segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O que Fazer do Projeto Rebelo

Aprovado por comissão ad hoc, nos estertores da passada legislatura, esse documento pelo qual o deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP) selou a sua peculiar aliança com a frente ruralista, agora jaz nas generosas gavetas da Câmara, à espera da sorte que os deputados eleitos nos comícios de três de outubro tencionam dar-lhe, ao serem retomados os trabalhos nesta primeira sessão.
Pela qualidade do chamado relatório Rebelo, as razões que o motivaram, e os específicos fins a que se propõe, ele mereceria ser consignado ao imenso monte dos projetos destinados ao sono permanente dos arquivos mortos.
Na sua feitura, o relator jamais procurou ouvir os especialistas na matéria. Ao invés, abrigou-se em conceitos ultrapassados, ambições presentes e postulações irresponsáveis.
Se, no entanto, esse amontoado de regras, que tem por norte a demagogia e a filosofia da cigarra, possa servir para qualquer coisa na tramitação legislativa, que o seja para dar origem a um substitutivo, que venha escoimá-lo das danosas emendas ao vigente código, e que tenha presente a realidade de mãe-natureza.
Diz o dito popular que algo de bom se pode retirar do mal. Dessa verdade a que os arremedos de audiências públicas do nobre deputado Rebelo fizeram ouvidos de mercador, delas excluindo a voz dos cientistas e especialistas, o Brasil na passada semana obteve outra amarga prova.
Se no passado, a teimosia dos catarinenses ignorou o sábio conselho de elementar precaução ambiental, o triste desastre na região serrana do Rio de Janeiro vem desmascarar as inqualificáveis modificações que, na ânsia de agradar aos ruralistas, o senhor Rebelo se propõe introduzir no atual código florestal.
Em mais do que oportuna reportagem, a Folha de S. Paulo escancara o que pode decorrer da projetada revisão do Código Florestal. Legalizando as áreas de risco, o anteprojeto amplia descaradamente as possibilidades de tragédia.
É difícil – mas não impossível – crer que, sacudidos por mais de seis centenas de mortos, e com a devastação das encostas, das construções civis e dos cultivos – que os adeptos desse aleijume legislativo ainda se proponham fazê-lo passar a toque de caixa na Câmara dos Deputados. Tudo isso seria contra a razão, mas pelo visto pode ser que não lhes seja argumento bastante, eis que, se a tivessem presente, nunca teriam ajuntado tais regras, nem muito menos as votado em comissão especial, adrede congregada, no estrebuchar da passada legislatura.
A tal propósito, seria de encarecer a alguma alma generosa que leia da tribuna a página primeira do suplemento do Cotidiano, publicada no domingo dezesseis de janeiro pela referida Folha de São Paulo. Os anais da Câmara e quem presente estiver à sessão hão de agradecer.
O anteprojeto do Sr. Rebelo deixa de considerar topo de morro como área de preservação e libera a construção nas encostas. Assim, os cimos das montanhas deixam de ser preservados, a par de desconhecer a atual proibição de ocupação a partir de 45 graus de inclinação. Ratifica, outrossim, a insensatez do ilegal código estadual de Santa Catarina, ao reduzir as matas nas margens dos rios a ridículos cinco metros, ao invés dos atuais trinta metros (a extensão pode variar segundo a largura do rio).
Com a catástrofe serrana – cujas lições decerto não se cingem às cidades – reecoam as perguntas de por quanto tempo ainda a sociedade brasileira – citadina e rural – terá de sofrer as pesadas perdas, como a última que lhe confere o penoso galardão de ser a maior tragédia de todos os tempos.
A cada verão, com os seus aguaceiros e torrentes, o Brasil dá o espetáculo de um país com governantes e povo que não respeitam os mínimos preceitos de prevenção ambiental e de elementar prudência.
Muito carece de ser feito nas cidades e no campo. Nesse último, é bom que o aviso de janeiro soe forte também nos ouvidos dos legisladores, inclusive os da frente ruralista. Pois esta demagogia não lhes será de muito proveito. Ao contrário, a ganância de uns poucos e a burra astúcia de outros os conduzirá não só para a devastação das florestas, mas aos deslizamentos e às enxurradas, com seu rastro de morte e miséria.
Chega de irresponsabilidade e de torpe demagogia ! A hora é de construir e de garantir o futuro, e não de preparar outras desgraças, com seu rastro de pobreza e devastação.

(Fonte: Folha de S. Paulo )

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