Menina-e-moça ela tinha entrado no
colégio. Vestia roupas surradas, calçava
sapatos cambaios, e sendo encabulada, não mostrava o rosto, que trazia quase
sempre inclinado.
Fazia assim o jeito do eu-sozinha. As
outras garotas a evitavam, porque sequer se interessara em aproximar-se delas
no recreio.
Como a carimbaram de esquisita, riam dela
pelas costas, e a deixavam de lado. Já os meninos, ao ver-lhe a aparência e o
jeitão, tampouco mostravam interesse em sequer trocar palavra ou até um alô com
a guria.
Pois assim a chamavam, como é hábito no
Sul.
Tão reservada era, que os dois grupos
passaram a ignorá-la, como se não fosse
da turma.
Havia, no entanto, um garoto que, por
algum motivo, a achou interessante. Embora fosse diferente dela, tanto nas
próprias roupas, quanto na naturalidade com que se relacionava com todos, ele
não tardou em manter com ela boas relações.
Os demais, que a olhavam de viés,
trocando em voz baixa as próprias impressões - em que concentravam o menosprezo
do grupo por aquela estranha esquisitona - logo notaram que João a tratava com
o mesmo jeitão aberto que a todos dispensava.
Como João fosse robusto e afirmado,
meninas e meninos do grupo se calavam sobre as vezes em que o encontravam
conversando com a estranha. Assim a
chamavam, quando em grupo, e não lhes fazia mossa que ela ouvisse.
Já chegavam ao final da primeira semana
em que ela frequentava a escola, quando um incidente aconteceu.
Em todo grupo, há sempre alguém mais
espevitado e mesmo abusado. Estava Maria perdida em pensamentos no
recreio, quando dela se aproximou outro
rapaz, com largas passadas. Como ela sequer
se desse conta, ele acercou-se mais e, de raspão, aplicou-lhe ombrada que quase
a faz perder o equilíbrio.
"Desculpe", disse, rindo,
o valentão.
João estava por perto.
"Maria, você está bem?"
"Não foi nada, João."
"Como não foi nada? Vou dar
uma lição nesse sujeito."
Então, por primeira vez, Maria
mostrou o rosto. Sorria.
"Não caia nessa, João. Ele
não merece a tua atenção."
Em verdade, ele mal lhe ouviu
as palavras.
Com efeito, a sua atenção
voara para vistas mais prazenteiras.
No sorriso, Maria desvela a
plácida beleza que até então teimara em ocultar.
E João viu como podem ser
enganosas as primeiras impressões.
* * *
Um comentário:
Olá pai, gostei muito da fábula. É autobiográfica? Bonito texto.
Mauro
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