Segundo tudo
indica, a incontinência verbal de Donald
J. Trump está prejudicando bastante a posição presidencial, evidenciada por
seus decretos determinando o banimento de sete nacionalidades árabo-islâmicas,
assim como os cancelamentos dos respectivos vistos de residência.
Exasperado pela resistência da
magistratura contra os seus decretos, que a partir dos juízes de New York e de
Seattle começaram a derrubar os cruéis mandados contra inúmeros imigrantes de
procedência de países islâmicos, muitos deles vindos aos Estados Unidos para
continuar seus estudos, o presidente vem recorrendo a comentários cada vez mais
agressivos contra os magistrados.
Pensando que a iniciativa
presidencial contra as sete nacionalidades islâmicas seria aceita pelos juízes
(e as cortes superiores) com a deferência que Trump crê lhe seja devida, o
novel Presidente experimenta uma resistência a que decerto jamais pensara
surgisse pela sua augusta frente.
Dada a irritação que sente, como
alguém todo-poderoso que por isso crê lhe seja devida não só atenção e
deferência, mas também - e tal se semelha quase improvável, as cortes judiciais
ora cuidam de ministrar-lhe essa lição do respeito devido à toga - a obsequiosa
concordância que o presidente imaginara viesse a moldar as respostas
afirmativas da magistratura às suas ásperas ordens de expulsão e banimento de
alienígenas procedentes dos sete países islâmicos com que a sua família não tem
maiores ligações econômico-financeiras.
Se a posição jurídica dos ukases presidenciais já semelhava
deveras enfraquecida pela magnífica aliança da intelectualidade universitária e
da magistratura, muitos desses até então ignotos, levantando o braço togado e
escrevendo novas páginas da longa história da defesa da liberdade e do direito
de ir e vir com a coragem e a segurança de magistrados, que parecem saídos de
páginas escritas pelo maior representante do iluminismo penal, o milanês Cesare
Bonesana, Marquês de Beccaria[1].
Mas uma vez a árvore frondosa da democracia americana nos mostra como os
seus ramos podem por vezes entrelaçar-se, por mais inconspícuos que tenham sido
até o presente. Coube no passado fazer frente à arrogância do poder real, hoje
sucedido pelo presidencial. Sem embargo, a árvore da justiça cresce com
imponência na democracia. Ao ver por toda a parte juízes de cortes singulares,
ou de tribunais superiores, escrever uma vez mais nas tábuas da lei os direitos
do cidadão e do estrangeiro, não posso evitar o cotejo com uma cena em Kirov em
que adversário político, tribuno corajoso, Aleksei A. Navalny teve de ouvir,
através da voz quase inaudível do magistrado russo a sentença de prisão
suspensiva de cinco anos, que lhe fora decerto ditada pelo todo-poderoso Vladimir
V. Putin.
Como se vê, grande, na verdade
abismal é a diferença entre a autocracia e a democracia. Pelo esforço próprio,
o povo americano tem juízes com voz firme, que se curvam diante do poder das
Leis, mas não perante aquele do Soberano.
Dentro desse contexto, a notícia
dada pelo New York Times acerca das
observações em privado do Juiz Neil M.
Gorsuch - que acaba de ser designado pelo Presidente Trump para a Suprema Corte (o Senado deve ratificar
a escolha presidencial, e lá isso não é mera formalidade). Gorsuch em
particular manifestou consternação nesta quarta-feira acerca dos ataques de Mr
Trump crescentemente agressivos contra o Judiciário, a ponto de considerar tais
críticas de juízes independentes como "desmoralizantes" e "desestimulantes".
A notícia transmitida pelo New
York Times acrescenta que os comentários foram feitos em visita de cortesia ao
Senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut, dentro do círculo de contactos
habitualmente feito no quadro da avaliação pelo Senado, ao ensejo da próxima
votação acerca da confirmação ou não da proposta do Governo.
( Fonte: The New York
Times )
[1]
autor da obra "Dos Delitos e das Penas", que trouxe a humanidade para
o Direito Penal. Nasceu e morreu em Milão, no século XVIII (1738-1794)
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