Raro é o governo que,
ao nascer, não cometa abuso de poder. Mas será difícil encontrar algum que os
tenha cometido tantos e contra tanta gente indefesa e de boa fé, quanto a nova
Administração republicana, de Donald J. Trump.
A artilharia de Trump surpreendeu a
muitos, que viajavam aos States de
boa fé, muita vez com a intenção de retomar estudos, ou prestar serviços em
instituições várias.
Mas, uma vez mais, a divisão dos
poderes na democracia estadunidense mostrou a própria validade e a defesa que
os juízes podem prestar a desvalidos, fracos e indefesos.
Essa luta renhida, que aos fracos abate, teve o oportuno apoio da Corte
Federal de Apelação, do nono Circuito, em São Francisco. Ela rejeitou o pedido
do Departamento de Justiça para que seja prontamente restabelecido o banimento
a determinados estrangeiros em viagem aos Estados Unidos.
Por sua sentença, os viajantes das
sete nações com predominância muçulmana (Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão,
Síria e Iêmen), assim como refugiados devidamente checados, procedentes de
todas as nações podem continuar a ingressar nos Estados Unidos.
A referida ordem presidencial fora sustada
na Corte Federal Distrital de Seattle,pelo Juiz singular James Robart. Que alguém
da área judicial tivesse a audácia de enfrentar-lhe o ditamen, enraiveceu o
Presidente Trump, que veio com resposta destemperada: "A opinião deste
assim-chamado juiz, que em fim de contas retira a execução da Lei de nosso
país, é ridícula e vai ser derrubada!"
Seguiu-se o apelo do Departamento
de Justiça à Corte de Apelações para o Nono Circuito, para que revisse a
sentença do Juiz e que ela não tivesse poder de deter a implementação do
desígnio presidencial durante a sua apreciação.
O protesto de Trump caíu mal. O Juiz Robart, que fora designado pelo
presidente George W. Bush , afirmou na própria sentença que não havia base
legal para o argumento da Administração "que temos de proteger os Estados
Unidos de indivíduos" das nações citadas. No seu ditamen, o juiz foi
além, dispondo que tampouco a
Administração deveria barrar a aceitação de refugiados. Nesse sentido, o
Departamento de Estado afirmou que refugiados, inclusive Sírios, poderiam vir a
partir de segunda-feira. Assinale-se que o decreto de Trump baixara proibição
sem prazo para o ingresso de refugiados sírios.
A tentativa do Governo,
através do Departamento de Justiça, de deixar as sentenças em suspenso, não foi
aceita pelo Nono Circuito, dando indicação da urgência e do interesse da
Justiça em preservar o direito dos cidadãos.
Tampouco faltou disposição nas
diversas capitais árabes, em que se encontravam os interessados em viajar para
os Estados Unidos. Todas os encorajaram a que tomassem de pronto as necessárias
providências, para chegarem a tempos nos Estados Unidos.
O Secretário de Imprensa da
Casa Branca, Sean Spicer, descreveu a ação do Juiz Robart como
"ultrajante". Passados poucos minutos, a Casa Branca expediu outra
declaração, de que sumira o adjetivo "ultrajante"...
Para os democratas, a crítica
presidencial do Juiz Robart representa uma evolução perigosa da questão. Para o
Senador Patrick Leahy, do Comitê Judiciário: "a assertiva do Presidente
parece "disposta a precipitar uma crise constitucional". Para o
Governador Jay Inslee, de Washington (que encetou o processo que levou à
sentença do Juiz Robart) disse que o ataque "estava abaixo da
dignidade" da presidência e podia criar "calamidade para a
América".
Já o Senador Chuck
Schumer, de New York (que chorara ao saber de o que sofrera um
estrangeiro para passar a alfândega) e enquanto
líder da bancada democrata afirmou:
"o rompante de Mr Trump pode pesar no processo de confirmação do juiz Neil
M.Gorsuch, o candidato presidencial para a Suprema Corte". Assinale-se que
Gorsuch ocuparia vaga que se fosse respeitado o decoro pelo líder republicano
Mitch McConnell seria da competência do Presidente Obama preencher, como tentou
fazê-lo através do Juiz Merrick Garland.
O Presidente Donald Trump,
para espanto de alguns, logrou manter sob controle o seu difícil temperamento.
Mas no sábado de manhã, o Presidente não mais conseguiu manter-se calado.
Perguntou-se como suspender "banimento de viagem pela Secretaria da
segurança interna", o que permitiria "alguém, mesmo com más
intenções" entrar no país. Chegou mesmo a queixar-se da "terrível
decisão" que deixava entrar "gente muito má e perigosa" dentro
do país.
O Juiz Robart recebeu o
processo na segunda-feira, em Seattle.
Na quarta, o estado de Minnesota se associa ao
processo. Na sexta, o juiz Robart emite ação de restrição provisória.
Sua Senhoria julgou que os estados e seus cidadãos tinham sido atingidos pela
determinação de Trump.
Segundo Sua Senhoria,"a
ordem executiva presidencial afeta os residentes no estado em áreas de emprego,
comércio,relações familiares e liberdade para viajar." Acrescentou que os estados tinham sido
atingidos porque a ordem executiva afetara as suas universidades públicas e suas bases de imposto.
Sem embargo, a ordem do Juiz
Robart não mencionara muitas questões, disse Josh Blackman, professor de Direito na Universidade do Sul do
Texas, em Houston.
"A Ordem
Executiva por acaso viola a igual proteção a ser dada pelas Leis, corresponde a
uma instituição de religião, viola direitos do livre exercício, ou priva
estrangeiros do devido processo legal?" Segundo o professor Blackman
pergunta: "Quem sabe? A análise é muito sumária, e deixa a corte de
apelação, assim como a Suprema Corte, sem base para determinar se uma injunção
para toda a Nação é apropriada."
Nesse contexto, Nael
Zaino, Sírio de 32 anos, que tentara sem sucesso tomar voo para os Estados
Unidos, a fim de juntar-se a sua mulher e seu filho nascido nos Estados Unidos,
teve permissão de embarcar em Istambul e depois em Frankfurt, na última
sexta-feira. Aterrissou em Boston a uma da tarde de sábado, e conseguiu sair da
área de imigração duas horas mais tarde,
disse a sua cunhada Katty Alhayek.
Releva saber que Mr
Zaino é o primeiro entre os portadores de visto a entrar nos EUA desde que a
Ordem Executiva entrou em vigor. Os seus advogados solicitaram um "waiver"[1] do Departamento de Estado,
mencionando reunião familiar. "O
meu caso deve ser caso muito especial", declarou o Sr. Zaino, por
telefone, em Istambul.
As mesmas angústias
e ansiedades sofreram estudantes iranianos, com voos a tomar, procedentes de
países do golfo pérsico.
Mesmo os
procedimentos mais absurdos, como aqueles determinados por mero capricho
pessoal, ou afirmação de poder (com o requinte de excluir países árabes aonde a
família Trump tenha investimentos) podem redundar em valorização da qualidade
do Estado americano, como a reação da Justiça, encetada por juiz do Leste
atlântico americano, veio demonstrá-la de forma cabal, com a respectiva
elevação do papel judicial na defesa dos direitos humanos, seja de
estrangeiros, seja de americanos.
( Fontes: The New York
Times, Gonçalves Dias )
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