a segunda potência econômica mundial. Além disso, para vincar o próprio ridículo, inventou um prêmio da Paz ad hoc. Quiçá sem o saber, imita de certa forma o governo de Jorge Serrano na Guatemala, que, antes mesmo da concessão do Prêmio a Rigoberta Menchú, apresentara uma suposta candidata alternativa à distinção, saída da classe dominante. Pelo visto, o tal Prêmio Confúcio, no montante de cem mil renminbi (quinze mil dólares), ofertado a Lien Chan, político de Taiwan e simpático ao Partido Comunista Chinês sequer apareceu na cerimônia em Beijing adrede preparada. No seu lugar, uma jovem, sem ligação conhecida com Lien, aceitou a estatueta.
Conforme se noticia, o Brasil não se curvou aos arreganhos da hierarquia chinesa.
Excluída eventual surpresa de última hora, em Oslo, das representações diplomáticas ali acreditadas, estarão igualmente os Estados Unidos, África do Sul, Índia, Indonésia e toda a aliança ocidental. Indica-se também que Filipinas e Ucrânia, antes incluídas nos ausentes, se farão representar.
A tenra plantinha da democracia, de aparência tão débil e frágil, continua a tirar o sono dos Hu Jintao, Castro, Chávez, Lukashenko et al. É o problema do fuzil. Condena aos que dele dependem ao uso contínuo, sem qualquer possibilidade de descanso. A força tende a tornar-se muito desgastante para os que dela não podem prescindir.
( Fonte: International Herald Tribune)
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
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