A premissa geral que, a meu ver, se
relaciona com esta Administração é a de sua anárquica mediocridade.
Como a própria credibilidade se viu
fundamente afetada pelo que acompanhou sua surpreendente eleição, é oportuno
listar-lhe os negros presságios que sobre ela se estendem.
De início, persistem muitas dúvidas
quanto aos sucessos[1]
que nos deixaram estupefactos, após a surpreendente madrugada a qual trouxe,
como dúbia dádiva para os Estados Unidos, a eleição de Donald John Trump.
Tais dúvidas só aumentaram e ocuparam
espaço muito maior que o antes previsto, com o passar das horas e dos dias.
Pareceu estranho a quem tem cabeça
para pensar, o revés da candidata democrata Hillary Clinton. A
avalanche democrata, na que os ingênuos acreditaram, não se realizou. No
entanto, como um confuso sinal, ficou
pendurada no ar sua vitória por mais de
três milhões de votos, na contagem do sufrágio popular. Os Estados Unidos se
regem por constituição do século XVIII, que por contingência das limitações da
época, estabelecera que os seus candidatos a presidente vencessem por um
processo composto, em que se trata de prevalecer nos respectivos colégios estaduais
eleitorais. Até hoje, por reprovar poucas vezes a manifesta vontade dos
eleitores carnais em geral, as raras ocasiões em que tal cômputo foi
contrariado, sua raridade bastou para
que o sistema continue, apesar de fazer por vezes com que a maioria dos
eleitores carnais seja reprovada pelos votos dos delegados eleitorais. Por
quanto tempo tal excentricidade será tolerada é outra estória, a que os
perdedores pelo voto real devem engolir com amargura (neste século, já há dois
exemplos dessa afronta ao direito da maioria: Albert Gore, em 2000, e a primeira mulher a chegar lá, Hillary Clinton, em 2016, ambos democratas).
Se colocarmos o representante do Partido
Republicano, Donald John Trump, que abocanhou a nomination sem muita dificuldade, creio que haverá consenso em
aceitar que sua vitória nas primárias correspondeu a dois
fatores básicos: o da surpresa, do candidato do verão, que levou para casa a designação do partido pelas suas
promessas que pareciam toscas, mas eram palpáveis: construção do muro e repúdio
aos imigrantes 'ladrões de emprego', recuperação das indústrias do cinturão da
ferrugem e todo poder à classe
operária. Na mala do candidato do GOP,
as propostas que os americanos chamam pie
on the sky (a torta no céu). Tinha pela frente a candidata democrata,
Hillary Clinton, que lograra vencer, com dificuldade, mas de forma determinante, a oposição do
senador pelo Vermont, Bernie Sanders. As
primárias democratas constituíram exemplo de nomination conseguida na base das questões (issues), de uma luta generacional (Sanders, apesar de velho, representando a maioria da mocidade).
Como de hábito, juntaram-se
contra Hillary todos aqueles que têm restrições à mulher do Presidente Bill
Clinton, seja por questões de sexo, de supostas suspeitas (Hillary, a mulher
que saíu de casa, para tornar-se política na esteira do marido e, depois - o
que é mais grave - na dela própria, negando-se a fazer cookies). Os republicanos a odeiam, e o demonstraram na série
massacrante de sessões na Câmara de Representantes (dominada, como todos sabem,
através da fraude do gerrymander, que
lhes garante por estranho composto de anemia democrata e de falta de caráter
dos atuais republicanos, que acham normal se apossarem da Câmara dos
Representantes não pelo voto, mas pelo redesenho fraudulento dos distritos)
motivada pelo assassínio do pobre embaixador Christopher Stevens, a doze de setembro de 2012, no compound de Benghazi,
na Líbia. Os republicanos, que têm medo
de Hillary, pela ameaça que representava de tirar-lhes do poder, iniciaram processo na Câmara de tentar, por massacrante
série de audiências, encontrarem algo
com que pudessem 'culpar' Hillary pela morte do embaixador americano. Com as
facilidades de que dispõe no seu quintal da Câmara de Representantes, Mr Jason Chaffetz, o presidente do Comitê
de Supervisão da Câmara, durante anos tentou implicar Hillary no assassínio de
Benghazi, em perseguição de fazer inveja ao Velho Oeste (infelizmente, para
ele, sem qualquer sucesso).
Se houvesse gente competente na
esfera de segurança, no governo Barack Obama (a começar pelo próprio), a
candidata democrata à Casa Branca talvez houvesse logrado o feito de entrar
nesse antro do machismo pela porta da frente.
A perplexidade surgida em tantos
partidários de Hillary diante do choque pós-eleitoral, com a traumática e
incrível vitória desse sub-intelectual,
que é Donald J.Trump, levou tempo
para evoluir para esquema coerente, em
que as responsabilidades pelo que ocorrera começaram, com a natural defasagem
no tempo, a se encaixar no quadro sinóptico da desconstrução da suposta
surpreendente reviravolta eleitoral do candidato do Grand Old Party.
Quem são os grandes
responsáveis por esta surpreendente
vitória nas eleições de novembro de 2016 do azarão Donald Trump?
Na verdade, os responsáveis são
três: Vladimir Putin - que votava rancor pessoal contra a candidata,
que lhe prejudicara ao denunciar, quando Secretária de Estado, o recurso por gospodin Putin à fraude generalizada
para eleger-se como sucessor de Boris Ieltsin. No entender de Hillary, esse
ressentimento, conjugado com o seu relacionamento com Mr Trump preparou o prato
da vingança, que, como se sabe, deve ser servido frio.
O segundo é previsível e se chama James Brien Comey, advogado por profissão, nomeado em setembro de
2013, pouco antes de completar 53 anos de idade Diretor do Federal Bureau of
Investigations pelo novel presidente Barack Husein Obama, que com a
iniciativa pretenderia mostrar espírito bipartidário, porque Mr Comey é
republicano.
A ação de Mr Comey, se é muita
conhecida, merece, no entanto, pela própria gravidade, ser analisada com a
devida atenção. A princípio julgados estranhos, os atos do Diretor do FBI foram
tomados contra o parecer dos seus chefes imediatos, no Departamento de Justiça,
eis que, como é inteligível, esse departamento e as repartições que lhe são
afetas - como o FBI - devem pautar-se nas eleições por ações
responsáveis, movidas pela preocupação de não afetar a mente do eleitor (desde
que tal seja a norma a ser cumprida). No entanto, o republicano Mr Comey interferiu nas eleições presidenciais em
três ocasiões notadamente: primo,
quando levantou mais uma vez a questão do uso pela candidata democrata do chamado
servidor privado pelo computador.
Hillary perguntara a seus antecessores republicanos como deveria agir (a
sua preocupação era a de cobrir as questões da chefia com a possível eficiência
e rapidez). Desses antecessores, recebera conselhos quanto a serventia do tal canal privado de
computador, embora também houvesse
predecessores que tentassem dissuadi-la do seu uso.
Na dúvida, Hillary interpretou
que a sua utilização era válida.
Já próximo da data eleitoral, Mr
Comey achou oportuno levar a questão ao conhecimento do Congresso. Chamado às
falas, na sua ação não repontou nenhuma denúncia específica da candidata,
embora o diretor do FBI tenha escolhido palavras bastante ásperas a respeito do
uso por Hillary do famoso servidor privador do computador. Na oportunidade,
chegou a apostrofá-la pelo extremo
descuido com que lidava com o computador.
Na época, a observação não provocou muita espécie, embora não se julgou
ele tratasse com o respeito devido a candidata à Chefe da Nação.
Mais tarde, a estranha atuação
de Mr Comey voltaria a levantar sobrancelhas, agora no Congresso. Ele mandou
para cada chefe de comitê - todos eles republicanos, porque o GOP tem maioria tanto no Senado, quanto
na Câmara. Houve revolta entre os
deputados e Senadores democratas, com aquela estranha desenvoltura, realizada
ainda por cima tão próximo das eleições.
Mas o pior ainda estava por
vir. Por bizarra coincidência, Mr James Comey iria escolher o chamado período do voto antecipado - quando o
eleitor, facultado pela legislação, opta em votar antes da data fixada para o dia formal da eleição, com vistas a
ganhar tempo, e evitar as longas filas do dia da eleição.
Nesse dia, Mr Comey fez
circular supostas dúvidas quanto ao que fora encontrado no computador do
ex-marido da Secretária de Hillary, Huma Abedin, chegando a acenar com
possíveis revelações, se acaso descobertas. Com isso, Mr James Brien Comey
mostrou a sua pesada, garrafal má-fé, porque deixara para fazer pairar no
eleitorado que ele tinha dúvidas acerca de o que estava no computador da secretária
de confiança de Hillary Clinton. Segundo a candidata, esta foi a intervenção de
mão mais pesada, porque jogou a dúvida na mente do eleitor, como se o FBI estivesse prestes a descobrir
verdades extremamente comprometedoras para a candidata democrata. Como depois ela
viria a declarar, essa irresponsável alusão ao eventual comprometimento da
candidata teve efeitos devastadores sobre os votos antecipados, diminuindo em
muito a sua votação, e determinando-lhe a eventual derrota.
A ação de Mr Comey, pelo
seu caráter, ou falta de, daria o golpe de misericórdia na candidatura de
Hillary?
Como a atuação do diretor
do FBI foi totalmente contrária às normas que presidem o comportamento das
autoridades durante a eleição, além da perplexidade, surpreende que o
Presidente da República se tenha mantido como se fora a Rainha da Inglaterra.
Manteve-se na sua
magnífica postura de estadista - supostamente de chefe de estado de governo
parlamentarista, nos quais esse chefe faz figura de soberano, não fazendo
absolutamente nada.
Não se pediria muito a
Obama, que então se regozijava na sua imagem de Presidente acima das quizílias
e minudências de uma eleição, mas será que essa abulia deveria ter sido levada
tão longe?
No entanto, por causa
de um dos primeiros escândalos da Administração Trump, agora se sabe que o silêncio
do Diretor do FBI também funcionou no caso dos contatos ilegais entre agentes
de Trump e representantes da Embaixada
da Rússia.
Assim, o zelo
de Mr Comey para revelar suposições (provadas falsas) quanto à candidata
Hillary, não funcionou no caso republicano, em que o diretor do FBI sentou-se
em cima dos contatos de agentes da campanha de Trump, nada informando sobre o
que estava acontecendo.
O que fazia o presidente
Barack Obama, além de bancar o estadista, e banhar-se no sol vespertino das
aclamações para a sua republicana presidência, pelo visto tão diversa da buliçosa
entrante Administração Trump?
Como disse
oportunamente o colunista Paul Krugman, que maioria congressual haverá para
denunciar as suspeitas de colusão entre a Rússia de Putin e a América de Mr
Trump? Nenhuma, com toda a
probabilidade.
E a possibilidade de
os Estados Unidos terem um presidente fantoche de gospodin Putin não parece mais tão fora da realidade... O que torna
inquietante o cenário americano - eis que terminou na prática o bipartidismo de
antanho,quando os partidos tinham princípios a manter, como no caso do drama do
impeachment de Nixon, quando do
escândalo de Watergate.
( Fontes: The New York
Times; artigo de Paul Krugman )
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