quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Referendo no Sudão do Sul

Desde algum tempo, o Sudão voltou ao noticiário. A mídia se ocupa do referendum que ora se processa no sul do Sudão. O próprio Jimmy Carter lá esteve e fez declarações otimistas quanto a eventual liberação pelo governo de Cartum da responsabilidade do Sul pela dívida internacional do Sudão.
Neste aspecto, não tardou para que houvesse manifestações dissonantes das autoridades sudanesas. No entanto, a participação ou não no ônus da dívida não estará decerto entre as maiores inquietações a pesarem sobre o futuro deste grande país, seja ele dividido ou não.
A votação que se processa ao longo da semana – o que se torna necessário pela precariedade dos meios, as grandes distâncias envolvidas, e o interesse em que parcela significativa do povo sudanês do sul venha a expressar a própria escolha – transcorre em atmosfera de otimismo, pública satisfação, com afluxo que tem superado as expectativas.
Tudo leva a crer que seja sufragada de forma maciça a opção pela independência. A sofrida população sulista, que sai de um conflito interno de 38 anos com o Norte, quer acreditar que a respectiva opção, livremente expressa e resultado de longo processo internacional, venha afinal a concretizar-se.
Como se sabe, a guerra entre o governo de Cartum, dominado pelas etnias de origem árabe e de credo muçulmano, e as regiões do Sul, de população negra e de cultos cristão e animista, se assinalou pelo desigual do enfrentamento, com as maiores perdas padecidas pelo sul.
Darfur constitui a tal respeito uma área símbolo, dadas as incursões de soldadesca estipendiada pelo Norte, com vistas à devastação de aldeias e áreas de cultivo da população dessa região. Apesar das simpatias do Ocidente pela causa do sul, dada a alegada baixa intensidade do conflito, não houve possibilidade de o Conselho de Segurança adotar resoluções mais enérgicas. Para tanto, contribuiu o interesse da República Popular da China na importação de petróleo, que por enquanto está sob controle do governo central sudanês.
Nesse sentido, o Tribunal Penal Internacional da Haia emitiu, em 2009, mandado de detençãp contra o presidente sudanês, general Omar al-Bashir. Ele é suspeito de responsabilidade em trezentas mil mortes. Não obstante, dada a escassa aceitação da autoridade internacional do TPI, o general al-Bashir pôde afrontar o mandado, eis que na maior parte dos países – sobretudo na África e no mundo islâmico – esta ordem internacional não é cumprida.
A estimativa é de que mais de dois milhões de pessoas hajam caído vítima do conflito intestino. Por isso, semelha natural que a esmagadora maioria dos sudaneses do sul aspirem à separação do norte, e à constituição de nação independente no meridião.
Para tanto, é indispensável que exista comparecimento superior a sessenta por cento dos votantes registrados. Atendido tal requisito, se a maioria escolher a secessão de Cartum, começarão as providências para determinar, de forma amigável, os limites respectivos. Tal processo se iniciará a partir de nove de julho vindouro. Na parte nortista da região sul existe o distrito Abyei que é objeto de litígio entre o Norte e o Sul.
Enquanto o norte está obviamente estruturado, o sul é ainda um conglomerado de boas intenções. Com base em Juba, a provável capital sulista, o novo país carecerá de organizar-se e ter condições de prevalecer e prosperar.
A maior parte das reservas de petróleo do Sudão se situam no sul. Este fato geológico e geográfico constitui simultaneamente dádiva para os sudaneses do sul, mas também um desafio. Como será tratado o assunto pelo Sudão do Norte representa uma das maiores interrogações sobre a paz na região e as perspectivas de entendimento.
Por fim, atendidas as implicações desse largo contencioso, e a sua condução com a participação das Nações Unidas e da Organização da Unidade Africana, caberia ulterior observação a respeito. Thabo Mbeki, o ex-presidente da África do Sul e opaco sucessor de Nelson Mandela, preside a Junta de Alto Nível de implementação da OUA para o Sudão. Dados os seus antecedentes na intermediação internacional – não teve atuação de monta na composicão da situação do Zimbabue entre o ditador Mugabe e a oposição democrática -, as expectativas sobre a respectiva contribuição para uma estabilização entre o Sudão e a possível nova nação carecem de ficar em suspenso.
No contexto, a atitude de cautela da OUA quanto à revisão de fronteiras na África é compreensível pelo seu pragmatismo. Dentro da arbitrariedade das divisões políticas africanas instituídas pelo colonialismo[1] imperante até a segunda metade do século XX, entende-se que a OUA evite mexer na caixa de Pândora das fronteiras, e consequentes redistribuições de etnias e tribus, nos estados africanos.
A gravidade da crise sudanesa obrigou a OUA a abrir uma exceção. Outro problema sério que se coloca para a organização africana é o continuado agravamento da crise do estado falido na Somália, de que a explosão da pirataria é desenvolvimento conexo. Mas isto é questão para outro tópico.

( Fonte: International Herald Tribune )

[1] E não só na África. No Oriente próximo, a Transjordânia saiu do risco desenvolto de Winston Churchill. Sem tradição ou base nacional sólida, daí surgiu o atual Reino da Jordânia, que pela habilidade do rei Hussein (1935-1952-1999) soube negociar a respectiva sobrevivência em meio aos escolhos da crise médio-oriental.

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