Há duas vertentes a serem consideradas no WikiLeaks. De uma parte, a compreensível consternação do State Department e de sua Secretária Hillary Clinton. O vazamento de comunicações consideradas confidenciais ou reservadas têm criado problemas para as embaixadas e consulados e reações dos governos em que tais missões se acham acreditadas.
Com efeito, tais mensagens foram elaboradas segundo uma das funções dos agentes diplomáticos (a de informar)[1] e a sua inviolabilidade é garantida pela Convenção de Viena. Ao transmitir comunicação para a respectiva Secretaria de Estado (o seu órgão diretor) o embaixador (ou encarregado de negócios), em geral, assina informação preparada por agente diplomático sediado em sua missão. Não é uma simples ficção a circunstância que o teor da mensagem corresponda à visão do chefe da missão acerca do país junto ao qual está acreditado. Se no passado a menor carga informativa permitia ao chefe expressar plenamente a própria visão sobre o país em que se achasse acreditado, atualmente o incremento nas relações e as suas muitas ramificações tendem a qualificar a assertiva acima quanto à influência do chefe da missão sobre a mensagem. Sem embargo, prevalece ainda a presunção de que o redator da comunicação a elabora consoante a linha de ação e de interpretação do chefe da missão, a quem o agente está subordinado.
O sigilo da comunicação é importante não só por considerações formais, mas também para assegurar a autonomia de quem a redige, e de quem lhe aprova a transmissão. O compromisso ético e profissional quanto à veracidade das apreciações e informações, assim como no que concerne à autenticidade das fontes utilizadas, não é só um dever íntimo do agente diplomático, eis que a sua visão sobre determinada situação, faceta ou conjunto da realidade em que profissionalmente atua será repassada a seus superiores na Secretaria de Estado, os quais são supostos disporem de informações e conhecimento pregresso suscetíveis de habilitá-los a bem avaliar a comunicação que lhes é transmitida (seja para informação em geral, setorial ou pessoal, seja para as providências que forem cabíveis).
É óbvio que se o agente não dispuser de garantias ou da presunção de que a informação não irá transpirar, ele terá motivos sobejos para resguardar-se, de forma a poder continuar a exercer as respectivas funções em um posto determinado. Ora, uma alegada falta de segurança no que respeito ao sigilo, não é do interesse tanto do Estado receptor da mensagem, quanto do agente encarregado de redigi-la. Sentindo-se exposto ou ameaçado, o agente diplomático tenderá a praticar a restrição mental no que tange a certos temas delicados. Por sua vez, não interessa tampouco à Secretaria de Estado, como eventual recebedora da informação, que esse tipo de comunicação já lhe chegue ao conhecimento com a autocensura de seu redator.
Se observadas as necessárias e burocráticas precauções na transmissão e recepção das mensagens, providências essas que dizem respeito ao sistema empregado nas comunicações e na custódia respectiva, o agente diplomático tenderá a agir no pressuposto de que o seu direito à preservação do sigilo está sendo respeitado.
Os maciços vazamentos de comunicações entre missões e o State Department, que são promovidos pelo site WikiLeaks, ocorrem pela sua disponibilização através da internet, assim como da participação de grandes jornais, a exemplo do New York Times.
A rationale para tal se fundamentaria sob o argumento da liberdade de informação e do direito do público a ser inteirado.
Ao contrário, no entanto, de casos anteriores, como o dos Pentagon Papers, em que a Justiça americana reconheceu a quem os levou para a imprensa a justificativa de fazê-lo sob o pressuposto do direito do povo americano ter elementos de juízo a respeito do processo que conduziu ao envolvimento americano na guerra do Vietnam, os presentes vazamentos concernem a comunicações oficiais diplomáticas, feitas sob alguma forma de sigilo, e que se conformam plenamente às regras da prática diplomática e do direito internacional público.
As comunicações vazadas não se destinam ao público em geral, mas sim à informação das chancelarias (e das missões americanas) para a condução de sua política externa. Não se pode confundir o eventual direito de pesquisadores de oportunamente examinarem os despachos e os telegramas no arquivo das chancelarias para a elaboração de estudos históricos, com um possível direito da imprensa e do público de ser inteirado de recentes comunicações confidenciais. As indiscrições sucessivas desse tipo de exercício, além de prejudicar as relações entre os Estados, nada tem a ver com liberdade de imprensa e de informação. De uma certa forma, a introdução de tais vazamentos só contribue para criar ou constrangimentos, ou acirrar os ânimos, ou enfim, nos casos mais graves, causar problemas para a segurança dos agentes, das embaixadas ou dos países porventura envolvidos.
Corolário das inquietações colocadas por tal tipo de vazamento se relaciona com as falhas existentes no que tange à custódia da informação. Se um número tão vultoso de comunicações de nível médio de confidencialidade foi disponibilizado para um site da internet, surge de imediato a questão de como se tornou possível tal vazamento. A determinação se a falha é sistêmica ou personalizada não tem decerto interesse apenas acadêmico, visto que se acha intrinsecamente ligada com o raiz do problema.
Nesses termos, a unilateralização da responsabilidade do site, e de seu fundador, Julian Assange, não nos dá enfoque equilibrado da questão. É indispensável visão global e abrangente para que se possa equacionar o problema, individuar-lhe as respectivas condicionantes, em toda a sua linha de montagem.
Invocar, no entanto, a liberdade de imprensa para justificar-lhe a divulgação corresponde a apresentar a questão sob viés deformado. Os vazamentos se reportam a comunicações de estado, feitas sob premissas válidas, e protegidas pelos graus de sigilo estabelecidos para esse tipo de comunicação. Admitir-lhe o conhecimento público fora dos prazos que são próprios de tais comunicações equivale a torná-las prejudiciais às relações bilaterais, e, por conseguinte, inviabilizá-las dentro do espírito de responsável autonomia que a elas deve presidir, de acordo com os deveres do direito internacional público.
( Fonte: International Herald Tribune)
[1] V. a respeito caput do blog de 1º de dezembro corrente, “Diplomacia e Relações Brasil-Estados Unidos”.
sábado, 11 de dezembro de 2010
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