Como
se tem presente, o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendera na reunião ministerial de 22 de
abril, de que o Ministro Celso de Mello determinara a divulgação pública,
a aprovação da seguinte diretiva, dentro da abstrusa orientação que a
Administração Bolsonaro adota no que concerne ao Meio Ambiente: "Precisa
ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no
aspecto de cobertura de imprensa porque só se fala de Covid, e ir passando a
boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas."
Duas
"boiadas" que vieram a público e contaram com reações expressivas
acabaram suspensas. O governo recuou sobre a decisão que anistiava desmatadores
da mata atlântica após manifestação do Ministério Público Federal. A medida
alterava um entendimento dado por lei federal sobre o bioma.
Outra medida suspensa, dessa vez pela Justiça, foi a transferência do
poder de concessão de florestas para a Agricultura. A mudança de competência
das pastas também está implicada na legislação.
"O Meio Ambiente e o mais difícil de passar qualquer mudança
infralegal em termos de instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente
faz é pau no Judiciário no dia seguinte", disse Salles naquela reunião
ministerial.
"As boiadas" do governo Bolsonaro estão concentradas em
decretos e instruções normativas, segundo análise do Talanoa. Ao mesmo tempo, o
governo tem dificuldade de fazer andar no Congresso projetos que podem
fragilizar a área ambiental. Considerando apenas esses dispositivos. em 2019
houve duas alterações de normas publicadas entre março e maio, contra 22 neste
ano.
Os dados se referem a normas publicadas
sobre meio ambiente em todo o
Executivo. Entre março e maio deste ano, dos 195 atos sobre meio ambiente,
somente 16 vieram do Ministério do Meio Ambiente - que havia publicado apenas
dois atos no mesmo período do ano passado.
Os líderes na publicação
de atos são os ministérios da Economia e da Agricultura: 50 e 46,
respectivamente. Em seguida, quase empatado com a pasta de Salles, vêm os atos
do Executivo, como os decretos de diversas pastas assinados pela Presidência.
No entanto, o alto número
de atos não é necessariamente sinônimo de boiada. "Ato infralegal é como o
sangue nas veias da administração pública: quer dizer que ele está ativo e tem
transparência", explica Natalie Unterstell, coordenadora do projeto
Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, e mestre em administração pública
pela Universidade Harvard (EUA).
Segundo Suely Araújo, especialista
sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama,
o fato de atos relacionados a meio ambiente (segundo a metodologia do
levantamento) não estarem concentrados na pasta de Salles pode ser uma forma de
ver o processo de esvaziamento pelo qual
passa o ministério desde o início do Governo Bolsonaro.
Além disso, o
menor número geral de atos em 2019 pode estar relacionado à transição de
governo, segundo Araújo. Nos primeiros meses sob Bolsonaro, as esferas dos
ministérios foram bastante alteradas, o que, naquele momento, poderia ter
limitado o volume de publicações.
Raoni Rajão,
pesquisador da UFMG, diz que, fora do número global de atos, 2019 também teve
ações de desregulação, como o número de conciliação de multas, que, na prática,
acabou por tornar mais lento o processo de cobrança das multas.
"Também
significa que o governo está ganhando poder sobre a máquina. No ano passado,
as decisões foram concentradas em menos atos. Agora, é outro padrão, com muitos
atos. Eles facilitam para que a boiada passe despercebida", avalia Unterstell.
No entanto, a análise do Instituto Talanoa mostra concentração de atos
considerados "boiadas", ou seja, de maior impacto, na pasta ambiental
apesar do baixo número total.
"Enquanto Minas e Energia tem criado e rearranja-do estruturas e a
Agricultura tem publicado reconhecimentos, alvarás e atos ordinários, os atos
do Meio Ambiente mudam entendimento de legislações, trazendo instabilidade e
insegurança jurídica" analisa Unterstell. O levantamento da Folha e do
Talanoa foi feito por meio de extrações de dispositivos publicados no D.O. que
continham palavras-chave selecionadas. Para o tema meio ambiente, foram
consideradas palavras como 'extrativismo', 'biodegradável' e 'carga poluidora'.
A
metodologia permite analisar temas mais
restritos, como os relacionados apenas às florestas (normas que continham
termos como 'desmatamento', "arco de fogo" e "área de
preservação perma- nente"). Nesse assunto, o número de atos foi de 93 para
213, entre março de maio de 2019 e de 2020.
Folha e
Talanoa passam a fazer acompanhamento sistemático das publicações do Diário
Oficial em relação ao meio ambiente - um monitor interativo será publicado nas
próximas semanas, que ficará disponível para os leitores fazerem suas próprias
pesquisas.
Encontradas
as normas por meio de palavras-chave, uma lista de termos faz com que algumas
das normas sejam retiradas da análise, por serem relacionadas a outros temas
(se a norma contém, v.g., a expressão 'sustentabilidade financeira", ela
é retirada da análise, por não estar ligada a meio ambiente).
O Ministério
do Meio Ambiente respondeu que não vai comentar, pois o entendimento da pasta
desde a divulgação da reunião ministerial "continua o mesmo". À Folha
Salles havia dito que, por "boiada" referia-se à atualização de
normas de todos os ministérios.
Em nota, o
Ministério da Agricultura e Pecuária respondeu que a Pasta não identifica aumento
de publicação de normas em relação ao ano passado e que elas não configuram
flexibilização ou algo do tipo. "Com a reestruturação, o ministério passa
a ter um papel importante no processo de desenvolvimento de uma agricultura
sustentável, eficiente, e inclusiva".
(Assinam a análise acima Ana Carolina Amaral,
Phillipe Watanabe, Diana Yukari e Morais Meneghini ).