As contínuas peripécias e vicissitudes do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi só são compreensíveis no estrangeiro se forem vistas no contexto cultural italiano, sobretudo se aditarmos amplas talagadas da commedia dell’arte.
Os personagens da Commedia nas suas apresentações em praça pública seguiam um roteiro, o chamado canovaccio, em trama na qual possuíam quase completa liberdade de ação.
Se os tipos representados eram bem conhecidos do público, das grandes cidades aos povoados interioranos, o interesse no enredo se achava justamente na improvisação dos atores dentro das características fixas de cada personagem-tipo.
Dessarte, as modulações na sua atitude e no desenvolvimento da trama tinham limitações tácitas, inseridas na fama pregressa de cada integrante do elenco da commedia dell’arte.
Assim, paradoxalmente, cada encenação da commedia podia ser considerada diferente, pelas reviravoltas e surpresas no desenvolvimento da interação dos personagens, posto que, vista sob um ângulo genérico, ligado aos aportes dos atores nos papéis tipo dava igualmente a impressão de ser a mesma estória, com um desfecho sempre previsível.
Na vida política real, Silvio Berlusconi não será nunca assemelhado ao tolo patrão, nem ao tímido pierrô. Na sua composição, se terá muitos traços de arlequim, seu jocoso papel tampouco desdenhará de pitadas do doutor e do polichinelo, em uma livre composição tão ao gosto das audiências itálicas na longa travessia deste ur-teatro popularesco, nos tempos obscuros de uma península sob o domínio pontifício, de invasores estrangeiros e de régulos provincianos.
Se o improviso é a sua característica principal e indispensável – pois nela residirá a capacidade do gênero de entreter e ainda surpreender os seus toscos mas vividos espectadores -, a sua forma também reflete a alma sofrida da plebe, que se identifica nos dramas singelos de um palco rudimentar, em que o mau olhado e a injustiça podem às vezes serem confundidos ou afastados por rústicas espertezas e por oportunas mentiras.
Assim, o italiano comum tende a melhor intuir as motivações e as peraltices do falastrão e conquistador Berlusconi, nas suas posturas, quiçá absurdas em outros cenários, - mas naturais em uma terra que levou a sério, com suas trágicas fanfarronadas, a Benito Mussolini, - do que a seus eternos opositores, os sisudos Massimo d’Alema e o irremediavelmente tecnocrático Romano Prodi.
Os descendentes de Tibério, com seus gostos particulares, verão talvez Silvio Berlusconi através de benévolos filtros, nas farras (ou orgias) das vilas da Sardenha (ou alhures), condimentadas com os objetos sexuais da época respectiva.
Pinçado do seu meio, a sobrevivência política de Silvio Berlusconi se torna incompreensível. Contudo, se nos confinarmos ao ambiente em que viceja e prolifera, Berlusconi não se metamorfoseia em personagem da commedia dell’arte, pelo simples fato de que o paradigma vivo e atual de expressar, pela sua desfaçatez na conduta, o mesmo eterno caráter desse gênero imorredouro da inventiva do povo.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
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