sábado, 24 de junho de 2017

A derrocada de Michel Temer

                              

          Nunca um fato isolado terá tido tanto efeito sobre uma presidência quanto a gravação feita por Joesley Batista, da JBS, no porão do Palácio do Jaburu. O caráter insólito dessa ocorrência, o fato de o presidente Michel Temer haver concordado com tal surrealista conversação  é desses eventos que demandam muito tempo para serem entendidos.
           Desde aquele momento, iniciou-se o inferno astral do Presidente. É difícil entender, por outro lado, que aquela estranhíssima conversação  tenha podido ocorrer sem outros constrangimentos que, por ora, seriam desconhecidos.
           Para entender que um político como Temer haja concordado com tal exercício constitui um dos grandes enigmas desse lúrido episódio. Se Temer nunca foi cotado pelo excessivo brilho político, forçoso é reconhecer que até aquele momento ele não era mal avaliado pelo tribunal da opinião pública. Dentro do PMDB, essa grande federação partidária, Temer dispunha de conceito até  favorável, tendo alguma liderança dentro daquele conjunto de raposas da política.
           Mostrara no passado jogo de cintura e a oportuna colocação de restrições que lhe mostrava o juízo político atilado. Quando os representantes dos partidários da Lei da Ficha Limpa bateram no Congresso, ele os recebeu à porta e logrou com habilidade colocar a condição para o início dos moralizadores efeitos dessa grande Lei de iniciativa popular na condenação em segunda instância. Com a sua experiência, orientou a comissão redatora para que concordasse em levantar a barreira além da primeira instância, por ele então definida como limite demasiado baixo para o alcance da Lei. Conseguida a modificação, com o de acordo da Comissão às portas do Congresso, o trânsito desse projeto de iniciativa popular se transformaria na lei complementar nr. 135, de 2010.
            O atributo de primus inter pares que Temer então demonstrara, também se sinalizaria pela celeuma criada por uma entrevista às páginas amarelas da revista VEJA, do deputado Jarbas Vasconcellos em que este se reporta à corrupção no PMDB. Houve grande rebuliço nessa grande federação partidária, e o tema veio cair na mesa do deputado Michel Temer, que na época exercia já lugar de prestígio no PMDB. Não obstante, os conciliábulos e as reuniões, essa grande federação partidária a que evoluiu (ou involuiu) o PMDB não pôde chegar a uma resposta sobre a questão ao deputado pernambucano Jarbas Vasconcellos. Essa estranha dificuldade já dizia muito sobre a real natureza da situação  naquele momento de o que fora o Partido de Ulysses Guimarães.
           Durante a dílmica presidência e  seus dois mandatos, o segundo especialmente desastroso, Michel Temer soube, de uma aliança de interesses recíprocos, começar a dissociar-se do dílmico malogro, no desastre ético e administrativo evidenciado pela implosão do PT e da própria Dilma, de que o impeachment foi acionado, levado por assinaturas prestigiosas como a de Hélio Bicudo, a que se seguiu a queda daquela que Lula da Silva apontara como uma chefe natural para a presidência.
            O interessante é que o slogan do Fora Temer! não surtiu qualquer efeito prático. A gestão de Michel Temer  se assinalaria por duas fases: a ascensão, com bons resultados na economia e nas finanças,  quando tudo indicava que Temer concluiria o mandato com uma administração em que, se o brilho nunca mostrou o ar de sua extrema graça, já apontava para a conclusão satisfatória. O surtout pas trop da aurea mediocritas aí comparecia, com um que outro deslize, mas nada que justificasse um ulterior Fora Temer!     
            Tudo mudaria com a estranhíssima audiência concedida à noite, na quase escuridão dos porões do Palácio do Jaburu. Se na quarta-feira é que tudo muda para o carnavalesco, essa entrevista que não se sabe como foi concedida, estaria iniciando uma crise com que Michel Temer, um homem que prosperara na aurea mediocritas, jamais poderia antever, conquanto  coisa tão bizarra semelha demandar motivação ainda mais inconsueta.
            Como o espírito de autoconservação está presente em todos e precipuamente no homo politicus, algo que ainda não transpirou terá condicionado aquela bizarra entrevista, em que até mesmo a Velhinha de Taubaté suspeitaria de estar sendo montada para comprometedora gravação.
              Há coisas estranhíssimas na entrevista, a primeira das quais é que ela tenha logrado existir, por condicionar a lusa suspeita de que ela visava a uma gravação. Como ninguém costuma dar um tiro no próprio pé sem para tanto ver proveito ou outra forte razão que o faça (ou o obrigue) a admitir fatos e coisas que normalmente, por simples espírito de auto-preservação, não o faria.
              No seu artigo de hoje de o que chama "o Termidor da Lava Jato", o colunista Demétrio Magnoli assinala fatos que qualifica como "indisputáveis":  "1) antes de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado da P.F.; 2) como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial absoluta."
               Dada a circunstância de que até hoje nenhum delator lograra livrar-se integralmente da culpa incorrida por seus atos ilícitos ora colhidos pela Operação Lava Jato, é compreensível o estupor causado por ter saído do episódio sem incorrer em nenhum tempo de cadeia (daí a imunidade judicial absoluta acima citada).
                 No julgamento de ontem, sete ministros concordaram em atribuir a Joesley o que nenhum delator até o presente conseguiu: sair indene do episódo, a delação correspondendo a alvo lençol que o livrava de qualquer pena a ser inteirada.  Nas fortes palavras de Demétrio Magnoli "nas suas argumentações, os ministros do STF esconderam-se atrás do biombo dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades" (...) "Prevaleceu o espírito de corpo: os juízes resolveram não desautorizar Fachin" (que concedera tais vantagens ao delator Joesley) "assim como antes não desautorizaram Lewandowski, que jogou a Constituição pela janela, para preservar os direitos políticos de Dilma. Nesse passo, em nome do mais estreito corporativismo, criam um precedente para novas operações jacobinas."
                 Não pára aí a avaliação de Demétrio Magnoli.  Refere-se ele à decisão sobre o mandato de Aécio: "É de notar-se que a Constituição não admite a cassação judicial de mandatos parlamentares: só os eleitos podem cassar os eleitos.  O princípio foi violado no caso Eduardo Cunha, por meio da manobra da 'suspensão' do mandato. Na ocasião, Teori Zavascki, autor da sentença, justificou-a como uma "excepcionalidade", admitindo implicitamente que cometia uma ilegalidade. Fachin, que age como despachante de Janot, apoiou-se no precedente para determinar a suspensão do mandato de Aécio. Se uma vez mais, o STF colocar o espírito de corpo acima da letra da lei, a exceção se converterá em norma, destruindo a independência dos Poderes."
                "Temer é uma desgraça e Aécio vale menos que a tinta desse texto, mas ambos não passam de notas de pé de página na nossa história. O jacobinismo, por outro lado, ameaça valores preciosos - e, inclusive, a própria Lava Jato. Os fins e os meios estão ligados por um fio inquebrável.
                 "Procuradores e juízes devem implodir as máfias politico-empresariais incrustadas no Estado brasileiro seguindo, escrupulosamente, as tábuas da lei. A alternativa é o Terror - e depois, o Termidor."


(Fonte: artigo de Demétrio Magnoli sob o título "O Termidor da Lava Jato") 

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