Continua a tramitação da formação do primeiro Ministério de Dilma Rousseff. Como se assinalou, os contornos iniciais traços apontam para marcada ingerência do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na maior parte dos nomes já divulgados com o selo de anuência da Presidente-eleita.
Adentrada a negociação com a grande frente que atende pela denominação de P.M.D.B., se encapelam as ondas partidárias em torno da nau presidencial. A avidez desse partido, já conhecida, continua a provocar nos seus acessos fisiológicos o descoroçoado juízo sobre a validade de tal sistema de nua partilha de postos ricos em verbas e nomeações.
Nesse quadro acabrunhante, a qualidade do nome a ser escolhido não é critério principal nem secundário. Tampouco parece estar a eventual filiação à sigla em causa. Dentro dessa linha de ação oportunista, o que interessa não são os atributos de X, Y ou Z, mas a sua pertença a um órgão ou bloco determinado (bancada na Câmara ou Senado, ou a grupo de influência de algum coronel ou chefe político).
Como se sabe, a inchação ministerial foi a resposta do governo de Lula, ao ser confrontado com a crise do mensalão. O descarado alargamento das secretarias de estado não visou a melhor governança, porém a atingir governabilidade em que a eventual qualidade desaparecia no ralo da descomunal quantidade destinada a saciar a fome de benesses e vantagens da sopa de siglas partidárias, distribuídas em ordem chinesa, de acordo com a sua decrescente capacidade de prejudicar e estorvar o mínimo avanço da máquina estatal.
Dessarte, no presente sistema, as homenagens à ética e a padrões axiológicos, podem constar de discursos pro-forma, mas na verdade cedem o passo às considerações acima referidas. Essas últimas, nas mesuras rituais feitas pelo vício à virtude, se não hão de constar das declarações programáticas formais, encontram-se bem presentes na despejada cobiça com que as facções se lançam sobre a presa[1], assim como nos arreganhos e nas ameaças que luzem no noticiário jornalístico.
Veja-se, a propósito, o tratamento que vem merecendo da Presidente-eleita e de sua comissão ad hoc a designação do Ministro da Saúde. Se existe neste Brasil pasta do interesse imediato de toda a população é este ministério. A relevância da personalidade a ser proposta reveste alcance muito maior do que aquele relativo a maioria das Pastas. E não me refiro decerto àquelas que defini em blog anterior como as das denominações declaratórias, na medida em que representariam afirmações de principio que, na prática, se esgotam na sua titulagem.
Diante do descalabro sistêmico da saúde pública no Brasil, que só não é generalizado pela aplicação de procedimentos setoriais com eficiência (v.g., as vacinas para a infância e a terceira idade), tal Pasta deveria ser talvez a primeira a que a Chefe do Governo se debruçasse com prioritário denodo e abrangência, de maneira a provê-la da forma mais condizente com os interesses da sociedade brasileira.
A diferença existente entre a assistência pública e a privada, com as pouquíssimas exceções de regra, não é só avantajada, senão constrangedora no que submete o cidadão sem maiores recursos a capitis diminutio de um atendimento penoso (pelas longas esperas), errático (pelas ausências de especialistas) e muita vez atentatório para a incolumidade do paciente (quantos já faleceram por falta de atendimento ou internação ?).
Nas primícias de seu primeiro mandato, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, terá pensado que poderia melhorar a qualidade dos nosocômios sob a responsabilidade do Estado, através de sua presença. Dadas as falhas, deficiências e estrangulamentos no sistema, Sua Excelência se descobriu em meio a demandas que o próprio não poderia atender ou mesmo mitigar, e, em consequência, não mais repetiu o gesto.
Na sua campanha, o candidato de oposição Fernando Gabeira intentou – e fê-lo com inegável êxito – desvelar e discutir a crise do atendimento hospitalar público no Rio de Janeiro. Com parcos meios e os consuetas empecilhos oficiais, Gabeira logrou no entanto levantar um pouco o lençol que recobre as mazelas sanitárias neste estado. Se a população não deu a devida importância às denúncias, a eventual culpa não pode ser assignada ao mensageiro.
Assinale-se que, sem embargo da situação sanitária prevalecente e das ameaças que sobre ela recaem (e.g., epidemia de dengue), não me parece que a Presidente-eleita venha privilegiando, precipuamente no episódio da seleção do futuro Ministro da Saúde, os critérios mais importantes, i.e., os do interesse do Povo brasileiro.
Para a Saúde, se carece a designação de pessoas de comprovada habilitação e competência administrativa. Em tempos de Fernando Henrique, quando correu o rumor de que José Serra seria o distinguido, sua designação foi combatida por aliados do Presidente, como Antonio Carlos Magalhães. O mais risível nessa contestação foi a circunstância de que o leigo José Serra era combatido por causa de sua competência administrativa.
Semelha, a respeito deveras ilustrativo o recente desaguisado provocado pela precipitação do governador Cabral, que anunciara para a imprensa a escolha de seu secretário Sérgio Cortes para o ministério da Saúde. À consequente reação da bancada do PMDB, que se opôs à inclusão de Cortes na quota partidária, se seguiu o desfazimento da indicação pela Presidente, que se incomodara com a indiscrição de Cabral.
Infelizmente, a Presidente-eleita não atentou para o interesse maior que reside nas aptidões e no caráter do candidato a Ministro. Malgrado as condições difíceis da saúde no Rio de Janeiro Sérgio, Cortes se tem empenhado de forma assinalada, sendo o propugnador das UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) que, se não constituem panaceia, representam decerto mais uma tentativa de ampliar e diversificar o atendimento sanitário. Igualmente, o fato de Cortes estar jurado de morte, por grupos que antagonizou e cujas supostas irregularidades denunciou, não é elemento de somenos importância, nesse mar de peixes miúdos.
Por motivos políticos, Dilma disse desejar designar alguém na linha dos grandes gestores na saúde, como Jatene e Temporão. Se bem que a omissão seja humana e compreensível, a inclusão no rol do ‘candidato Serra’ daria a ela decerto mais grandeza.
Tal não é o determinante, porém. O que urge e importa será atribuir à Saúde a prioridade que o Povo brasileiro faz por merecer. Com o desafio do sistema sanitário e as epidemias, como a da dengue e a menos falada da febre amarela, a rondarem as nossas cidades e campanhas, não é o momento de designar alguma pomposa mediocridade para a Pasta da Saúde.
( Fonte: O Globo )
[1] Vale dizer, o Estado.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
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