quarta-feira, 21 de junho de 2017

O ataque à Procuradora-Geral

                              
 
        A ditadura de Nicolás Maduro - que encontrara na Procuradora-Geral Luísa Ortega Díaz uma figura corajosa e determinada, que exercia as prerrogativas do próprio cargo para tentar reforçar as defesas do Estado chavista em favor da democracia - trata agora de desvencilhar-se dessa julgada incômoda alta-funcionária.
         Ao proceder de tal forma, o regime de Nicolás Maduro muda de postura em relação à Procuradora-Geral. A nova atitude corresponde à conscientização de  que, para este regime ditatorial e corrupto, não é mais possível coexistir com a Dra. Ortega Díaz, e a sua ênfase no espírito da constituição de Hugo Chávez.
         Se o chavismo sempre trouxe  carga autoritária, essa orientação no período de Hugo Chávez tinha um viés democrático, que através do apoio popular era sustentado por consenso majoritário.
          Sob o sucessor Maduro, os aspectos consensuais e democráticos do chavismo foram ficando pelo caminho, através das sucessivas intervenções autoritárias do órgão da Justiça chavista, à medida que a popularidade de Maduro foi minguando, e sobretudo por força da respectiva incompetência administrativa.
           Por isso, os institutos democráticos da Constituição foram sendo fechados ou desvirtuados. O direito ao recall - que era um apanágio da origem democrática da Constituição chavista - foi autoritariamente anulado na prática, quando a autoridade encarregada se negou a submetê-lo à votação popular, como determina a Constituição. Retirou-se assim da população a faculdade de livrar-se do incapaz Nicolás Maduro, que - já o disse nestas linhas - não quis sujeitar-se ao que Hugo Chávez enfrentara e vencera a seu tempo.
            Por outro lado, como a Oposição  conseguiu democraticamente a maioria na Assembléia Legislativa,  o governo Maduro procedeu à mais uma de suas "reformas" que, na verdade, correspondem ao fechamento dos canais democráticos.  Primo, através do chamado Tribunal Supremo, Maduro logrou que se ceifasse da Assembléia Legislativa parte da maioria lograda democraticamente nas urnas por uma sentença do dócil - com Maduro - referido tribunal, que retirava de um número determinado de deputados o seu direito de integrar a Assembleia.  Tal número correspondia exatamente ao quorum legal e constitucional que os investia  com a capacidade de julgar o Executivo, caso este exorbitasse de suas funções constitucionais, de acordo de resto com a práxis democrática seguida pelas democracias. 
           O endurecimento do Regime Maduro, e sua crescente incapacidade de lidar com a situação de descalabro imperante - desabastecimento geral, hiper-inflação - levou o Presidente, na verdade o Ditador Maduro, a tentar transferir as funções da Assembléia Legislativa para a chamada Sala do Tribunal Supremo.
           Esse brutal desrespeito da Constituição foi impedido de entrar em efeito pela reação internacional. 
            Todas essas tentativas autoritárias provocaram também larga reação da opinião pública, expressa nos mais diversos recantos da Venezuela. Sucederam-se as manifestações, tornadas sangrentas pela intervenção das chamadas forças da ordem - que na verdade constitui a soldadesca da pré-ditadura, além dos chamados coletivos, que são grupos armados que atacam (e matam) os demonstrantes.
            Nada reflete de forma mais gritante a incapacidade do Governo em gerir o país e a sua economia, que desce em espiral de escassez e fome, numa população que procura defender os próprios direitos, seja através de manifestações, seja com os pés buscando em países limítrofes o alimento que não encontram na Venezuela.
            A penúltima invenção jurídica foi a abstrusa convocação de uma Constituinte de vereadores, como se mais esta fuga inconstitucional possibilitasse uma saída democrática para a Venezuela.  Procurando controlar o Legislativo, o remédio para Maduro e seu bando será através de baixar-lhe o nível de representação
               Nessa triste e preocupante série de recursos disparatados e absurdos, o último agora se desenha na tentativa de controlar e dominar a figura democrática da Procuradora-Geral Luísa Ortega Díaz, representante de órgão constitucional, que ora, no caminho do regime Maduro de tudo nivelar ao mais baixo, se pretende muito provavelmente cercear-lhe os poderes constitucionais, intentando retirar dessa alta funcionária a sua capacidade constitucional de tanto assegurar, quanto velar pelo bom funcionamento da Constituição.
                Dentro do presente descalabro constitucional, político, econômico e social, não surpreende decerto que esse aborto chavista ora pretenda inviabilizar um dos poucos instrumentos constitucionais que, por ser mantido, mesmo contra a vontade da  corrupção imperante do regime Maduro, ainda lograva conter a sanha e a avidez da súcia que se apoderou do poder na Venezuela.
                  No entanto, como reza qualquer Constituição que se preze, todo o poder emana do Povo. As eventuais autoridades só o detêm na medida em que lhe respeitam as premissas, garantias e objetivos.
                  Se seguirem na sua marcha batida contra tudo o que significou essa Constituição, o governo corrupto de Nicolás Maduro estará assinando a respectiva condenação.


( Fonte: Folha de S. Paulo )  

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