À medida que os dias
vão passando, e a presidência de Donald Trump avança para o seu primeiro mês, o
observador político se vai conscientizando da ínsita fraqueza do pomposamente
anunciado 45º Presidente.
Eleito pelo voto indireto e derrotado
no sufrágio direto - o que tanto o irritou a ponto de lançar abstrusas
denúncias, como se os três milhões de preferências a maior da candidata Hillary
Clinton fossem fruto da fraude... - o comportamento e as declarações de Trump
vão aos poucos se adensando.
O candidato menos preparado para a
magna tarefa venceu a eleição. Isso, no entanto, não é, como dizem os
franceses, uma verdade de Monsieur de La
Palisse, como cá em Pindorama se diria que se trata de assertiva do Conselheiro Acácio, que só diz, e com
voz grave, lugares comuns, platitudes.
Como alguém tão claramente despreparado
- que não venceu nenhum debate contra a sua adversária - pode haver ganho de
forma tão determinante a eleição?
Pois pelas intrincâncias no colégio
eleitoral, temos um espelho bastante deformado da realidade política. O candidato minoritário - aquele que colheu
menos votos do Povo Americano - virou no processo indireto o vencedor, pois
agregou 290 votos balizados pelo colégio eleitoral, e Hillary, a que teve mais sufrágios da gente
americana - cerca de três milhões! - na verdade, é a perdedora.
Esta circunstância constrangedora levou
Trump a incorrer na sandice de que esses três milhões a mais foram sufrágios de
imigrantes ilegais, de gente que não tinha os documentos em ordem para votar!
Pelo visto, Donald John Trump está
habituado a resolver problemas conceituais com afirmações pouco baseadas em
fatos e no conhecimento. Isso pode servir para conversas de bar e discussões do
gênero. Disso que se diz, na linguagem livre, de chutes, de assertivas apoiadas em blefes ou descaradas mentiras, é
óbvio que não é próprio para servir de argumento em um debate sobre a
legitimidade do voto.
Infelizmente, a Constituição americana
- que é do século XVIII - e portanto do tempo em que as comunicações eram
precárias, não havia sequer ferrovias, e as notícias, por conseguinte, levavam
dias, semanas e até meses para serem conhecidas pelos cidadãos da nascente
república americana. É compreensível, assim, que o instrumento constitucional
negociado em Filadelfia apelasse para o universo mais manejável do estado, para
o cômputo dos votos e a consequente formação de um colégio eleitoral, com votos
definidos segundo o quociente populacional de cada estado da Federação
americana. Para a realidade do século XVIII, era uma escolha engenhosa, que
tornava manejável determinar em um tempo razoável quem seria o candidato com a
maioria das preferências da União Americana. Nesse contexto, a Carta Magna de
Filadelfia atendia ao desafio de que se soubesse, em tempo hábil, quem seria o
vencedor em cada Estado, com o respectivo cômputo dos percentuais de cada um.
A pergunta que, no entanto, não pode
ser calada é se esta solução do século dezoito ainda é válida no século XXI. Não
se pode esquecer que já no século XX o candidato George Bush foi proclamado
vencedor pelo colégio eleitoral, enquanto Albert Gore, considerado perdedor,
apesar de haver colhido a maioria no voto popular. Esta idiossincrasia do
sistema americano constitui, na verdade, um absurdo lógico, porque nos demais
países desse mundo, vasto mundo, ganha a eleição que tiver mais votos no
colégio eleitoral, formado neste caso não por abstrações, mas pela soma dos
cidadãos que sufragaram nas máquinas de votação o (a) candidato (a) que obteve
o maior número efetivo de sufrágios,
sem recurso a nenhum instrumento setecentista que proclame como candidato
majoritário aquele que na verdade é minoritário.
O problema do colégio eleitoral
nos Estados Unidos poderá em futuro breve vir a constituir um absurdo legal,
através de uma preferência de um sistema setecentista que continue a ser
declarado como aquele próprio para estabelecer o vencedor.
Se me permitem os senhores
congressistas e demais autoridades com voz e voto na determinação desse
abstruso esquema, se for simplificado o método de aferir quem é o(a)
detentor(a) da maioria dos votos para que saber-se possa quem o Povo Americano
deseja como Presidente, seria mais simples e até mesmo mais democrático
recorrer ao sistema mais rápido e eficaz, que é aplicado em todas as demais
democracias do planeta, com a inclusão do Brasil. O fato de ser um arcaísmo
honrado pelo transcurso dos séculos não implica na dedução de que se deva
preferir o velho ao invés do novo.
Esse arcaísmo já permitiu,
ainda que indiretamente, que a Corte Suprema, em uma de suas sentenças mais
vergonhosas e, portanto, menos memoráveis, determinasse quem seria o vencedor
da eleição no ano 2000! Isto foi obtido pelo hábil advogado republicano James
Baker que perante a Corte Suprema representava o partido de George W. Bush.
Foram, na verdade, duas sentenças do Supremo, uma sem maiores implicações e que
colheu o voto de larga maioria dos juízes. Já a segunda sentença, determinava à
Suprema Corte da Flórida que interrompesse a recontagem dos votos, a partir de
doze de dezembro. Como a expectativa crescente dos observadores se encaminhava
para que a recontagem na Flórida confirmasse a vitória naquele estado de Albert
Gore, o que o advogado James Baker logrou dos juízes foi declaração não assinada pelos juízes da Corte
Suprema, denominada per curiam, que
determinava a suspensão da recontagem, acrescida essa ordem das injunções de que tal exercício (da recontagem) não mais
se repetisse. Em termos de decisões do arco da velha, temos aí decerto uma!
Há outro dado interessante que a pesquisa
determinou. Até aquela encruzilhada em 2000, somente em quatro eleições presidenciais
anteriores,
o vencedor no voto popular não fora também
vencedor na contagem do colégio eleitoral.
Com a proeza de 2000, Bush foi eleito na prática pela Corte Suprema.
Agora, por mais de uma vez,
se repete a palinódia. São seis, hoje, portanto, os vencedores pelo colégio
eleitoral e não também pelo voto popular.
Será que manter um arcaísmo favorece a
democracia? A primeira vista, não me parece ser o caso. Por seis vezes agora, o
sistema do colégio eleitoral prevalece, na prática, sobre o voto popular. Como
se tem determinado, as diferenças aferidas pelo voto do povo têm crescido. Pelo
visto esse arcaísmo privilegia a ficção política das divisórias estaduais sobre a
contagem efetiva dos votos, contagem essa que chega aos milhões no caso
presente de Trump vs. Hillary. Essa diferença, pelo
visto, fez o candidato Trump ficar nervoso, a ponto de vir com as teses
estapafúrdias de que tais votos serem originários de imigrantes
ilegais...
Sem dúvida é uma
argumentação que faz justiça à capacidade intelectual de Donald J.Trump...
( Fontes: Carlos Drummond de Andrade; internet )
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