domingo, 19 de fevereiro de 2017

Por quem Trump foi eleito ?

                         

        A premissa geral que, a meu ver, se relaciona com esta Administração é a de sua anárquica mediocridade.
        Como a própria credibilidade se viu fundamente afetada pelo que acompanhou sua surpreendente eleição, é oportuno listar-lhe os negros presságios que sobre ela se estendem.
        De início, persistem muitas dúvidas quanto aos sucessos[1] que nos deixaram estupefactos, após a surpreendente madrugada a qual trouxe, como dúbia dádiva para os Estados Unidos, a eleição de Donald John Trump.
        Tais dúvidas só aumentaram e ocuparam espaço muito maior que o antes previsto, com o passar das horas e dos dias.
         Pareceu estranho a quem tem cabeça para pensar, o revés da candidata democrata Hillary Clinton. A avalanche democrata, na que os ingênuos acreditaram, não se realizou. No entanto, como um confuso sinal,  ficou pendurada no ar  sua vitória por mais de três milhões de votos, na contagem do sufrágio popular. Os Estados Unidos se regem por constituição do século XVIII, que por contingência das limitações da época, estabelecera que os seus candidatos a presidente vencessem por um processo composto, em que se trata de prevalecer nos respectivos colégios estaduais eleitorais. Até hoje, por reprovar poucas vezes a manifesta vontade dos eleitores carnais em geral, as raras ocasiões em que tal cômputo foi contrariado,  sua raridade bastou para que o sistema continue, apesar de fazer por vezes com que a maioria dos eleitores carnais seja reprovada pelos votos dos delegados eleitorais. Por quanto tempo tal excentricidade será tolerada é outra estória, a que os perdedores pelo voto real devem engolir com amargura (neste século, já há dois exemplos dessa afronta ao direito da maioria: Albert Gore, em 2000, e a primeira mulher a chegar lá, Hillary Clinton, em 2016, ambos democratas).
  
          Se colocarmos o representante do Partido Republicano, Donald John Trump, que abocanhou a nomination sem muita dificuldade, creio que haverá consenso em aceitar  que  sua vitória nas primárias correspondeu a dois fatores básicos:  o da surpresa, do candidato do verão, que levou para casa a designação do partido pelas suas promessas que pareciam toscas, mas eram palpáveis: construção do muro e repúdio aos imigrantes 'ladrões de emprego', recuperação das indústrias do cinturão da ferrugem e todo poder à classe operária. Na mala do candidato do GOP, as propostas que os americanos chamam pie on the sky (a torta no céu). Tinha pela frente a candidata democrata, Hillary Clinton, que lograra vencer, com dificuldade,  mas de forma determinante, a oposição do senador pelo Vermont, Bernie Sanders.  As primárias democratas constituíram exemplo de nomination conseguida na base das questões (issues), de uma luta generacional (Sanders, apesar de velho, representando a maioria da mocidade).

               Como de hábito, juntaram-se contra Hillary todos aqueles que têm restrições à mulher do Presidente Bill Clinton, seja por questões de sexo, de supostas suspeitas (Hillary, a mulher que saíu de casa, para tornar-se política na esteira do marido e, depois - o que é mais grave - na dela própria, negando-se a fazer cookies). Os republicanos a odeiam, e o demonstraram na série massacrante de sessões na Câmara de Representantes (dominada, como todos sabem, através da fraude do gerrymander, que lhes garante por estranho composto de anemia democrata e de falta de caráter dos atuais republicanos, que acham normal se apossarem da Câmara dos Representantes não pelo voto, mas pelo redesenho fraudulento dos distritos) motivada pelo assassínio do pobre embaixador Christopher Stevens, a doze de setembro de 2012, no compound de Benghazi, na Líbia.  Os republicanos, que têm medo de Hillary, pela ameaça que representava de tirar-lhes do poder,  iniciaram processo na Câmara de tentar, por massacrante série de audiências, encontrarem  algo com que pudessem 'culpar' Hillary pela morte do embaixador americano. Com as facilidades de que dispõe no seu quintal da Câmara de Representantes, Mr Jason Chaffetz, o presidente do Comitê de Supervisão da Câmara, durante anos tentou implicar Hillary no assassínio de Benghazi, em perseguição de fazer inveja ao Velho Oeste (infelizmente, para ele, sem qualquer sucesso).

              Se houvesse gente competente na esfera de segurança, no governo Barack Obama (a começar pelo próprio), a candidata democrata à Casa Branca talvez houvesse logrado o feito de entrar nesse antro do machismo pela porta da frente.
               A perplexidade surgida em tantos partidários de Hillary diante do choque pós-eleitoral, com a traumática e incrível vitória desse sub-intelectual, que é Donald J.Trump, levou tempo para evoluir para esquema  coerente, em que as responsabilidades pelo que ocorrera começaram, com a natural defasagem no tempo, a se encaixar no quadro sinóptico da desconstrução da suposta surpreendente reviravolta eleitoral do candidato do Grand Old Party.

                Quem são os grandes responsáveis por esta  surpreendente vitória nas eleições de novembro de 2016 do azarão Donald Trump?
                Na verdade, os responsáveis são três: Vladimir Putin - que votava rancor pessoal contra a candidata, que lhe prejudicara ao denunciar, quando Secretária de Estado, o recurso por gospodin Putin à fraude generalizada para eleger-se como sucessor de Boris Ieltsin. No entender de Hillary, esse ressentimento, conjugado com o seu relacionamento com Mr Trump preparou o prato da vingança, que, como se sabe, deve ser servido frio.
                O segundo é previsível  e se chama James Brien Comey, advogado por profissão, nomeado em setembro de 2013, pouco antes de completar 53 anos de idade Diretor do Federal Bureau of Investigations pelo novel presidente Barack Husein Obama, que com a iniciativa pretenderia mostrar espírito bipartidário, porque Mr Comey é republicano.
                 A ação de Mr Comey, se é muita conhecida, merece, no entanto, pela própria gravidade, ser analisada com a devida atenção. A princípio julgados estranhos, os atos do Diretor do FBI foram tomados contra o parecer dos seus chefes imediatos, no Departamento de Justiça, eis que, como é inteligível, esse departamento e as repartições que lhe são afetas - como o FBI  - devem pautar-se nas eleições por ações responsáveis, movidas pela preocupação de não afetar a mente do eleitor (desde que tal seja a norma a ser cumprida). No entanto, o republicano Mr Comey interferiu nas eleições presidenciais em três ocasiões notadamente: primo, quando levantou mais uma vez a questão do uso pela candidata democrata do chamado servidor privado pelo computador.  Hillary perguntara a seus antecessores republicanos como deveria agir (a sua preocupação era a de cobrir as questões da chefia com a possível eficiência e rapidez). Desses antecessores, recebera conselhos  quanto a serventia do tal canal privado de computador,  embora também houvesse predecessores que tentassem dissuadi-la do seu uso.
              Na dúvida, Hillary interpretou que a sua utilização era válida.

             Já próximo da data eleitoral, Mr Comey achou oportuno levar a questão ao conhecimento do Congresso. Chamado às falas, na sua ação não repontou nenhuma denúncia específica da candidata, embora o diretor do FBI tenha escolhido palavras bastante ásperas a respeito do uso por Hillary do famoso servidor privador do computador. Na oportunidade, chegou a apostrofá-la pelo extremo descuido com que lidava com o computador.  Na época, a observação não provocou muita espécie, embora não se julgou ele tratasse com o respeito devido a candidata à Chefe da Nação.
               Mais tarde, a estranha atuação de Mr Comey voltaria a levantar sobrancelhas, agora no Congresso. Ele mandou para cada chefe de comitê - todos eles republicanos, porque o GOP tem maioria tanto no Senado, quanto na Câmara.  Houve revolta entre os deputados e Senadores democratas, com aquela estranha desenvoltura, realizada ainda por cima tão próximo das eleições.
                Mas o pior ainda estava por vir.  Por bizarra coincidência, Mr  James Comey iria escolher o chamado período do voto antecipado - quando o eleitor, facultado pela legislação, opta em votar antes da data fixada para o dia formal da eleição, com vistas a ganhar tempo, e evitar as longas filas do dia da eleição.
                  Nesse dia, Mr Comey fez circular supostas dúvidas quanto ao que fora encontrado no computador do ex-marido da Secretária de Hillary, Huma Abedin, chegando a acenar com possíveis revelações, se acaso descobertas. Com isso, Mr James Brien Comey mostrou a sua pesada, garrafal má-fé, porque deixara para fazer pairar no eleitorado que ele tinha dúvidas acerca de o que estava no computador da secretária de confiança de Hillary Clinton. Segundo a candidata, esta foi a intervenção de mão mais pesada, porque jogou a dúvida na mente do eleitor, como se o FBI estivesse prestes a descobrir verdades extremamente comprometedoras para a candidata democrata. Como depois ela viria a declarar, essa irresponsável alusão ao eventual comprometimento da candidata teve efeitos devastadores sobre os votos antecipados, diminuindo em muito a sua votação, e determinando-lhe a eventual derrota.
                     A ação de Mr Comey, pelo seu caráter, ou falta de, daria o golpe de misericórdia na candidatura de Hillary?

                      Como a atuação do diretor do FBI foi totalmente contrária às normas que presidem o comportamento das autoridades durante a eleição, além da perplexidade, surpreende que o Presidente da República se tenha mantido como se fora a Rainha da Inglaterra.
                      Manteve-se na sua magnífica postura de estadista - supostamente de chefe de estado de governo parlamentarista, nos quais esse chefe faz figura de soberano, não fazendo absolutamente nada.
                        Não se pediria muito a Obama, que então se regozijava na sua imagem de Presidente acima das quizílias e minudências de uma eleição, mas será que essa abulia deveria ter sido levada tão longe?
                        No entanto, por causa de um dos primeiros escândalos da Administração Trump, agora se sabe que o silêncio do Diretor do FBI também funcionou no caso dos contatos ilegais entre agentes de  Trump e representantes da Embaixada da Rússia.

                        Assim, o zelo de Mr Comey para revelar suposições (provadas falsas) quanto à candidata Hillary, não funcionou no caso republicano, em que o diretor do FBI sentou-se em cima dos contatos de agentes da campanha de Trump, nada informando sobre o que estava acontecendo.
                         O que fazia o presidente Barack Obama, além de bancar o estadista, e banhar-se no sol vespertino das aclamações para a sua republicana presidência, pelo visto tão diversa da buliçosa entrante Administração Trump?
                        Como disse oportunamente o colunista Paul Krugman, que maioria congressual haverá para denunciar as suspeitas de colusão entre a Rússia de Putin e a América de Mr Trump?  Nenhuma, com toda a probabilidade.
                         E a possibilidade de os Estados Unidos terem um presidente fantoche de gospodin Putin não parece mais tão fora da realidade... O que torna inquietante o cenário americano - eis que terminou na prática o bipartidismo de antanho,quando os partidos tinham princípios a manter, como no caso do drama do impeachment de Nixon, quando do escândalo de Watergate.

( Fontes: The New York Times; artigo de Paul Krugman )



[1] no sentido de acontecimentos, e não de êxitos.

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