Um dos primeiros
sinais da decadência do Império, é o desaparecimento do modelo do bom governo.
Pela via das urnas, a superpotência
poderia aspirar a sucessão que não prejudicasse a boa governança. O próprio
Império Romano, na sua época de pujança, seguiu tal exemplo. Os maus imperadores seriam
eliminados ou por golpes palacianos ou pela deusa Fortuna. Sucederiam períodos
de calma.
Mas o dissenso voltaria, através de
herdeiros que estavam despreparados para seguir as pegadas do bom-senso paterno.
Nos Estados Unidos, quando se rompe o
bipartidismo, a ameaça à boa governança se coloca.
O declínio estadunidense se revela por
uma série de marcas. A herança maldita
da governança incompetente - como a de George W. Bush que gastou com a suposta
implantaação da democracia no Médio Oriente - aquela desejada pelo grupo de
neoconservadores - custou cerca de US$ 2.4 trilhões !
Essa gastança imensa abriu enormes
chagas nos Estados Unidos, como escrevem os especialistas no declínio. Vazios
estão os galpões e as Main Street, refletindo uma fuga para as cidades grandes,
que só incha o proletariado local, que não encontra atividade a que dedicar-se.
Por outro lado, os partidos políticos,
ou enveredam pelo negativismo, ou se empenham em reformas muita vez parciais
e/ou cosméticas, que contornam ou fogem dos nós do problema.
Veja-se, por exemplo, o que ocorreu na
última eleição. Uma série de pequenos golpes, como os do diretor do FBI, e um
candidato populista da direita negacionista na prática afastaram a candidata da
esquerda moderada, com muita experiência política.
Barack H. Obama procurou ser bom
governante. Tentou manter a predominância do Partido Democrata, mas por
inexperiência política acabou permitindo a pseudo-revolta da velha direita
financiada pelos irmãos Koch, da indústria petrolífera. Surgiu então o levante da ultra-direita (descendente direta do ultra-direitismo dos anos setenta e
oitenta do século passado) através do chamado Tea Party, que funciona como uma ala à direita do GOP, sendo ao
mesmo tempo dele contestadora nas urnas.
O Partido Republicano, que já foi de
Abraham Lincoln, hoje se serve das urnas, embora não seja particular amigo do
eleitor, eis que, quando pode favorece o antivoto, através das restrições às
classes menos favorecidas. Ao contrário dos democratas, que não têm medo do
Povão, os republicanos são partido dito de elite, que tudo faz para restringir o
voto dos sem-dinheiro, eis que, essa gente, pela inevitável conscientização de
classe não poderá jamais favorecê-los.
A vitória de Donald Trump significa a
volta ao poder dos republicanos, dos conservadores, e todos aqueles que têm
medo do voto. Ao contrário de F.D.Roosevelt, Barack Obama não teve coragem ou
ousadia para buscar o sufrágio descontente das grandes maiorias. Permitiu que o
GOP recuperasse a maioria na Câmara de Representantes, e assistiu inerte às
medidas da direita para criar condições de uma Câmara Baixa sustentada pelo gerrymander, como é o que hoje se nos
depara.
Já há livros denunciando esta chaga imperdoável da democracia que é a
sua perversão pelo gerrymander. Obama
infelizmente calou sobre ele, mas os líderes democratas e os politólogos - como
a jornalista Elizabeth Drew - não devem ser consignados a uma espécie de gueto
dourado, que é o único que se abstém da atitude hipócrita de tratar como normal
resultado eleitoral aquele da maioria forjada da Câmara de Representantes e de
tantas outras maiorias em câmaras de estados infestadas pela praga do gerrymander.
Como dizia Octavio Mangabeira,
político baiano do século passado, a democracia é uma plantinha débil, que
requer ser aguada e cuidada com carinho. O gerrymander
é a antítese da democracia, e quem nele se sustenta não merece o respeito do
eleitor. Gerrymander foi inventado em
má hora por um governador do século dezenove do Massachusetts. Revivê-lo - e
mais do que isso - conviver com ele é um escândalo. Por outro lado, fazer de
conta de que o gerrymander não existe, e tratar os seus espécimes como se
fossem iguais no panteon democrático, é desrespeitar os seus maiores, e dar
foros de igualdade a quem não os merece.
À sua sombra, crescem quase-monstros,
como esse presidente Donald J. Trump, que abraça um negacionismo extremo,
confunde governar com contradizer a obra do antecessor. Obama viu crescer, com o gerrymander, a
oposição ao seu governo, que na insânia dessa gente quis até desautorizá-lo
como se iguais fossem.
Nesse aspecto, reside a grande fraqueza
de Barack Hussein Obama que não soube afirmar-se com a legitimidade que tinha
para dar e vender, de forma a combater essa planta estranha que inexistia na
democracia americana. O gerrymander - essa gritante anormalidade
antidemocrática - deveria ser tratada pelo que é - e não pelo que pretenda ser,
alçando-se como legítimo, o que não passa da contrafação da democracia,
porque nenhuma democracia deve sustentar-se no antivoto. E é antivoto
redesenhar distritos eleitorais de maneira a favorecer o próprio partido,
criando circunscrições que são piores do
que estórias da carochinha, porque essas além de não existirem, têm o dom de
terminarem com a vitória dos bons e dos defensores da democracia.
Que democracia é esta que se
deixa manipular, de forma a que nela se produzam monstros, pois será sempre
monstro quem contrarie a vontade do povo, ou a manipule de forma escrachada?
Enquanto a imprensa e as tevês
a apresentarem como se fossem não o que são - monstros inimigos da vontade
popular - mas resultados ditos normais em regime democrático, estaremos convivendo com
coisa pior do que a ditadura, que é a contrafação da democracia!
( Fontes: The New York Review, Elizabeth Drew)
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