Nem presidentes
republicanos, nem Congressos do GOP
se atreveram no passado a desautorizar a política bipartidária americana, no
que tange à questão médio-oriental.
Dada a relevância do apoio estadunidense
a Israel, não é difícil entender o porquê
desta posição de Washington sobre tal
matéria.
O
caráter bipartidário da política americana no que tange ao Estado de
Israel corresponde ao apoio determinante dado pelos Estados Unidos a estado e
povo de Israel.
Terminada a guerra entre Israel e a coalizão árabe, com uma nova
conformação desse Estado, que se diferenciava do traçado anterior da chamada
Resolução da Partilha, Washington procurou fomentar condições de paz entre as duas nacionalidades : árabe-palestinos
e israelenses.
Se não corresponderia à realidade
falar-se da política americana no que tange a Israel como se fora neutra, o
governo americano procurou sempre criar condições de paz entre israelitas e
palestinos.
Em tal sentido, ao longo do conflito
árabo-israelense, as resoluções pertinentes do Conselho de Segurança - ainda
que muitas delas não foram
implementadas, o estamento diplomático americano, não obstante o seu
visceral apoio ao Estado judaico, sempre se esforçou em criar sólidas condições
de paz, baseadas na justiça, entre as duas nacionalidades.
A série de guerras israelo-palestinas
não quebraria tal situação, mas pelo seu resultado favorável a Israel, constituíu
um fator de desequilíbrio na construção de condições de paz durável entre
palestinos e israelitas.
Nesse contexto, há uma série de
resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, se realmente
houvessem sido implementadas, muito teriam contribuído para criar condições
sólidas para a Paz na área da antiga Palestina.
Uma releitura desses notáveis textos
diplomáticos pode trazer tristeza e sgomento[1]. Esse substantivo
italiano, intraduzível em português, reflete a sensação de impotência
experimentada pela comunidade diplomática diante da magnífica série de resoluções
do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, apesar de aprovadas pelos
países detentores do veto (notadamente Estados Unidos e União Soviética), não
tão estranhamente não seriam transformadas em realidade.
Se a diplomacia americana houvesse
correspondido à qualidade desses textos aprovados pelo Conselho de Segurança,
muitas das condições atuais que vem criando - com a crescente capacidade de, na
prática, invalidar e/ou tornar letra morta boa parte das resoluções que, se
implementadas, criariam uma nova
situação para a questão palestina.
É de notar-se que depois das guerras
dos anos setenta entre israelitas e palestinos, a situação política mudou
radicalmente. Durante a presença de Henry Kissinger no Departamento de Estado,
foram dadas condições a Tel-Aviv para, na prática, tornar letra morta a série
de magnificas resoluções do C.S.N.U. Ao mesmo tempo, aumentou bastante a
autonomia do Estado cliente em relação à Superpotência tutelar até então.
Com o apoio interno americano à política
israelense e a participação de colonos americanos na ocupação do vasto
território (em termos relativos, é claro, dadas as dimensões da Palestina),
passou-se a uma fase bastante mais agressiva em termos de propósitos de
extensão territorial do Estado de Israel, à custa de territórios ancestrais
palestinos.
Yasser Arafat, recentemente falecido
(permanece a suspeita de envenenamento) é representativo nesse aspecto da
interação - tanto trágica, quanto bélica e mesmo pacífica - entre judeus e
palestinos. Arafat a princípio chefiou movimento de resistência bélica contra o
poder israelense: a Organização da Liberação da Palestina (OLP), encabeçada por
Arafat, fundado no al-Fatah, que era
a base do poder palestino. Nessa fase,
Arafat era o inimigo maior do regime sionista de Israel, e ele recorria a todo
tipo de ação bélica, mas sobretudo à guerrilha e ao terrorismo. Não é aqui o
lugar para relatar toda a luta entre palestinos e israelenses. Cabe notar, no
entanto, que dentro de um ambiente mais conducente a negociações de paz, surgiu
através dos Acordos de Oslo a possibilidade da solução pacífica da questão
palestina.
Esta fase chegaria ao ápice na
assinatura nos jardins da Casa Branca, sob a presidência de Bill Clinton, do
célebre acordo de paz entre judeus e palestinos, e aí temos o aperto de mão
entre Rabin e Arafat.
Nunca, palestinos e judeus
estiveram tão perto da paz autêntica na região. Derrubaram os Acordos de Oslo,
e a esperança de paz, de que participavam árabes-palestinos e israelitas, o
romantismo dos fautores dessa inédita
paz. O movimento dos colonos (vindos dos Estados Unidos, notadamente) através
de sua expansão, ilegal decerto, em terras palestinas, começou a pressionar as
bases do acordo. A esses elementos, trazidos dos Estados Unidos, se atribui a
pressão contra a equidade na distribuição da terra, e a perda continuada pelos
palestinos do próprio solo ancestral. Com o assassinato de Rabin, por um
fanático da direita israelita, a anterior euforia sobre uma solução pacífica e
equa entre judeus e palestinos começa a diminuir. Malgrado os esforços de Bill
Clinton de criar condições para a reconciliação, o fato de que sua
Administração já beirava o fim do respectivo mandato, assim como a falta de confiança
de parte a parte, mais uma solução vertical para o diferendo se mostrou
irrealizável.
Nos anos seguintes, com o
surgimento de B. Netanyahu e o crescente influxo da emigração judaico-russa,
cresceu o poder do estamento de direita judaico, e com isso o cerceamento na
prática da Autoridade Palestina.
A evolução - talvez seria
melhor falar de involução - de perspectivas reais de uma paz verdadeira e
baseada na justiça se foi transformando em fumaça. No período de predomínio do
general Ariel Sharon, as relações entre judeus e árabes pioraram, pela própria
postura provocatória de Sharon, que chegara a ensaiar caminhada em área de
locais sagrados para os palestinos. Em 2006 Sharon sofreu maciço derrame e
ficou em estado vegetativo até o próprio desaparecimento.
Com a partida definitiva de
Sharon, a influência de Benjamin (Bibi) Netanyahu cresce. Conservador, nunca fora
particular amigo da paz com a comunidade palestina. Aliando esse aspecto a postura
demagógica, desfavorável seja a qualquer reconciliação, seja a uma abertura
para a Autoridade Palestina, Bibi Netanyahu é considerado antes empecilho do
que fator autêntico de paz.
Dada a situação de Israel -
um virtual pária diplomático pela comprovada má-fé do estamento dominante
israelense no que concerne à construção da paz - a postura de Bibi Netanyahu
muito incomodou a Barack Obama. A esse propósito, Netanyahu dispõe de situação
que é, a um tempo, esplêndida junto ao estamento americano que favorece a
'colonização' de áreas palestinas (em favor, é óbvio, dos ditos colonos
americanos) e sujeita a crescentes contestações no território israelense. Sem
embargo, o esquema de poder de Bibi Netanyahu continua forte, obrigado, mas
constrange a ação política externa de Israel a uma triste figura de isolamento
extremo. Recorda nesse aspecto a situação da África do Sul, nos tempos
pré-Mandela, em que o regime racista sul-africano também vivia em magnifico
isolamento.
Mas voltemos a Barack
Obama. Ele atuou dentro do possível presente para criar condições um tanto
melhores para a Autoridade Palestina. Dado o recente domínio do GOP no Congresso, lá se assistiu, ao
invés disso, a uma vexatória adulação do conservador Netanyahu pelo estamento
republicano. Falar no Congresso
americano passou a ser um favor comum
para Bibi Netanyahu, que, em suas aparições no Capitólio tendeu a transmitir
impressão de mal-estar para a comunidade internacional. Nunca se desmereceu
mais o valor da tribuna no Congresso americano - pela atitude dos republicanos
junto a Netanyahu, o que foi interpretado como frenética caça do voto judeu nos
EUA para o GOP.
Todo esse incenso terá
provocado um marcado irrealismo da parte de Bibi Netanyahu (que, em termos de
capacidade e valor pessoal está muito longe de antigos líderes de Israel como Peres,
e, no passado, Golda Meir e Isaac Rabin).
O líder israelense chegou mesmo a predizer a vitória do republicano Mitt
Romney, em 2012, sobre o presidente Barack Obama.
O 44º presidente
americano não terá dado demasiada importância à audácia de Netanyahu de
abertamente intervir (com pífios resultados) em eleição na que se presume
autônoma Superpotência.
Agora, com a crassa
ignorância diplomática e de política externa de Mr Donald Trump, é comentário
corrente a postura de virtual dono do pedaço desse prócer da direita
israelense, Benjamin Netanyahu, que é, de resto, tratado com servis atenções
pelos integrantes do GOP. Isso, para
o observador histórico, é uma senhora involução na qual um premier de Estado dependente do poderio americano se dê tais ares
de superioridade e familiaridade, máxime no Congresso, e agora na Casa Branca.
Como triste evidência dessa reversão de papéis, perdeu a conta o número de
oportunidades dadas a Netanyahu para discursar do púlpito do Grande Aula do
Senado americano.
Por falar nessa ignorância
diplomática de Mr Donald John Trump, se não houver no estamento americano reação
que lhe faça honra, prosseguirá a inversão de valores e de mando respectivo
entre Israel e os Estados Unidos da América.
Sem medo de errar, pode-se
asseverar que as posições respectivas entre a Superpotência e o Estado cliente
se aprestam a completar um inacreditável círculo de regressão.
Passados os tempos em que
os líderes israelenses como David ben Gourion e Golda Meir tinham bem presente
a quem cabia a última palavra, em termos das relações com os Estados Unidos,
assistimos nesses últimos anos ao enfraquecimento da posição de preponderância
e de última palavra em situações que demandavam a consulta à Casa Branca.
Para tanto, foram instrumentais
a presidência de Nixon e a presença no Departamento de Estado de Henry
Kissinger.
Sem embargo, o total
despreparo em termos de questões diplomáticas do novel Presidente Donald Trump
tenderá a ensejar - como de fato já está ocorrendo - deplorável regressão nos
termos do relacionamento da Casa Branca com o antigo Estado cliente de Israel.
Netanyahu, já consciente
da ignorância diplomática do novo ocupante da Casa Branca, em termos de
política exterior, coloca questões que, pela sua natureza, seriam consideradas
fora de limites.
Os Estados Unidos, por
uma série de considerações, jamais admitiu que Jerusalém fosse transformada em
capital de Israel. Em termos de do not
trespass, Jerusalém representava ainda tópico a não ser sequer levantado
pelo governo israelense.
Dado o despreparo de
Trump, e a fraqueza de sua assessoria, o campo está aberto para os
aventureiros. Daí, a prepóstera assertiva de Netanyahu quanto a transformar
Jerusalém na capital de todos os israelenses.
Será o primeiro
presidente americano a que falta um módico de conhecimento sobre anteriores
questões primaciais da Casa Branca. A
sua limitação em termos de política externa - excluído o México, que teve a
dúbia honra de assinalar por primeiro a política xenófoba de Trump com a alusão
à construção do famoso muro - é marcante, e por isso se contempla, entre um
misto de estupefação e certa comiseração que Netanyahu, baseado na sólida
ignorância de questões diplomáticas de Trump, já se assanhe a transformar
Jerusalem na capital de Israel.
É possível, mas ignoro, por seu temperamento, que seja
provável, venha o estamento diplomático americano a demovê-lo da estúpida e
desastrosa sugestão do espertalhão Bibi, que pensa prevalecer-se da ignorância
em termos de política externa de Donald
Trump.
Se ele lograr tal
triste salto mortal - elevar Jerusalém a capital e de cambulhada buscar fazer
regredir o movimento palestino quase às suas praias no Mar Mediterrâneo - Trump
já partirá como o presidente mais ignaro e ignavo, em termos de política
externa medio-oriental, da história americana.
( Fontes:
A Tangled Web, de William Bundy, Henry Kissinger, Years of Upheaval )
[1] Sgomento: subst. masculino italiano que significa
estado de turbação, depressão, ânsia angustiada, diante de acontecimentos
externos..
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