sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Catastrofe serrana : o Desafio do Terceiro Dia

Se o significado das estatísticas será sempre relativo, não é detalhe irrelevante assinalar que o desastre natural na região serrana do Rio de Janeiro é o maior na história das calamidades a assolar o país até hoje.
O segundo dia será aquele em que as povoações atingidas começam a enfrentar a dura realidade ora inserida no dia-a-dia.
No primeiro momento, desaba sobre os moradores o desembestar dos elementos, por muito ignorado no plácido fluir dos arroios e no modorrento verde das encostas. A luta pela sobrevivência diante da explosão das forças da natureza - córregos transformados em caudalosas correntes, avalanches a levarem casas e a soterrarem mansões, o entorno conhecido grosseiramente modificado, o isolamento das comunidades, a falta de energia e de água potável, as tentativas desesperadas pelo salvamento dos entes queridos, - nisso tudo um despertar brutal de ameaça que o passar dos meses parecera congelar em cenário inofensivo.
No macabro cerimonial desses eventos, o primeiro dia pós-catástrofe costuma ser reservado às visitas oficiais, de presidente e governador, para passar em revista os estragos e prometer urgentes providências e recursos. A solidariedade aos flagelados se traduz na vinda das comitivas, e a primeira imagem de tais rituais presenças vou buscar na fila de dignitários encabeçada por Ulysses Guimarães a prestarem solidariedade aos petropolitanos em desastre da década de oitenta.
Ontem, a presidente Dilma Rousseff, acolitada pelo Governador Sérgio Cabral, esteve em Nova Friburgo, a cidade com o maior número de vítimas (225) dentro do provisório total geral de 506 pessoas. Se obviamente não basta a pronta reação solidária da Presidenta – no que se dissocia do comportamento do antecessor -, é decerto importante que a chefe da nação se conscientize in loco das dimensões do desafio. A par dos recursos prometidos, releva assinalar a sua crítica sobre a ocupação irregular de encostas.
As prontas censuras do Governador Sérgio Cabral, culpando os municípios por essa desregrada ocupação, não é construtiva porque tampouco os órgãos do estado se podem dissociar de toda responsabilidade no particular. Nesse sentido, através de convênios e de oportuna cooperação, os quadros do estado devem auxiliar os municípios, a que muita vez faltam meios para viabilizar políticas de prevenção.
Os bombeiros têm evidenciado disposição que vai muito além das obrigações de seu mister. Pelo menos três deles morreram soterrados, quando lutavam para salvar vidas. No que tange a esse meritório e dedicado serviço, não pode ser calada a penúria de meios e de efetivos. A propósito, há uma imagem em vídeo que corre o mundo, em que se assiste ao miraculoso salvamento, pelo improviso de vizinhos, de dona de casa, cuja morada literalmente se desmanchava na enxurrada. Atada a uma corda, agarrada a um cachorrinho – sobre o qual a crueza da torrente levou a melhor – D. Ilair Pereira foi içada ao teto de prédio de dez metros de altura. Que hoje esteja viva, ela o deve exclusivamente ao empenho e à improvisada destreza de cidadãos inteiramente desprovidos dos instrumentos que se presumiria existirem na municipalidade pela carga tributária imposta à população.
No segundo dia da tragédia, quando as sequelas da súbita adversidade principiam a cristalizar-se, há registro de saques a residências e pousadas de luxo em Petrópolis, falta água potável em Teresópolis, em Nova Friburgo há ainda muitas comunidades isoladas, em consequência de barreiras caídas e de estradas destruídas pela enxurrada.
Sobejas são as evidências de que o Estado do Rio de Janeiro não dispõe de sistema de alerta contra desastres naturais. Esta falha gritante está comprovada pela circunstância de que nenhuma valia teve o pré-aviso pelo radar meteorológico do início da tragédia climática, eis que tal informação não foi repassada aos municípios. Se houvesse coordenação, salta aos olhos que o número de vítimas teria decrescido.
A pergunta que se coloca é se a nova Administração federal terá consciência da própria responsabilidade, iniciando o trabalho difícil na burocracia estatal para criar um primeiro núcleo de defesa civil orientada para a prevenção das ocupações irregulares, para a transposição das moradias de áreas de risco, para eventuais obras de contenção em setores prioritários. Aqui, dona Dilma, as coisas podem ser feitas a seu feitio. Sem desculpas sovadas, sem jogo de empurra-empurra, escolhendo os capazes e os competentes, afastando as nomeações fisiológicas, abrindo enfim um espaço de esperança para que o país que se jacta de ascender ao primeiro mundo não submeta a sua gente a deploráveis espetáculos de terceiro e quarto mundo.
Há muitas desculpas para a inação e a incompetência. Já as conhecemos, por exemplos passados e recentes, de forma mais que suficiente.
Nesse campo, dona Dilma, uma via se rasga para a sua energia e vontade. Que tal fazer o que os outros não fizeram ?

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo)

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