quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Israel na Tragédia Trump

                            
       Nem presidentes republicanos, nem Congressos do GOP se atreveram no passado a desautorizar a política bipartidária americana, no que tange à questão médio-oriental.
       Dada a relevância do apoio estadunidense a Israel, não é difícil entender o porquê  desta posição de Washington sobre tal matéria.
       O  caráter bipartidário da política americana no que tange ao Estado de Israel corresponde ao apoio determinante dado pelos Estados Unidos a estado e povo de Israel.
       Terminada a guerra entre Israel e a coalizão árabe, com uma nova conformação desse Estado, que se diferenciava do traçado anterior da chamada Resolução da Partilha, Washington procurou fomentar condições  de paz entre as duas nacionalidades : árabe-palestinos e israelenses.
       Se não corresponderia à realidade falar-se da política americana no que tange a Israel como se fora neutra, o governo americano procurou sempre criar condições de paz entre israelitas e palestinos.
      Em tal sentido, ao longo do conflito árabo-israelense, as resoluções pertinentes do Conselho de Segurança - ainda que muitas delas não foram  implementadas, o estamento diplomático americano, não obstante o seu visceral apoio ao Estado judaico, sempre se esforçou em criar sólidas condições de paz, baseadas na justiça, entre as duas nacionalidades.
       A série de guerras israelo-palestinas não quebraria tal situação, mas pelo seu resultado favorável a Israel, constituíu um fator de desequilíbrio na construção de condições de paz durável entre palestinos e israelitas.
       Nesse contexto, há uma série de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, se realmente houvessem sido implementadas, muito teriam contribuído para criar condições sólidas para a Paz na área da antiga Palestina.
       Uma releitura desses notáveis textos diplomáticos pode trazer tristeza e sgomento[1]. Esse substantivo italiano, intraduzível em português, reflete a sensação de impotência experimentada pela comunidade diplomática diante da magnífica série de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, apesar de aprovadas pelos países detentores do veto (notadamente Estados Unidos e União Soviética), não tão estranhamente não seriam transformadas em realidade.
        Se a diplomacia americana houvesse correspondido à qualidade desses textos aprovados pelo Conselho de Segurança, muitas das condições atuais que vem criando - com a crescente capacidade de, na prática, invalidar e/ou tornar letra morta boa parte das resoluções que, se implementadas, criariam  uma nova situação para a questão palestina.
        É de notar-se que depois das guerras dos anos setenta entre israelitas e palestinos, a situação política mudou radicalmente. Durante a presença de Henry Kissinger no Departamento de Estado, foram dadas condições a Tel-Aviv para, na prática, tornar letra morta a série de magnificas resoluções do C.S.N.U. Ao mesmo tempo, aumentou bastante a autonomia do Estado cliente em relação à Superpotência tutelar até então.
        Com o apoio interno americano à política israelense e a participação de colonos americanos na ocupação do vasto território (em termos relativos, é claro, dadas as dimensões da Palestina), passou-se a uma fase bastante mais agressiva em termos de propósitos de extensão territorial do Estado de Israel, à custa de territórios ancestrais palestinos.
          Yasser Arafat, recentemente falecido (permanece a suspeita de envenenamento) é representativo nesse aspecto da interação - tanto trágica, quanto bélica e mesmo pacífica - entre judeus e palestinos. Arafat a princípio chefiou movimento de resistência bélica contra o poder israelense: a Organização da Liberação da Palestina (OLP), encabeçada por Arafat, fundado no al-Fatah, que era a base do poder palestino.  Nessa fase, Arafat era o inimigo maior do regime sionista de Israel, e ele recorria a todo tipo de ação bélica, mas sobretudo à guerrilha e ao terrorismo. Não é aqui o lugar para relatar toda a luta entre palestinos e israelenses. Cabe notar, no entanto, que dentro de um ambiente mais conducente a negociações de paz, surgiu através dos Acordos de Oslo a possibilidade da solução pacífica da questão palestina.
            Esta fase chegaria ao ápice na assinatura nos jardins da Casa Branca, sob a presidência de Bill Clinton, do célebre acordo de paz entre judeus e palestinos, e aí temos o aperto de mão entre Rabin e Arafat.
             Nunca, palestinos e judeus estiveram tão perto da paz autêntica na região. Derrubaram os Acordos de Oslo, e a esperança de paz, de que participavam árabes-palestinos e israelitas, o romantismo  dos fautores dessa inédita paz. O movimento dos colonos (vindos dos Estados Unidos, notadamente) através de sua expansão, ilegal decerto, em terras palestinas, começou a pressionar as bases do acordo. A esses elementos, trazidos dos Estados Unidos, se atribui a pressão contra a equidade na distribuição da terra, e a perda continuada pelos palestinos do próprio solo ancestral. Com o assassinato de Rabin, por um fanático da direita israelita, a anterior euforia sobre uma solução pacífica e equa entre judeus e palestinos começa a diminuir. Malgrado os esforços de Bill Clinton de criar condições para a reconciliação, o fato de que sua Administração já beirava o fim do respectivo mandato, assim como a falta de confiança de parte a parte, mais uma solução vertical para o diferendo se mostrou irrealizável.
                Nos anos seguintes, com o surgimento de B. Netanyahu e o crescente influxo da emigração judaico-russa, cresceu o poder do estamento de direita judaico, e com isso o cerceamento na prática da Autoridade Palestina.
                 A evolução - talvez seria melhor falar de involução - de perspectivas reais de uma paz verdadeira e baseada na justiça se foi transformando em fumaça. No período de predomínio do general Ariel Sharon, as relações entre judeus e árabes pioraram, pela própria postura provocatória de Sharon, que chegara a ensaiar caminhada em área de locais sagrados para os palestinos. Em 2006 Sharon sofreu maciço derrame e ficou em estado vegetativo até o próprio desaparecimento.
                  Com a partida definitiva de Sharon, a influência de Benjamin (Bibi) Netanyahu cresce. Conservador, nunca fora particular amigo da paz com a comunidade palestina. Aliando esse aspecto a postura demagógica, desfavorável seja a qualquer reconciliação, seja a uma abertura para a Autoridade Palestina, Bibi Netanyahu é considerado antes empecilho do que fator autêntico de paz.
                   Dada a situação de Israel - um virtual pária diplomático pela comprovada má-fé do estamento dominante israelense no que concerne à construção da paz - a postura de Bibi Netanyahu muito incomodou a Barack Obama. A esse propósito, Netanyahu dispõe de situação que é, a um tempo, esplêndida junto ao estamento americano que favorece a 'colonização' de áreas palestinas (em favor, é óbvio, dos ditos colonos americanos) e sujeita a crescentes contestações no território israelense. Sem embargo, o esquema de poder de Bibi Netanyahu continua forte, obrigado, mas constrange a ação política externa de Israel a uma triste figura de isolamento extremo. Recorda nesse aspecto a situação da África do Sul, nos tempos pré-Mandela, em que o regime racista sul-africano também vivia em magnifico isolamento.
                     Mas voltemos a Barack Obama. Ele atuou dentro do possível presente para criar condições um tanto melhores para a Autoridade Palestina. Dado o recente domínio do GOP no Congresso, lá se assistiu, ao invés disso, a uma vexatória adulação do conservador Netanyahu pelo estamento republicano.  Falar no Congresso americano passou a ser  um favor comum para Bibi Netanyahu, que, em suas aparições no Capitólio tendeu a transmitir impressão de mal-estar para a comunidade internacional. Nunca se desmereceu mais o valor da tribuna no Congresso americano - pela atitude dos republicanos junto a Netanyahu, o que foi interpretado como frenética caça do voto judeu nos EUA para o GOP.
                       Todo esse incenso terá provocado um marcado irrealismo da parte de Bibi Netanyahu (que, em termos de capacidade e valor pessoal está muito longe de antigos líderes de Israel como Peres, e, no passado, Golda Meir e Isaac Rabin).  O líder israelense chegou mesmo a predizer a vitória do republicano Mitt Romney, em 2012, sobre o presidente Barack Obama. 
                       O 44º presidente americano não terá dado demasiada importância à audácia de Netanyahu de abertamente intervir (com pífios resultados) em eleição na que se presume autônoma Superpotência.
                        Agora, com a crassa ignorância diplomática e de política externa de Mr Donald Trump, é comentário corrente a postura de virtual dono do pedaço desse prócer da direita israelense, Benjamin Netanyahu, que é, de resto, tratado com servis atenções pelos integrantes do GOP. Isso, para o observador histórico, é uma senhora involução na qual um premier de Estado dependente do poderio americano se dê tais ares de superioridade e familiaridade, máxime no Congresso, e agora na Casa Branca. Como triste evidência dessa reversão de papéis, perdeu a conta o número de oportunidades dadas a Netanyahu para discursar do púlpito do Grande Aula do Senado americano.
                    Por falar nessa ignorância diplomática de Mr Donald John Trump, se não houver no estamento americano reação que lhe faça honra, prosseguirá a inversão de valores e de mando respectivo entre Israel e os Estados Unidos da América.
                     Sem medo de errar, pode-se asseverar que as posições respectivas entre a Superpotência e o Estado cliente se aprestam a completar um inacreditável círculo de regressão.
                      Passados os tempos em que os líderes israelenses como David ben Gourion e Golda Meir tinham bem presente a quem cabia a última palavra, em termos das relações com os Estados Unidos, assistimos nesses últimos anos ao enfraquecimento da posição de preponderância e de última palavra em situações que demandavam a consulta à Casa Branca.
                     Para tanto, foram instrumentais a presidência de Nixon e a presença no Departamento de Estado de Henry Kissinger.
                     Sem embargo, o total despreparo em termos de questões diplomáticas do novel Presidente Donald Trump tenderá a ensejar - como de fato já está ocorrendo - deplorável regressão nos termos do relacionamento da Casa Branca com o antigo Estado cliente de Israel.
                      Netanyahu, já consciente da ignorância diplomática do novo ocupante da Casa Branca, em termos de política exterior, coloca questões que, pela sua natureza, seriam consideradas fora de limites.
                      Os Estados Unidos, por uma série de considerações, jamais admitiu que Jerusalém fosse transformada em capital de Israel. Em termos de do not trespass, Jerusalém representava ainda tópico a não ser sequer levantado pelo governo israelense.
                         Dado o despreparo de Trump, e a fraqueza de sua assessoria, o campo está aberto para os aventureiros. Daí, a prepóstera assertiva de Netanyahu quanto a transformar Jerusalém na capital de todos os israelenses.
                          Será o primeiro presidente americano a que falta um módico de conhecimento sobre anteriores questões primaciais da Casa Branca.  A sua limitação em termos de política externa - excluído o México, que teve a dúbia honra de assinalar por primeiro a política xenófoba de Trump com a alusão à construção do famoso muro - é marcante, e por isso se contempla, entre um misto de estupefação e certa comiseração que Netanyahu, baseado na sólida ignorância de questões diplomáticas de Trump, já se assanhe a transformar Jerusalem na capital de Israel.
                            É possível,  mas ignoro, por seu temperamento, que seja provável, venha o estamento diplomático americano a demovê-lo da estúpida e desastrosa sugestão do espertalhão Bibi, que pensa prevalecer-se da ignorância em termos de política externa de  Donald Trump.
                          Se ele lograr tal triste salto mortal - elevar Jerusalém a capital e de cambulhada buscar fazer regredir o movimento palestino quase às suas praias no Mar Mediterrâneo - Trump já partirá como o presidente mais ignaro e ignavo, em termos de política externa medio-oriental, da história americana.

( Fontes: A Tangled Web, de William Bundy, Henry Kissinger, Years of Upheaval )



[1] Sgomento:  subst. masculino italiano que significa estado de turbação, depressão, ânsia angustiada, diante de acontecimentos externos..

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