sábado, 11 de fevereiro de 2017

Mea Culpa

                                       
        À medida que os dias vão passando, e a presidência de Donald Trump avança para o seu primeiro mês, o observador político se vai conscientizando da ínsita fraqueza do pomposamente anunciado 45º Presidente.
        Eleito pelo voto indireto e derrotado no sufrágio direto - o que tanto o irritou a ponto de lançar abstrusas denúncias, como se os três milhões de preferências a maior da candidata Hillary Clinton fossem fruto da fraude... - o comportamento e as declarações de Trump vão aos poucos se adensando.

        O candidato menos preparado para a magna tarefa venceu a eleição. Isso, no entanto, não é, como dizem os franceses, uma verdade de Monsieur de La Palisse, como cá em Pindorama se diria que se trata de assertiva do Conselheiro Acácio, que só diz, e com voz grave, lugares comuns,  platitudes.
        Como alguém tão claramente despreparado - que não venceu nenhum debate contra a sua adversária - pode haver ganho de forma tão determinante a eleição?
        Pois pelas intrincâncias no colégio eleitoral, temos um espelho bastante deformado da realidade política.  O candidato minoritário - aquele que colheu menos votos do Povo Americano - virou no processo indireto o vencedor, pois agregou 290 votos balizados pelo colégio eleitoral,  e Hillary, a que teve mais sufrágios da gente americana - cerca de três milhões! - na verdade, é a perdedora.
        Esta circunstância constrangedora levou Trump a incorrer na sandice de que esses três milhões a mais foram sufrágios de imigrantes ilegais, de gente que não tinha os documentos em ordem para votar!  

      Pelo visto, Donald John Trump está habituado a resolver problemas conceituais com afirmações pouco baseadas em fatos e no conhecimento. Isso pode servir para conversas de bar e discussões do gênero. Disso que se diz, na linguagem livre, de chutes, de assertivas apoiadas em blefes ou descaradas mentiras, é óbvio que não é próprio para servir de argumento em um debate sobre a legitimidade do voto.
        Infelizmente, a Constituição americana - que é do século XVIII - e portanto do tempo em que as comunicações eram precárias, não havia sequer ferrovias, e as notícias, por conseguinte, levavam dias, semanas e até meses para serem conhecidas pelos cidadãos da nascente república americana. É compreensível, assim, que o instrumento constitucional negociado em Filadelfia apelasse para o universo mais manejável do estado, para o cômputo dos votos e a consequente formação de um colégio eleitoral, com votos definidos segundo o quociente populacional de cada estado da Federação americana. Para a realidade do século XVIII, era uma escolha engenhosa, que tornava manejável determinar em um tempo razoável quem seria o candidato com a maioria das preferências da União Americana. Nesse contexto, a Carta Magna de Filadelfia atendia ao desafio de que se soubesse, em tempo hábil, quem seria o vencedor em cada Estado, com o respectivo cômputo dos percentuais de cada um.

          A pergunta que, no entanto, não pode ser calada é se esta solução do século dezoito ainda é válida no século XXI. Não se pode esquecer que já no século XX o candidato George Bush foi proclamado vencedor pelo colégio eleitoral, enquanto Albert Gore, considerado perdedor, apesar de haver colhido a maioria no voto popular. Esta idiossincrasia do sistema americano constitui, na verdade, um absurdo lógico, porque nos demais países desse mundo, vasto mundo, ganha a eleição que tiver mais votos no colégio eleitoral, formado neste caso não por abstrações, mas pela soma dos cidadãos que sufragaram nas máquinas de votação o (a) candidato (a) que obteve o maior número efetivo de sufrágios, sem recurso a nenhum instrumento setecentista que proclame como candidato majoritário aquele que na verdade é minoritário.
             O problema do colégio eleitoral nos Estados Unidos poderá em futuro breve vir a constituir um absurdo legal, através de uma preferência de um sistema setecentista que continue a ser declarado como aquele próprio para estabelecer o vencedor.
              Se me permitem os senhores congressistas e demais autoridades com voz e voto na determinação desse abstruso esquema, se for simplificado o método de aferir quem é o(a) detentor(a) da maioria dos votos para que saber-se possa quem o Povo Americano deseja como Presidente, seria mais simples e até mesmo mais democrático recorrer ao sistema mais rápido e eficaz, que é aplicado em todas as demais democracias do planeta, com a inclusão do Brasil. O fato de ser um arcaísmo honrado pelo transcurso dos séculos não implica na dedução de que se deva preferir o velho ao invés do novo.
  
               Esse arcaísmo já permitiu, ainda que indiretamente, que a Corte Suprema, em uma de suas sentenças mais vergonhosas e, portanto, menos memoráveis, determinasse quem seria o vencedor da eleição no ano 2000! Isto foi obtido pelo hábil advogado republicano James Baker que perante a Corte Suprema representava o partido de George W. Bush. Foram, na verdade, duas sentenças do Supremo, uma sem maiores implicações e que colheu o voto de larga maioria dos juízes. Já a segunda sentença, determinava à Suprema Corte da Flórida que interrompesse a recontagem dos votos, a partir de doze de dezembro. Como a expectativa crescente dos observadores se encaminhava para que a recontagem na Flórida confirmasse a vitória naquele estado de Albert Gore, o que o advogado James Baker logrou dos juízes  foi   declaração não assinada pelos juízes da Corte Suprema, denominada per curiam, que determinava a suspensão da recontagem, acrescida essa ordem das injunções  de que tal exercício (da recontagem) não mais se repetisse. Em termos de decisões do arco da velha, temos aí decerto uma!

                  Há outro dado interessante que a pesquisa determinou. Até aquela encruzilhada em 2000, somente em quatro eleições presidenciais anteriores, o vencedor no voto popular não  fora também vencedor na contagem do colégio eleitoral.  Com a proeza de 2000, Bush foi eleito na prática pela Corte Suprema.
                   Agora, por mais de uma vez, se repete a palinódia. São seis, hoje, portanto, os vencedores pelo colégio eleitoral e não também pelo voto popular.  
                     Será que manter um arcaísmo favorece a democracia? A primeira vista, não me parece ser o caso. Por seis vezes agora, o sistema do colégio eleitoral prevalece, na prática, sobre o voto popular. Como se tem determinado, as diferenças aferidas pelo voto do povo têm crescido. Pelo visto esse arcaísmo privilegia a ficção política das divisórias estaduais sobre a contagem efetiva dos votos, contagem essa que chega aos milhões no caso presente  de  Trump vs. Hillary. Essa diferença, pelo visto, fez o candidato Trump ficar nervoso, a ponto de vir com as teses estapafúrdias  de  que tais  votos serem originários de imigrantes ilegais...
                       Sem dúvida é uma argumentação que faz justiça à capacidade intelectual de Donald J.Trump...        




( Fontes: Carlos Drummond de Andrade; internet )                                                  

Nenhum comentário: