segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Fábula escolar

                                                

      Menina-e-moça ela tinha entrado no colégio.  Vestia roupas surradas, calçava sapatos cambaios, e sendo encabulada, não mostrava o rosto, que trazia quase sempre inclinado.
      Fazia assim o jeito do eu-sozinha. As outras garotas a evitavam, porque sequer se interessara em aproximar-se delas no recreio.
      Como a carimbaram de esquisita, riam dela pelas costas, e a deixavam de lado. Já os meninos, ao ver-lhe a aparência e o jeitão, tampouco mostravam interesse em sequer trocar palavra ou até um alô com a guria.
     Pois assim a chamavam, como é hábito no Sul.
     Tão reservada era, que os dois grupos passaram a ignorá-la, como se  não fosse da turma.
      Havia, no entanto, um garoto que, por algum motivo, a achou interessante. Embora fosse diferente dela, tanto nas próprias roupas, quanto na naturalidade com que se relacionava com todos, ele não tardou em manter com ela boas relações.
      Os demais, que a olhavam de viés, trocando em voz baixa as próprias impressões - em que concentravam o menosprezo do grupo por aquela estranha esquisitona - logo notaram que João a tratava com o mesmo jeitão aberto que a todos dispensava.
     Como João fosse robusto e afirmado, meninas e meninos do grupo se calavam sobre as vezes em que o encontravam conversando com a estranha.  Assim a chamavam, quando em grupo, e não lhes fazia mossa que ela ouvisse.
      Já chegavam ao final da primeira semana em que ela frequentava a escola, quando um incidente aconteceu.
   
         Em todo grupo, há sempre alguém mais espevitado e mesmo abusado. Estava Maria perdida em pensamentos no recreio,  quando dela se aproximou outro rapaz, com largas passadas.  Como ela sequer se desse conta, ele acercou-se mais e, de raspão, aplicou-lhe ombrada que quase a faz perder o equilíbrio.      
        
            "Desculpe", disse, rindo, o valentão.
             João estava por perto.
             "Maria, você está bem?"
             "Não foi nada, João."
             "Como não foi nada? Vou dar uma lição nesse sujeito."
           
              Então, por primeira vez, Maria mostrou o rosto. Sorria.
              "Não caia nessa, João. Ele não merece a tua atenção."
               Em verdade, ele mal lhe ouviu as palavras.
               Com efeito, a sua atenção voara para vistas mais prazenteiras.
         
             No sorriso, Maria desvela a plácida beleza que até então teimara em ocultar.
       
             E João viu como podem ser enganosas as primeiras impressões.  

                                                 

                                         *              *               * 

Um comentário:

Mauro disse...

Olá pai, gostei muito da fábula. É autobiográfica? Bonito texto.
Mauro