Ao completar-se o primeiro mês do governo de Dilma Rousseff, com as necessárias reservas, é oportuno que se faça uma avaliação preliminar . Não será recurso retórico, que se sublinhe o caráter tentativo desta empresa. Tal não se deve tão só à circunstância de que a administração apenas comeca sua caminhada. As semanas iniciais tendem a mostrar-se plenamente quando se dispõe de período mais amplo de juízo. Afinal, muitos projetos – que auguramos existam – ainda não são conhecidos da opinião, ou então mal encetam a sair das pranchetas do Planalto.
Diante de o que precede, a cautela é de regra, sendo elementar que se lhe dê, nessas introdutórias semanas, o privilégio da dúvida.
A discrição da Presidenta Dilma Rousseff, se não se afigura de todo surpreendente, constitui característica que será mister mais do que assinalar, louvar, pelo que representa de positivo não só em relação ao novel governo, mas também no que concerne à sociedade civil, em atitude de singelo respeito.
Essa postura, que espero seja natural e não-efêmera, se torna ainda mais vincada pelo inevitável cotejo com o histrionismo pregresso, a busca do movimento por ele próprio, a despejada saraivada de conceitos e impressões que muita vez de valor apenas possuíam a vantagem habitualmente concedida à respectiva fonte.
Ao invés do voluntarismo vazio, muita vez importuno, mas sempre militante, o silêncio só interrompido por um dizer pensado e comedido pode realmente ser de ouro.
Antes de passar a outros campos, quero crer que Dilma Rousseff não escolheu a reserva por recomendação de marqueteiro. Não me pejo a propósito de repisar a relevância do juízo de Buffon de que o estilo é a pessoa. Não me parece condizente com este traço básico da personalidade, que venha a ser encarado como artigo descartável, usável unicamente para cativar ou impressionar o povo. Até prova em contrário, o verdadeiro líder não está à venda, ou para adequar-se à suposta modernidade, se conforma às prescrições do mercado.
Também muito positiva a imagem de trabalho e de reuniões manejáveis que marcaram-lhe a rotina no Planalto. É o que se espera da Chefe da Nação. Discutir as principais questões com os ministros que se augura sejam competentes e, em seguida, dar as necessárias orientações.
Em outras palavras, gerenciar os despachos, dar instruções claras e dirimir eventuais dúvidas. Dilma tem experiência no mister, posto que o faça agora com capital distinção. A partir de primeiro de janeiro, na linguagem popular de Harry Truman que exibia na sua mesa a expressão ‘aqui pára o jogo de empurra’[1], Dilma não tem mais a quem pedir orientação. A responsabilidade, e ela costuma ser pesada, recai sobre os seus ombros.
Tampouco discordo de que o melhor momento de Dilma Rousseff foi aquele da tragédia da enxurrada na região serrana. Sem apressar-se, nem tardar, transformou a respectiva presença nos locais flagelados na intervenção apropriada, em que a participação no sofrimento da população atingida não se revestiu de contornos decorativos ou oportunísticos. Soube trazer a esperança, sem descurar de dizer a verdade que outros evitariam. O acerto de sua mensagem resta, é certo, a conferir, mas o fato de apontar uma causa real tende a acenar com mudança de atitude. Não mais o fatalismo ritual a cada verão, na monótona repetição da falência do Estado em prevenir aquilo que é mais do que previsível.
Cumpre agora uma vista sumária de o que podem significar no futuro situações e desenvolvimentos pouco favoráveis ou mesmo lamentáveis.
Existe no governo, e não é de hoje, lastimável confusão entre o técnico e o político. Este não deveria prevalecer sobre aquele, excluídas as exceções de regra. Tampouco se pode confundir, como bem o dizia Raul Fernandes, a fazenda pública com as finanças privadas.
Longe de mim dar a impressão de que as linhas acima correspondam à conduta da Presidenta. Pelo seu apego ao trabalho, a sua firmeza e disposição pró-ativa, Dilma tem a meu ver todas as condições de cortar o nó gordio do negocismo e da corrupção, que representam, na terra dos impostos, o tributo mais iníquo e quiçá mais oneroso.
Lamento, outrossim, notar que a Presidente não se valeu de uma prerrogativa presidencial, que luziu bastante forte nos cem dias de Franklin Roosevelt. Não há negar que a situação era outra e depois da inércia de Herbert Hoover os Estados Unidos acolheram com alívio e esperança a atuação afirmativa de F.D.R.
Sem embargo, esse atributo presidencial, a que os poderes atribuem o benefício respeitoso da dúvida, pode ser usado para ações de impacto ou tópicas. Nos noventa, a ação foi aceita apesar de inadequada. Ao não enviar projetos de reforma ao Congresso – que adumbrara no discurso de posse – não é a Presidente Dilma que perde uma oportunidade valiosa, mas sim o Brasil que desde muito semelha acomodado a medidas de pouca monta, sob o melancólico e contraproducente compasso da rotina.
Um Presidente precisa ousar e para tanto não há janela mais apropriada do que as suas primeiras semanas. Em palavras simples, o Povo merece tal empenho. Como antecipar mudanças auspiciosas de assembleias que cuidam sobretudo dos próprios privilégios e que se alienam no estulto corporativismo tão insuflado pelos costumes e a distância do Planalto central.
Por fim, uma palavra consternada sobre Belo Monte. Ao desencadear o processo, arrancando dúbias licenças, a senhora, mais do que um ato inoportuno, cometeu um erro. Agindo desse modo, aciona um mecanismo tão nefasto, quanto desnecessário. A prudência é tão indispensável quanto a ousadia. Ambas têm a sua hora e, pesa-me dizê-lo, nesses dois últimos tópicos, a senhora errou ao trocá-los. Ousadia nas reformas e cautela no meio ambiente, e não o oposto.
De toda maneira, nesses trinta e um dias a sua atuação foi de molde a arrimar-nos na esperança. Que também é uma virtude necessária.
( Fonte: Miriam Leitão e O Globo )
[1] No dito inglês “the buck stops here”.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
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