terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Insurreição na Tunísia e o Mundo Árabe

A queda de Ben Ali, após ditadura de 23 anos, o que representa para a Tunísia e o mundo árabe ?
Está em curso no momento tentativa da elite dominante em controlar a insurreição e, assim, impedir que o movimento popular tenha consequências revolucionárias.
Por enquanto, os efeitos da rebelião parecem em processo de contenção. O levante se propagara pela morte do universitário desempregado Mohamed Bouazizi – que em dezembro pôs fogo às vestes em protesto contra o confisco pela polícia de carrocinha de frutas, o seu único meio de subsistência.
A história das revoluções têm várias possíveis evoluções. Podem ser abortadas – como a sublevação dos nobres chamada journée des dupes[1] contra o primeiro Ministro Cardeal Richelieu, que foi entretanto confirmado por Luis XIII -, domesticadas, como a revolução de 27 a 29 de julho de l830, pela qual Luis Filipe, de Orléans, sucedeu ao destronado Carlos X, irmão mais jovem de Luís XVI -, ou terem realização plena, como a chamada revolução americana, iniciada na década de setenta do século XVIII.
Para guardar uma símile consentânea com os exemplos acima, pelo andor da carruagem se poderia, por ora, alvitrar para o movimento tunisiano a solução intermediária.
Depois da fuga do tirano – acolhido pelo rei Abdallah, da Arábia saudita – se assiste a formação de governo que, pelas aparências, não promete mudanças radicais. Com efeito, o poder está sendo empunhado por antigos partidários de Ben Ali. O presidente interino, Fouad Mebazza, antes presidia o parlamento. Em ditadura, como a de Ben Ali, não é difícil presumir que Mebazza era homem da confiança do regime, num organismo de chancela das determinações do Executivo.
Tampouco de Mohamed Ghannouchi, primeiro-ministro de Ben Ali por onze anos, portanto,homem de sua estrita confiança, se pode esperar que vá colocar o boné frígio[2] e se transformar em revolucionário.
Por sua vez, o gabinete, tachado de união nacional, se compõe de dezenove ministros, dos quais dez independentes e três líderes da oposição.
Se a respectiva chefia foi empolgada por antigo familiar de Ben Ali e se os ditos líderes oposicionistas pertencem, na verdade, àquela oposição de fachada, tolerada pelo ditador, as perspectivas de real transformação se afiguram muito débeis (os autênticos adversários do regime não foram, por ora, convocados por Mebazza).
E a reação popular diante desse ‘gabinete de unidade’ foi bastante dura, como se poderia antecipar: ‘o governo continua o mesmo !’ gritou a multidão. Com efeito, o único oposicionista com alguma credibilidade – Najib Chebbi, nomeado Ministro do Desenvolvimento Regional – é andorinha solitária. Os partidos considerados ilegais por Ben Ali – o Comunista e o Islamista – não foram chamados para participar do ministério.
A formação de um governo em que o sistema de Ben Ali continua preponderante reavivou a chama das manifestações, dirigidas mormente contra o Ministério do Interior, que com Rafik Belhaj Kacem (V. blog de 16 do corrente) constituira a cara da repressão.
Sem embargo, a chispa da revolução – que partiu da tranquila Tunísia – inquieta os autocratas do mundo árabe. Assinalam-se manifestações no Egito (Hosni Mubarak), na Jordânia (Abdullah II) e na Argélia (Abdelaziz Bouteflika).
Desde o assassínio de Anuar el-Sadat em 1981, que Mubarak retém o mando. Com mais de oitenta anos, teria a intenção de legar a presidência ao filho. Na Jordânia, país inventado por Churchill, o atual monarca tem de lidar com população com grande presença de palestinos (sucedeu, em 1999, ao pai, o rei Hussein).
Por fim, segundo observadores, a Argélia seria o país que pelas características do regime mais se assemelhasse à vizinha Tunísia. Bouteflika, que assumiu a presidência em 1999, acumula reeleições e haveria, como alhures, naquele país do Magreb também insatisfação e desemprego.
Por sua vez, o também vizinho Muamar Kaddafi lamentou a partida de Ben Ali. Dada a extensão dos domínios respectivos (Kaddafi desde 1969 e Ben Ali, 1987) é compreensível a comum simpatia.
No entanto, predizer o amanhã é tarefa ingrata e arriscada. Nisso a história nos fala muitas coisas, nem todas confiáveis. Por exemplo, em fevereiro de 1848, a queda de Luís Felipe na França ateou na Europa o fogo revolucionario, sacudindo velhas monarquias, como a Austria do primeiro-ministro Metternich. E ao cabo de muito levante, perda de vidas e posses, tudo ali mudaria, para, em fim de contas, tudo ficar um tanto na mesma. As grandes transformações foram postergadas para mais tarde.
Como serão as coisas no Magreb e no mundo árabe ? É hora de fazer as apostas, mas não de predizer resultados.

( Fontes: CNN e International Herald Tribune )

[1] O dia dos logrados, em onze de novembro de 1630.
[2] O boné frígio era o símbolo das massas revolucionárias na época da Revolução francesa (1789-1794).

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