segunda-feira, 19 de junho de 2017

O Supremo e o gerrymander

                 

        Os leitores do blog conhecem a minha posição sobre o assunto. Aliás, nesses tempos de predomínio de maiorias republicanas no Supremo,  até a cobertura pela imprensa - e no caso me reporto ao New York Times - adota  postura tão compreensiva para o chamado gerrymander que alguém alheio à matéria poderia até pensar que estamos diante de  modalidade normalmente praticada pelos diferentes estados,  iniciada, como se sabe, pelo governador Gerry, no estado de Massachusetts, em 1812.
         Só que há um pequeno detalhe nessa edulcorada estória. O gerrymander é prática ilegal, pois o seu propósito é o de fazer redistribuição nos distritos eleitorais, de forma em que um dos partidos maximize a própria vantagem, e o partido adverso desperdice grande parte da respectiva votação. Admitir o gerrymander - como vem sendo feito desde muito para a Câmara de Representantes - e agora, como acaba de ser realizado para o estado de Wisconsin - é tolerar um método irregular de formação de distritos eleitorais que distorce o sentido do voto, dando um peso indevido a um dos partidos em detrimento do outro.
           Não se trata, por conseguinte, de que o Supremo através de seus membros, favoreça esta ou aquela postura, como se ambas pudessem ser atribuídas a posições ou conservadoras, ou liberais, e, portanto, dentro de parâmetros legais de expressão do sufrágio.
           Há uma confusão proposital aí, como se o gerrymander fosse um instrumento legal e admissível, em que se respeita a vontade do eleitor.  O caráter delituoso do gerrymander está justamente na circunstância de que não é um instrumento admissível na eleição, essencialmente por contrariar a vontade do eleitor. Fá-lo de certo de forma hipócrita, pois quem o estrutura, pode até cinicamente alegar que não está proibindo a ninguém de manifestar a sua vontade política. Há um detalhe, porém,  nesse método: ele redesenha os distritos de forma a maximizar a votação a um partido, de forma a produzir menos representantes para o outro partido, enquanto a agremiação oposta vê maximizado o número de distritos que congreguem eleitores do outro candidato ou partido. Em outras palavras, o gerrymander frauda a vontade do eleitor, por um desenho ardiloso dos distritos.
            Em outras palavras, a boa fé é essencial para a construção de um mapa político que reflita a vontade da Nação e dos Estados que a formam.
             A postura de alguns que dizem não querer entrar em assuntos políticos, e por isso se recusam a desautorizar um mapa sob o argumento de conceder vantagem injusta a um partido em detrimento de outro  me parece farisaica, e sem qualquer lógica.
              Como  acaso imaginar-se possa que o gerrymander  - que deturpa o resultado da eleição - e cujo poder negativo e ilegal será tanto maior quanto o número dos distritos corrompidos - não é uma influência negativa?  
               Como é possível, por conseguinte, que o sentido de uma Constituição possa admitir o próprio convívio como a fraude? Dessarte, a má-fé dos que defendem esse crime eleitoral é tal que admite uma conveniente cegueira quanto à alegada circunstância de que se  trata de matéria política.  Nesses termos, debater uma tal matéria equivaleria a compactuar com a fraude e o crime eleitoral ? 
                A liberdade de opinião não pactua com aqueles que cinicamente tentam falsificar a vontade de um Estado, de uma Região, ou até mesmo de um País.    



( Fontes: The New York Review of Books, The  New York Times )

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