terça-feira, 13 de junho de 2017

Luta pela Justiça (na Venezuela)

                            
         A luta contra Nicolás Maduro se desenvolve em várias frentes.  As ruas continuam a manifestar-se - e é fenômeno que não se cinge à capital  Caracas, mas a todo o país.
          Contudo, a contestação continua em outra faixa, a da Procuradora-Geral da República, Luisa Ortega Díaz.  Ela é autoridade importante na institucionalidade do chavismo.

           Ao invés do deacordismo de outras figuras do estabelecimento chavista, a Procuradora-Geral-da-República surge como a voz discordante do situacionismo dissidente enquanto viga institucional do chavismo, em crescente e frontal discordância, não só contra o inepto herdeiro direto  do poder de Hugo Chávez Frias, o Presidente Nicolás Maduro, mas também contra os demais chefes de fila do estamento chavista, entre os quais o radical Diosdado Cabello, com trânsito no extremismo oportunista.
           A trajetória da Procuradora Ortega Díaz é por vezes confundida como se fora expoente do chamado chavismo light. Na verdade, os sucessores de Hugo Chávez - porque seria incorreto limitar a apenas Nicolás Maduro - que não tem estofo para aguentar o rojão - mas também devemos acrescentar-lhe a faixa esquerda, de Diosdado Cabello, com as tinturas gangsterísticas, assim como as Forças Armadas, que, por enquanto, tem respaldado o inepto Nicolás Maduro - e a todas essas figuras contrasta a aparente solidão da Procuradora-Geral-da-República, Luisa Ortega Díaz.
            É uma estranha solidão esta, que vê o respectivo apoio crescer, ainda que formalmente não-institucionalizado.  A Procuradora-Geral não tem, por ora, o apoio ostensivo das principais forças institucionais do chavismo, mas, quem sabe?, aí está um dos segredos do próprio peso e do respeito que semelha comandar.

           Com efeito, a Venezuela hoje vivencia panorama revolucionário, em que se contrapõem,  de um lado às forças situacionistas do chavismo (nelas incluído uma porção do grande mudo), e de outra grande parte, das camadas populares, jogadas na oposição pelo misto de incompetência e corrupção do chavismo institucionalizado (Maduro mais a ala oportunista do chavismo de Diosdado Cabello), sempre com o condicional apoio castrense.
               O extremismo desse regime deturpado, mas ainda conforme à corrupção do chavismo entrado na sua fase pré-terminal, constitui um verdadeiro quebra-cabeças na História, eis que semelha realmente dificil de explicar que esta ordem chavista logre manter-se em meio à confusão erigida como sistema de governo, como se vê na contínua fuga para a frente (fuite en avant) deste arremedo político que seria a suposta ordem no caos de Nicolás Maduro, a que se misturam os seus apoiadores oportunistas.

                Dada a comprovada incapacidade do "sistema" hoje representado ou melhor encimado por Maduro, com o acintoso bebê de Rosemary, que é o caos na economia venezuelana, a única perplexidade que tal agregado político desperta é a sua aparente resistência. A única explicação disponível será a caução acaso fornecida pelo "grande mudo", que, no caso, constituem as Forças Armadas, que o Comandante do Exército, Major-general Alexis López Ramirez representa.
              Mas em meio deste aparente caos organizado à venezuelana, a Procuradora-Geral intenta acelerar a própria ação desestabilizadora, com a  decisão de impugnar a nomeação de treze magistrados no Supremo Tribunal de Justiça. Ora, por maiores simpatias que granjeie tal decisão da Procuradora-Geral, é compreensível o espanto que a postura haja causado, eis que Luísa Ortega Diaz decide questionar-lhes a nomeação ano e meio após que a escolha fora tornada pública.
               Trata-se da chamada superlotação do STJ por Maduro, iniciativa adotada às pressas pelo Presidente, pensando dessarte controlar o eventual prejuízo político na vitória da Oposição no pleito para a Assembleia Legislativa.
              Pensando que a vitória da Oposição na Assembleia Legislativa pudesse ser controlada por uma espécie de puxadinho, Maduro designou às carreiras mais treze membros ditos efetivos no STJ, além de vinte suplentes, que segundo a Procuradora assumiram todos os respectivos cargos de forma irregular.
              Mas não se detém aí a ação da Procuradora-Geral. Com efeito, a organização politica na Venezuela fora transformada em verdadeiro Frankenstein político, por Maduro. É um jurisdicismo golpista, eis que coisas inauditas foram perpetradas por Nicolás Maduro: havendo sido a Assembleia Nacional conquistada pela Oposição pelo voto popular, a única maneira de resolver o problema foi o de declarar a A.N. em desacato, e substituí-la pelos novos membros, oriundos da operação de superlotação do STJ.
                   Como se vê, o procedimento de Maduro é o de empilhar ilegalidades, e quando estas não bastam, reforçar a dose com inconstitucionalidades.
                    Antes tarde do que nunca? Apesar de ter demasiada razão, porque esperou tanto a pugnaz e corajosa Procuradora-Geral da República?       
              Não se pode decerto discutir do acerto de suas medidas. O que causa estranhável espanto é a tardança.
                    De qualquer forma, e com a dupla razão de sua (compreensível) irritação diante de mais outra flagrante inconstitucionalidade de Nicolás Maduro, i.e., a polêmica convocação de constituinte extra (a dos vereadores), que não está prevista pela Constituição, e que como a vira-latas que é, se espoja em cínicas inconstitucionalidades, a Procuradora-Geral resolveu reagir.
                     Ainda que no mundo caribenho, as coisas procedam devagar, a Macondo de García Márquez está aí,  o questionamento pela Procuradora-Geral da nomeação dos membros do STJ tardou um ano e meio (dezoito meses). A explicação de Ortega Díaz está na dificuldade e na consequente demora no acesso às atas que deveria assinar.
                    A própria vivência da realidade caribenha, com governo em que se somam corrupção e incompetência, acrescenta outra característica à pátria venezuelana.
               Em atmosfera kafkiana, o absurdo faz parte do dia-a-dia, e tudo tende a parecer natural na antiga terra de Bolívar, em que o nome do Libertador enfeita a violência uniformizada dos pelotões repressivos, e os temíveis coletivos surgem do nada para reprimir, nessa cruel loteria da pobreza,  com tiros certeiros a quem ousara sair dos próprios casebres para protestar contra fome e miséria.



( Fontes:  O Globo,R.Polanski, F. Kafka, G.García Márquez ) 

Nenhum comentário: