Quando do lançamento do Euro pela União Europeia, se houve países como a França que adotaram a nova moeda sem pesar nem trepidações, outros, no entanto, dentre as dezesseis nações do ‘pool’, abandonaram a sua moeda nacional, seja com extrema desenvoltura, seja com dúvidas quanto ao acerto da troca.
A essas três categorias de países membros, há que acrescentar o Reino Unido. Dadas as conhecidas restrições do insular povo inglês à união mais estreita com os demais membros do Continente, a recusa de assumir o Euro, e não desvencilhar-se da Libra esterlina pareceu a governo e população do Reino Unido como a decisão correta. Na época, tal opção decorreu sobremodo de considerações de apego a símbolos nacionais. Dessarte, em detrimento das supostas vantagens da moeda comum da União Europeia, os ingleses se aferraram à sua Libra, com a efígie da própria Soberana.
Dentre os países menores e médios, a atração do Euro foi irresistível. Na República Helênica, por exemplo, o governo de então não hesitou em manipular os respectivos índices para alcançar, com a benevolente negligência das autoridades de Bruxelas, o prelibado e prestigioso ingresso no restrito círculo do Euro. Essa postura com vistas ao acesso aos domínios do Euro se repetiu em outros países médios, como a Itália e a Espanha, e pequenos como Irlanda e Bélgica. Com as vistas postas nos prós, a investida foi açodada, sem deter-se em eventuais cálculos acerca de possíveis fatores negativos da renúncia à divisa nacional.
De todo diversa foi a atitude da República Federal da Alemanha. Sendo o mais forte, economica e demograficamente, país-membro da União Europeia – de que fora o proto-fundador através dos acordos Adenauer-Schuman sobre a Comunidade do Carvão e do Aço, que, por sua vez, conduziram ao Tratado de Roma, com a primeira Comunidade Econômica Europeia (CEE), com os seis membros iniciais (RFA, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo) – a Alemanha igualmente dispunha da divisa mais sólida, o Deutsche Mark. Marcados pela hiper-inflação pós-Grande Guerra, os alemães muito prezavam a sua construção do marco que, contra vento e maré, tinham logrado afirmar, como expressão tanto da nacionalidade, quanto da economia. Por isso, a dificuldade encontrada em deixar a nave provada do DM e entrar na divisa europeia do Euro, sobre a qual não teriam o controle que antes exerciam com respeito ao marco. Argumento determinante na opção de Berlim pelo Euro foi a sua escolha da via europeia, como o caminho seguro para evitar as peripécias do passado.
Outros países, como a Grécia, não se detiveram em tais considerações, nem em exercícios intelectuais a respeito das vantagens de ficar em um ou outro campo. Transferiram-se, alegre e pressurosamente, para as margens da nova moeda europeia, que lhes parecia ensejar acesso a clube mais restrito e prestigioso. Para as pessoas que tiveram a oportunidade de conviver em tais sociedades, como a helênica, não subsistiam dúvidas que esses países tinham ascendido a andar mais elevado em termos de consumo. Deixada para trás a velha dracma, os gregos ora fruíam das delícias da comunidade do Euro, com despesas muito mais altas, que a participação no clube da moeda comum europeia semelhava não só justificar, senão incentivar.
A crise financeira-internacional seria precipitada tanto pela loucura das obrigações compostas de contratos hipotecários com a camada subprime da sociedade, e dos títulos derivados, na periódica reedição pelos mercados financeiros da especulação fundada no lema ‘desta vez será diferente !’, quanto pela decantada globalização das finanças mundiais. Tal fenômeno, que julgavam fosse para o bem, poderia também agir para o mal, como o contágio internacional não tardaria em comprovar. Assim, após a queda do banco Bear Stearns, e o colapso das mega-entidades governamentais Fannie Mae e Freddie Mac, veio a falência do banco de investimentos Lehman Brothers. Com o desmanche dessa instituição de Wall Street, não demoraram a se desvelar enormes e ruinosos comprometimentos como a da resseguradora AIG. Seguiram-se os reflexos na Europa, com corrida de banco na Inglaterra, exposição do Paribas, e por aí afora.
A crise helênica, sobrevinda pouco depois da assunção do governo socialista de George Papandreou, como soi acontecer, exporia o elo mais fraco e comprometido da cadeia do Euro. A crise financeira se transformaria também em uma crise do Euro. Dessa forma, da anterior apreciação da divisa europeia em relação ao dólar estadunidense, o que refletira a respectiva maior confiança em indices econômicos alegadamente mais sólidos, sucedeu gradual mas sustentada depreciação de sua paridade no que concerne à moeda americana.
Por outro lado, em meio aos lentos e incertos mecanismos da U.E. de socorro ao seu membro enfermo, principiaram a vir a lume os diversos aspectos negativos relacionados com a adoção da divisa europeia.
A par dos critérios não-demasiado severos da admissão de países-membros da U.E. ao clube do Euro – como por exemplo o não cumprimento da regra de que o déficit orçamentário não poderia exceder a 3% do PIB (o que não fora certamente o caso da Grécia, com a conivência de instituições de Wall Street) – a supervisão dos casos respectivos dos diversos membros nacionais pelo Banco Central Europeu deixava muito a desejar, eis que o BCE não dispunha de um corriqueiro instrumento fiscal de seus congêneres nacionais, seja o de forçar os bancos centrais nacionais a respeitar os coeficientes de endividamento. Além disso, se se dispusera sobre o ingresso de paises-membros, o tratado comunitário foi omisso sobre as condições em que se poderia afastar um país membro da sociedade do Euro, por falta de cumprimento das respectivas obrigações fiscais.[1]
Não obstante, o castigo mais cruel para aqueles países da U.E. que tanto se empenharam para adentrar o clube do Euro está no precioso instrumento de que não mais poderiam valer-se pelo abandono de sua antiga moeda, seja ela a dracma, a peseta, o escudo, o franco-belga, a libra irlandesa, etc.
Com efeito, ao calçarem os altos borzeguins do Euro, mal atinaram países como a Grécia e a Irlanda, que se despojavam de um atributo soberano, a saber a capacidade de desvalorizar a respectiva divisa, e dessarte diminuir o peso das respectivas dívidas e o de poder incrementar as suas exportações, ao tornarem as mercadorias nacionais mais baratas e competitivas.
O endividamento de Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal é uma face de escolha cujo prestígio terá feito tais países esquecer o que a respectiva economia incorria ao entrar no que lhe parecia uma barganha, e que não raro se transformou em cruel ludibrio de ascender aos andares superiores, sem pensar em amealhar os meios indispensáveis.
Como se assinala, a moeda comum do Euro se antes significara bancos com muitos fundos e fácil crédito, hoje se traduz, v.g., em Portugal, salários e preços tão altos quanto os das economias europeias mais fortes, mas sem a compensação de equivalente competitividade.
Ao invés da economia inglesa – que manteve a libra esterlina e pôde, na incidência da crise, desvalorizá-la – a portuguesa está acorrentada ao Euro. Está presa assim a uma moeda que não pode desvalorizar.
A amarga ironia está no fato de que esses países menores da União Européia – Portugal, Grécia e Irlanda – paguem agora o pesado preço da respectiva ambição, ao atrelar-se a um Euro que é mais consentâneo a economias do porte da Alemanha, da França e quem sabe da Itália, mas não serve – ou dificulta em demasia – ao restabelecimento das respectivas economias, com os seus ineficientes mercados laborativos, arcaicos sistemas fiscais e onerosas dívidas.
( Fontes: International Herald Tribune e O Globo )
[1] A ameaça da Chanceler Angela Merkel de que a RFA pode abandonar o Euro – feita em reunião de cúpula da U.E., em fim de outubro p.p. – deve ser entendida dentro do contexto do escopo de conseguir acordo para reabrir o Tratado de Lisboa, de modo que sistema permanente de financiamento dos resgates e de perdas de investidores venha a ser estabelecido para lidar com a crise da dívida. Dada a importância da RFA para a sobrevivência do Euro – a sua saída decretaria, na prática, o fim da moeda europeia – compreende-se a força da ameaça, que foi bastante para que Merkel alcançasse então o seu objetivo.
sábado, 4 de dezembro de 2010
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